Futebol internacional

Histórico: Cabo Verde está pela primeira vez no Mundial de futebol

Histórico: Cabo Verde está pela primeira vez no Mundial de futebol
Ahmad Hasaballah

Uma vitória chegava para os Tubarões Azuis conseguirem uma inédita presença no Mundial 2026 e, frente ao Essuatíni, os golos apareceram na 2.ª parte. Cabo Verde é o segundo país com menor população a chegar a um Campeonato do Mundo

Bastava uma vitória. E a vitória, que fugiu por pouco na Líbia, na quarta-feira, surgiu, levando ao êxtase 525 mil cabo-verdianos nas dez ilhas do arquipélago, seguramente também os 1,5 milhões filhos da diáspora espalhados pelo mundo e que também estão representados nesta equipa. Cabo Verde bateu o Essuatíni por 3-0 e garantiu o passaporte para o Mundial de 2026, um apuramento inédito que torna, até ver, o país dos PALOP com 4 mil metros quadrados na nação com menor área a chegar a um Campeonato do Mundo, só atrás de Trindade e Tobago, e o segundo país com menos população, atrás da Islândia, a jogar um Mundial.

As dificuldades da 1.ª parte foram superadas num segundo tempo em que Cabo Verde, seleção número 70 do ranking FIFA, encontrou finalmente os espaços rumo ao sonho, perante os seus adeptos. Junta-se à Jordânia e ao Uzbequistão como estreantes neste primeiro Mundial com 48 equipas e estará, com o mérito de quem agarrou a sua oportunidade, nos Estados Unidos, Canadá e México no próximo verão.

Lutando contra o vento, contra o relvado sintético, que tornava uma lotaria adivinhar a direção dos ressaltos da bola, e contra as repetidas perdas de tempo do guarda-redes do Essuatíni, Cabo Verde foi uma equipa intranquila na 1.ª parte. Na pressão inicial adivinhava-se a pressa, que nem sempre é amiga nestas situações. Uma hola mexicana dava força vinda das bancadas, os insistentes cruzamentos menos: a bola encontrava sempre a resistência do vento e os incontáveis corpos de jogadores do país do sul do continente africano, ainda à procura da primeira vitória nesta qualificação e fechadinhos atrás.

O perigo de Cabo Verde surgiu pela primeira vez apenas aos 20 minutos numa jogada não pelas alas, para onde afunilou demasiado o jogo dos Tubarões Azuis, mas sim num lance pelo corredor central, com Yannick Semedo a lançar para a área e Jamiro Monteiro a inventar uma simulação que deixou Dailon Livramento bem colocado para o golo. O remate do jogador do Casa Pia foi de primeira e repentista, surpreendendo por uma vez os defesas da antiga Suazilândia, mas saiu ligeiramente ao lado. 

Essuatíni refugiava-se na defesa de ferro e na bola longa que, ao contrário do jogo na Líbia, na quarta-feira, não enganava Cabo Verde, afoito a resolver o perigo ainda antes dele acontecer. No um para um, pouco utilizado, demasiado pouco, os jogadores cabo-verdianos evidenciavam a sua superioridade técnica, mas entre o egoísmo e os humores do sintético, os lances perdiam-se. Aos 39’, a bola chegou por fim ao coração da área, com o remate de Jamiro Monteiro a sair frouxo. Já nos descontos, Yannick Semedo tentou a sorte de longe, expediente também pouco aproveitado pela equipa de Bubista. Shabalala defendeu em esforço. 

O empate era um empate nervoso. As grandes ocasiões têm um peso.

Mas a 2.ª parte trouxe, rapidamente, boas notícias, um sacudir de um peso enorme. Logo aos 47, Dailon Livramento, na sequência de um canto, aproveitou a dificuldade da defesa adversária no alívio e foi afoito a colocar o pé para abrir o marcador. E o Estádio Nacional da Praia explodiu. Ao mesmo tempo, no outro jogo onde se decidia o apuramento no Grupo D, os Camarões falhavam uma oportunidade clamorosa. Parecia estar escrito. 

De tal maneira que minutos depois Jamiro Monteiro enviou um míssil à barra e, aos 54’, Willy Semedo aumentou a vantagem cabo-verdiana, no coração da pequena área, depois de Diney Borges ganhar um lance ao segundo poste. Cabo Verde, agora a jogar com o vento a dar uma preciosa ajuda, libertou-se finalmente de qualquer amarra. Essuatíni mantinha a fé no jogo direto, bem controlado por Vozinha.

Os últimos minutos foram já de controlo, com Bubista a refrescar a equipa e a dar minutos a Stopira, o veterano Stopira, aos 37 anos a viver o maior momento da carreira e ainda a tempo de marcar o 3-0, já dentro dos descontos. Estava mesmo escrito e, para mais, confirmado por um dos jogadores mais importantes da história da seleção de Cabo Verde, que até já tinha deixado a seleção, mas voltou a pedido do selecionador para a ajudar a sua nação.

Depois da desilusão de 2014, em que uma decisão administrativa acabou com a forte hipótese de Cabo Verde se qualificar para o Mundial do Brasil, a festa azul explodiu mais de dez anos depois, ainda bem a tempo. Tudo pelas mãos de Bubista, treinador da terra, que soube aproveitar um trabalho há muito iniciado pela federação local para encontrar jogadores da diáspora por esse mundo fora. Roberto Lopes, por exemplo, central da equipa, nasceu na Irlanda e foi contactado via LinkedIn para representar o país do seu pai.

Entre os heróis desta tarde arrepiante e escandante ao mesmo tempo na Praia, estão jogadores nascidos em Portugal, França ou Países Baixos. Antes deles, outros foram construíndo este momento de uma seleção que é a 4.ª lusófona a chegar ao Mundial e que na última década e meia conseguiu já quatro participações na Taça das Nações Africanas, em 2013, 2025, 2021 e 2023.

Nas bancadas, a festa foi rija, mas respeitadora: depois da invasão de campo após a vitória frente aos Camarões, que valeu pesada multa a uma federação onde todo o dinheiro é pouco, os adeptos respeitaram os limites dos campo. Mas nas ruas não haverá seguramente quem amarre as celebrações de um povo que há muito sonhava com o que, em tempos, parecia apenas uma miragem.

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