Futebol internacional

No Euro, vamos ouvir pela última vez Toni Kroos, o Beethoven que toca futebol com os pés

No Euro, vamos ouvir pela última vez Toni Kroos, o Beethoven que toca futebol com os pés
Helge Prang - GES Sportfoto

Toni Kroos vai pendurar as botas, ele que usou as mesmas durante mais de dez anos para, mesmo calcando o relvado com pezinhos de lã, deixar uma marca indelével no Real Madrid, no Bayern Munique e na seleção alemã. Campeão do Mundo em 2014 e vencedor de cinco Ligas dos Campeões, vai jogar o Euro em busca de um dos poucos títulos que não tem. Terminará a carreira no dia em que a Alemanha for eliminada

Fazer tudo bem não é cool. Os extremos – uma trapalhada monumental ou uma revienga taumatúrgica – captam mais facilmente a atenção do público mainstream. O futebol erudito de Toni Kroos é um assunto de nicho. Uma carreira inteira a aparecer menos vezes nos resumos dos jogos do que aquilo que merecia questiona a capacidade das massas em entenderem o verdadeiro potencial do produto. Como se Beethoven se reduzisse à Nona Sinfornia.

Se o futebol tivesse um manual de instruções, esse seria Toni Kroos. Sempre conhecedor do caminho certo a seguir, é o médio que reduz logísticas na cadeia de transporte da bola até à baliza adversária. Simplista, mas não simplório. O segredo não foi a alma do negócio. Ficou tudo explanado no campo que usou como palco. Depois do final do Euro, tudo será guardado no arquivo, mas nunca apagado.

“A minha carreira de futebolista terminará este verão depois do Europeu”, anunciou o jogador. Toni Kroos termina contrato com o Real Madrid, clube que representa desde 2014, no final da época e não vai renovar o vínculo com os espanhóis. Assim, o último jogo pelos merengues vai acontecer em Wembley, na final da Liga dos Campeões, contra o Borussia Dortmund. O centrocampista segue depois para a seleção alemã, que vai disputar o Euro em casa, e colocará aí o ponto final definitivo num percurso multi-titulado. “A ambição sempre foi terminar a minha carreira no topo”.

O futebol subtilmente altivo, recheado de passes melífluos a atravessar o campo, o olhar de farol num corpo guiado pela mente. Toni Kroos, a máquina do tempo, esteve sempre um passo à frente de todos os que com ele coexistiram dentro do campo. Recebeu troféus por isso: cinco Ligas dos Campeões, um Mundial, quatro ligas espanholas e três Bundesligas a premiarem recitais ao serviço do Bayern Munique, Real Madrid e seleção alemã.

Será na Mannschaft que vai praticar pela última vez, ao mais alto nível, o desporto para o qual tem capacidades inatas. Toni Kroos, inclusivamente, depois de ter renunciado à seleção, em 2021, voltou a mostrar abertura para ser convocado, e vai dizer adeus ao futebol com a camisola da Alemanha, aquela que tinha vestida quando marcou um dos golos mais icónicos da carreira. No Mundial 2018, de ângulo inusitado, combinou um livre com Marco Reus. Entre cavalheiros se entenderam e a Alemanha ganhou à Suécia com um golo no último minuto. O Europeu é dos poucos títulos que, aos 34 anos, não ganhou.

Custa até que um dos jogadores mais à la Guardiola de sempre só tenha sido orientado pelo treinador espanhol durante uma época, ainda no Bayern Munique. “O Toni Kroos move o Real Madrid como só ele consegue”, disse o treinador do Manchester City, clube que chegou a ser referenciado como possível destino para o internacional alemão no final do contrato com o emblema espanhol. “Se tivesse que escolher um treinador perfeito para o meu jogo, seria Guardiola”, acicatou em tempos Kroos.

Um senhor do futebol, chegou a descrever como “embaraçoso” o fenómeno que está a levar jogadores em catadupa para a Arábia Saudita. “Gira tudo em torno do dinheiro. No fim das contas, é uma decisão por dinheiro e que vai contra o futebol. É aqui que começa a ser difícil para o futebol que todos conhecemos e amamos”, apontou à “Sports Illustrated”. O protesto motivou assobios do público saudita quando o médio disputou a Supertaça espanhola no Médio Oriente. Nada perturbou a frieza da sua figura.

Toni Kroos usou durante mais de dez anos o mesmo modelo de chuteiras. “A Adidas nem sempre gostou”, admitiu num vídeo partilhado pelo Real Madrid quando a marca lançou para o público um remake das chuteiras que tinham deixado de estar acessíveis para a generalidade das pessoas. Este mês, o artista trocou de batuta. O apontamento azul no calcanhar das botas deu lugar a um toque de dourado. No dia em que as pendurar, a quantidade de genialidade disponível mundialmente vai ficar mais perto de se esgotar.

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