Curaçau é o país mais pequeno de sempre a participar num Mundial e nem teve treinador no jogo que decidiu o apuramento
ANP
A ilha do Caribe, com uma população que ronda as 156.000 pessoas, garantiu o apuramento para o Mundial 2026 ao empatar com a Jamaica e destronou a Islândia, anteriormente detentora do recorde. A qualificação automática dos organizadores Estados Unidos, México e Canadá deu a alguns países da CONCACAF a oportunidade única de assegurem o passaporte direto para o torneio
Dick Advocaat não foi para Curaçau contando ter tempo de produzir quantidades industriais de melanina. O objetivo era simples na definição, mas extremamente complexo na concretização, fazendo parecer que passar um bom número de horas exposto ao sol talvez fosse o dividendo mais realista da aventura.
“Não vim para passar férias. Se quisesse fazer isso, teria escolhido algo mais perto. Viemos para alcançar a excelência”. O treinador demonstrou em entrevista à “Voetbal International” sintomas suficientes para ser considerado workaholic. Curaçau não foi o destino escolhido para uma reforma que os 78 anos têm legitimidade para reclamar, mas sim para a sua 28ª experiência laboral.
O neerlandês andou por tantos sítios que, a determinado ponto, começou a repetir-se: foi selecionador dos Países Baixos em três momentos, orientou o PSV duas vezes e o AZ Alkmaar outras tantas. Foi também um globetrotter: treinou clubes da Escócia, da Alemanha, da Rússia, da Inglaterra e da Turquia. Ao nível de seleções, foi responsável pela dos Emirados Árabes Unidos, da Coreia do Sul, da Bélgica, da Rússia, da Sérvia e do Iraque.
Dick Advocaat a sair do singelo autocarro de Curaçau
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A carreira infinita de Dick Advocaat contou com idas ao Mundial 2006, na comitiva dos sul-coreanos, e ao Mundial 1994, ao serviço dos neerlandeses. E por que não mais um? Sendo o Mundial organizado por Estados Unidos, México e Canadá, as vagas da CONCACAF arrastaram seleções mais inusitadas junto com o peixe graúdo. Assim sendo, Curaçau estará no certame pela primeira vez.
A vitória por 7-0 contra as Bermudas deixou Curaçau a apenas um empate contra a Jamaica de se qualificar diretamente graças ao 1º lugar no grupo B, que também contava com Trindade e Tobago. Empate esse que aconteceu, sem golos. A matemática favoreceu um país nada conhecido por ser um viveiro de futebolistas.
A bandeira de Curaçau foi avistada em quatro fases de qualificação para Mundiais. Antes de 2010, o país integrava os quadros competitivos com a designação de Antilhas Neerlandesas. Esta foi a primeira vez que os jogadores que representam a ilha conseguiram sequer atingir a derradeira fase de qualificação e logo num cenário único para irem mais além.
Curaçau torna-se assim no país mais pequeno de sempre a disputar um Mundial. Há cerca de 156.000 cabeças no território caribenho de 444 km² que faz parte do Reino dos Países Baixos, embora se tenha tornado autónomo a partir de 2010. O recorde que anteriormente pertencia à Islândia (405.000) vai ser fatiado para mais de metade.
Desde 2024 à frente da seleção, Dick Advocaat não marcou presença no jogo mais importante da história do país. Devido a questões pessoais, teve que viajar para os Países Baixos nas vésperas do jogo diante da Jamaica, decisão que disse ter sido “extremamente difícil” de tomar. “A família é mais importante que o futebol”. Nem por isso, deixou de estar em contacto com Dean Gorré e Cor Pot, os elementos da equipa técnica que o renderam na partida disputada em Kingston.
Apesar de ter estado a resolver assuntos privados a quase 8000 km de distância, Dick Advocaat irá ao Mundial tornar-se no treinador mais velho a participar no torneio. O alemão Otto Rehhagel, que orientou a Grécia, em 2010, com 72 anos e 317 dias, será destronado por este iminente octogenário.
A ilha de Curaçau tem cerca de 156.000 habitantes num área de 444 km²
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A ilha de Curaçau tem cerca de 156.000 habitantes num área de 444 km²
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A ligação aos Países Baixos é inegável, visto ter sido lá que nasceram todos os jogadores da seleção de Curaçau. O próprio selecionador neerlandês, Ronald Koeman, treinado por Dick Advocaat quando ainda era jogador, fez elogios ao “fantástico” desempenho de Curaçau. “Seria ótimo estar num grupo com Países Baixos, Suriname e Curaçau”, vaticinou em relação a um sorteio do Mundial de onde espera que saiam encontros frente a nações culturalmente próximas.
Os ajustes da seleção de Curaçau começaram precisamente por um melhor aproveitamento da diáspora. O recrutamento nos Países Baixos mantém-se, mas passou a incidir em jogadores com maior peso na Eredivisie, tais como Armando Obispo (formado no PSV) ou Riechedly Bazoer (formado no PSV e no Ajax). Este último, atualmente nos turcos do Konyaspor e com passagem pelo FC Porto, chegou até a fazer seis jogos amigáveis pela seleção A neerlandesa. Claro que tudo isto só foi possível quando a liderança de Dick Advocaat exigiu que os jogadores fossem pagos, o que não era regra antes da sua chegada.
Um pouco mais de profissionalismo, mas não em excesso. A Omroep West, uma emissora pública com sede em Haia, acompanhou o conterrâneo Advocaat e conta que foi oferecido aos jogadores um autocarro moderno para utilizarem durante os estágios. A equipa rejeitou-o, preferindo utilizar o anterior meio de transporte, com uma carapaça em tudo semelhante a um autocarro escolar dos Estados Unidos, mas pintado de azul em vez de amarelo. Estranha maneira de fazer a viagem de uma vida.