Futebol internacional

E quando for a tua vez contra o Bayer Leverkusen de Xabi Alonso, o que vais fazer?

E quando for a tua vez contra o Bayer Leverkusen de Xabi Alonso, o que vais fazer?
Lukas Schulze/Bundesliga

A temperatura do Bayer voltou a estar alta, nos píncaros, evidenciando uma diferença que chegou a parecer abissal para o Bayern, que desmantelou por 3-0 no jogo do fim de semana na Bundesliga. É compreensível que Leverkusen esteja a ferver por todos os lados por esta altura, apesar de serenidade de Xabi Alonso no olho do furacão: lá mora, provavelmente, a equipa mais entusiasmante do futebol europeu desta temporada

Um grandalhão de peito inchado, Jonathan Tah guardava o primeiro poste da baliza e Manuel Neuer, seu equivalente em tamanho, projetou-se na sua frente, cabeça primeiro. Na prática, nunca pareceu uma batalha igual: apesar dos singelos pés que habituados estão a fugir dos postes, quase à libero, o guarda-redes era um desespero com luvas postas a pisar território desconhecido. Nada pôde a mais do que um encosto no defesa central do Bayer Leverkusen, cuja testa mandou a bola para o percurso de Tapsoba, colega de posto que rapidamente viu Frimpong a correr mais à frente.

Os segundos seguintes, maníacos e a desenrolarem-se num microcosmos muito próprio, demonstraram os espíritos a viverem por estes dias no topo da Bundesliga. O veloz lateral neerlandês zarpou disparado campo fora, ciente do alvo deserta, desmantelou Raphaël Guerreiro com as suas hesitações e rematou para a baliza quando um estádio apinhado de alemães com costume de serem temperados no entusiasmo já estremecia com tantos decibéis berrados. O 3-0, nos descontos, disparou um esgrouviado Frimpong rumo ao banco de suplentes, endoidecendo o resto da equipa.

Houve pulos, abraços e corpos uns em cima de outros, o quarto árbitro, em vão, a por-se diante da molhada de jogadores que se aglomeraram nessa zona. Quando a maralha se dissipou, o lateral neerlandês estava de costas no chão e um homem sem chuteiras, desequipado, vestido de negro e com uns Stan Smith brancos nos pés, sapatos clássicos, agachou-se para o levantar: era Xabi Alonso, calmo no meio da tempestade, provavelmente o único habitante de Leverkusen com alguma serenidade naquele momento. Poucos segundos depois a partida terminou, nem se voltou a jogar. O recinto exultou, mais uma vez, na confirmação da vitória que foi mais do que isso.

Ganhar por três golos sem resposta ao Bayern de Munique, em casa, voltou a inundar o ar da fragrância que os alemães resistem a deixar entranhar, mesmo que entre narinas dentro. Clube eucalipto do país, vencedor dos últimos 11 campeonatos e sempre comprador do talento que há nas equipas que o tentam destronar, os bávaros já muitas vezes chegaram ao destino a sorrir por muito que tenham sofrido na viagem, a exemplo da época passada, quando foram campeões só na última jornada em que o Borussia Dortmund tremeu por todo o lado. Em 2024, o Bayer ‘Neverkusen’, apelido inventado pela sina de o clube já ter estado quase a ganhar muitos títulos, parecia estar a tremelicar.

Lukas Schulze/Bundesliga

Sim, eram quatro vitórias e um empate nos cinco jogos desde a virada do ano, resultadísticamente não poderia haver queixume, mas, no campo, a equipa de Xabi Alonso teve soluções, encravou por vezes, abrandou o incessante ritmo de entalar adversários em armadilhas que varrera sem piedade a primeira metade da Bundesliga. Foi preciso o papão germânico visitar Leverkusen para o rolo compressor retomar o ímpeto, mostrando todas as pequenas coisas, tudo ao mesmo tempo, que fazem deste conjunto um projeto de futebol a roçar o irresistível em campo.

Senão, vejamos: 1) o Bayer tem Granit Xhaka, médio que roça a elite com a sua calma a organizar jogadas, o referido Jonathan Tah, central de seleção alemã, mas está isento de nomes sonantes que fizessem, no verão, olhar para a equipa como candidata ao que fosse, dando-lhe algumas costelas de underdog e quem vê desporto sem ser adepto do que está em causa tem sempre um fraquinho por tais histórias; 2) o nome forte é o de Xabi Alonso, principesco quando jogava e airoso agora que treina, emanando os mesmos ares de ver coisas antes dos outros quando nem há duas épocas se tornou técnico principal de uma equipa sénior; 3) a valentia com que o Bayer joga e arrisca, a todo a hora, ser protagonista da forma como o faz.

Com três centrais e dois alas que, volta e meia, atravessam o campo para se intrometer em jogadas do lado oposto, ora para serem mais um jogador para combinar em passes curtos, ou para atacarem o espaço nas costas dos defesas com pequenas diagonais, a equipa propõe um futebol por vezes contraintuitivo perante o que é normal ver-se mas sempre intenso, e com um propósito.

Contra o Bayern, viu-se a concentração de sete ou oito jogadores, com bola, nos mesmos 30 metros quadrados de relvado, encostados a um flanco, para concentrar adversários nessa zona e depois rapidamente explorar o espaço livre. Houve essa postura mandona a intercalar-se com momentos em que a equipa se juntava atrás, sem celeumas, confortável em convidar o rival a cair-lhe em cima e contra a própria área, um isco para recuperar a bola e logo lançar contra-ataques que galgam campo fora com movimentações pré-programadas, como tudo parece ser no Bayer.

Depois, também têm olho para aproveitar os erros: Stanisic fez o 1-0 quando os de Munique adormeceram em uníssono num lançamento lateral colado à sua área, deixando entrar um cruzamento que passou por quatro jogadores diferentes e Alejandro Grimaldo, o tal que não compensava com o que atacava as supostas falências irremediáveis a defender, disparou o 2-0 com uma tabela simples para ele, inesperada num alegado lateral, expectável no jogador total que o espanhol se transformou em Leverkusen, que marcou o 10.º golo da época além das 11 assistências saídas do seu pé esquerdo. E em tudo há Florian Wirtz, o escanzelado número 10 com absurdar agilidade para driblar corpos e evadir desarmes, que faz jogar tudo o resto.

Quando Frimpong fez o 3-0, o Bayern frouxo e murcho que se assentou em três centrais, sistema que lhe é estranho, para ser um espelho do adversário, estava definitivamente aniquilado.

Os cinco pontos de vantagem do Bayer, ainda sem derrotas nos 31 jogos desta época, na liderança da Bundesliga com 13 jornadas em falta nada garantem, é tempo de sobra para artimanhas mentais surgirem na cabeça dos jogadores, azares de lesões surgirem em nomes fulcrais ou momentos de forma oscilarem - a equipa está bem viva, também, na Liga Europa. A compostura de Xabi Alonso no olho da euforia é de um homem sapiente, temerário das partidas que o futebol se farta de pregar e que às vezes surgem com a rapidez de um estalar de dedos. No que mostra e no que tem falado, ele é a calma, o pano húmido que se repousa na testa quando o corpo treme com febre.

A temperatura do Bayer voltou a estar alta, nos píncaros, evidenciando uma diferença que chegou a parecer abissal para o Bayern a mando de Thomas Tuchel, treinador de boné, fato de treino e colete que abraçou o espanhol no pré e pós jogo. É compreensível que Leverkusen esteja a ferver por todos os lados por esta altura: lá mora, provavelmente, a equipa mais entusiasmante do futebol europeu desta temporada.

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