“Eriksson era um homem inteligente e soube adaptar a ideia do futebol direto que trouxe com o futebol criativo dos jogadores portugueses”

"Esta notícia era esperada, mas nunca se está preparado. Lembro-me bem que ainda há poucos dias muitos dos jogadores que fomos treinados por Eriksson estivemos a conviver com ele no Estádio da Luz, na homenagem que lhe foi feita. Há uma semana li a mensagem dele no Facebook. Acho que demonstrou uma coragem fantástica.

O que posso dizer sobre ele é que me lembro perfeitamente quando apareceu na Luz. Apanhou um Benfica que vinha de uma época má, em que ficamos em 3.º lugar e trouxe novidades, uma maneira nova de pensar em termos táticos, colocou a equipa a jogar numa pressão constante sobre os adversários e muito à frente, logo à saída da área dos adversários. Portanto, implementou um posicionamento em campo muito diferente do que era habitual, foi uma inovação.

Embora sendo sueco, formou-se na Inglaterra e trouxe um futebol mais direto, em que a bola passava por cima dos médios como eu, o Carlos Manuel, o Shéu, o Chalana. Mas, como era muito inteligente, percebeu as características dos jogadores portugueses, que tecnicamente eram muito evoluídos, percebeu que éramos todos jogadores de ter a bola no pé, acabou por adaptar esse futebol direto e houve uma simbiose destas duas características - do futebol direto com o futebol técnico e criativo português.

Todos nós aprendemos muito com ele, mas, na minha opinião, ele também aprendeu bastante connosco. Aliás, quando saiu do Benfica e foi para Itália, foi aperfeiçoando também aquilo que criou nesta equipa do Benfica, que era uma equipa fantástica.

Outra coisa que também trouxe de diferente foi a questão dos estágios e da responsabilização dos jogadores. Lembro-me que para a final da Taça UEFA, em Lisboa, com o Anderlecht, nós fizemos a concentração no dia do jogo à hora de almoço. Nós estávamos habituados a estágios de véspera ou até de dois dias, mas ele trouxe uma perspetiva muito de máxima liberdade, máxima responsabilidade. E isso tudo, essas novidades, também ajudou a criar um élan muito especial, que jogou tanto a favor dele como da equipa.

Treinava sempre com um chapéu muito especial com publicidade à Macieira e que ficou como imagem de marca dele. Logicamente terá tido um contrato publicitário. Depois toda uma simpatia e uma maneira muito cativante de comunicar com os jogadores, muito calmo, sereno.

Recordo-me que lesionei-me no jogo do campeonato, na Amora, e na quarta-feira seguinte era a 2.ª mão da meia-final da Taça UEFA contra o FC Universitatea de Craiova; tínhamos empatado 0-0, em Lisboa, e fui fazer um teste, com o Dr. Amilcar Miranda, que era o médico do Benfica, para saber se estava em condições de jogar. Tentei tudo para poder jogar essa meia-final, mas não estava em condições. Jogou no meu lugar o Strömberg que fez um excelente jogo, passámos e fomos à final. Eu fiz a época toda como titular da equipa, mas ele optou pelo Strömberg, no jogo em Anderlecht, na Bélgica. Só joguei os 30 minutos finais do jogo da 2.ª mão, no Estádio da Luz.

É evidente que não fiquei agradado com a decisão dele, como é lógico e normal, mas as coisas ultrapassaram-se. Quando ele cá esteve falámos sobre isso, ele, eu e o Toni. Na brincadeira, ele riu-se e disse que tinha sido o Toni a dar opinião para eu não jogar. Mas claro que foi na brincadeira, ele assumiu que a decisão foi dele.
Depois de me tornar treinador, é evidente que encarei tudo de uma perspetiva diferente e entendi que às vezes temos de fazer escolhas que não são fáceis e que não agradam a muitos jogadores também.

Aliás, no início da minha carreira de treinador, em que fui para o Boavista, tivemos um confronto, para a Taça UEFA, com a Fiorentina e fui pedir uma opinião e informações sobre a Fiorentina ao Eriksson, porque na altura ele estava a treinar a Roma. E ele convidou-me para almoçar num hotel e deu-me uma excelente leitura da Fiorentina. E aquilo que posso dizer é que, por coincidência, ou não, o Boavista eliminou a Fiorentina. Foi uma ajuda importante na altura.

Foi um dos treinadores mais marcantes que tive, foi daqueles de quem mais bebi na minha carreira de jogador e que me ajudou na minha formação como treinador."