"O ano tem sido difícil para mim e para a família benfiquista, porque foram vários aqueles que nos deixaram este ano, desde o Artur Jorge, ao Rui Rodrigues, o Pietra, agora Eriksson. É sempre um bocado de nós que parte.
O Eriksson chegou ao Benfica com 33 anos e tinha ganho a Taça UEFA. Lembro-me dele dizer, ainda mal arranhava o português: “Nós vamos ganhar a taça UEFA.” Eu disse, ele vem embalado e pensa que isto é fácil. Mas o que é certo é que ele transmitiu ambição, não disse “Vamos ver se…” Não. Disse: “Vamos ganhar.” E isso é um sinal que marca. Aliás, a imagem de marca do Eriksson é a sua ambição. E apesar dele ser mais novo do que eu e ser o treinador principal e eu o adjunto, houve logo uma grande empatia entre nós.
Tivemos uma relação que começou há mais de 40 anos e que se foi cimentando ao longo destes anos todos. É um homem que ganhou o respeito de todos. Ganhou o respeito não só dos adeptos do Benfica, mas dos de outras cores, porque ele soube estar no futebol. Ele respeitou-se, respeitando sempre os outros, por isso ganhou o respeito e a admiração de todos. Depois, teve a força e a coragem. Tinha alguns meses de vida. Apanhou-nos a todos de surpresa. Para mim não foi um grande surpresa, porque o acompanhava e sabia já do seu estado de saúde, por isso não fui apanhado totalmente de surpresa.
Quando ele chegou a Portugal para a homenagem que o Benfica lhe fez, foi de uma carga emocional muito forte. Eu fui para o aeroporto e, quando ele chegou, eu senti que aquele abraço foi muito sentido. Senti essa carga. Mas fomos jantar com as famílias, mais um escritor sueco que o acompanhou nessa vinda a Portugal, e estivemos mais de duas horas à mesa e não falámos de doença nenhuma. Falámos de futebol, da vida, das experiências e histórias vividas dentro do Benfica. Ninguém falou em doenças durante aquelas duas horas.
Ele sabia o que tinha. Só não sabia o dia e a hora.
Infelizmente, não cheguei a ser treinado por ele. Com todo o respeito pelos outros, e há um que nunca deixarei de referir que é o capitão Mário Wilson, às vezes dizia-lhe que foi uma pena não ter sido treinado por ele, porque era capaz de ter sido muito melhor jogador do que aquilo que fui. Precisamente porque desde o primeiro dia que os jogadores sentiram uma motivação diferente. Porque eram treinos diferentes, era um treino motivador, e os jogadores facilmente aderiram à ideia de jogo dele, à forma como trabalhavam essa ideia de jogo.
Era muito simples a resolver as coisas. Se, por exemplo, íamos para uma digressão ou a um jogo da Champions e havia um ou outro jogador que fazia alguma asneira, era simples: “Pagas a viagem e a estadia porque não somos uma equipa de turistas.” Ponto.
Não fazia dramas das coisas. A liderança não é imposta, é tacitamente aceite. Ele não perdia a elegância. Se tivesse de usar apenas uma palavra, apesar de ser uma palavra gasta, ela assenta-lhe na perfeição: Gentleman."
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