Scott McTominay deixou de ser fortaleza para se tornar no abre-latas do Nápoles e da seleção da Escócia, de volta ao Mundial 28 anos depois
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De número 6 discreto no Manchester United a médio marcador de golos acrobáticos em Nápoles foi preciso apenas uma mudança de vida para Scott McTominay, o apribottiglie do campeão italiano e agora também da sua seleção, que desde 1998 não se qualificava para o Mundial
Entre os adeptos que vestem a camisola azul-céu do Nápoles como se fosse uma segunda camada da epiderme, Scott McTominay tem várias alcunhas. McFratm (napolitano para “mano”) ou McTerminator, por exemplo. Uma das preferidas do médio escocês de 28 anos é Apribottiglie, que em português se pode traduzir como “saca-rolhas”, “abre garrafas” ou, mais adequado à gíria futebolística portuguesa, “abre-latas”.
Assim é tratado este pálido britânico pela danada tendência para desbloquear resultados que passeou na sua primeira época em terras do sul da Europa. Inter, Como, Torino (duas vezes), Udinese, Empoli ou Monza foram vítimas na Serie A. Mas o golo que os adeptos do Nápoles recordarão com mais alegria será o que McTominay marcou para abrir a lata - ou tirar a rolha - ao jogo com o Cagliari, na última jornada do campeonato na época passada. Um pontapé em tesoura em posição de ponta de lança, para responder a um cruzamento carregado de glucose de Politano, deu o mote para a vitória por 2-0, que se transformou, após o apito final, no 4.º título italiano para o Nápoles.
Esta semana, Scott McTominay voltou a cumprir o seu carácter crucial, mas com outro azul: o azul escuro da bandeira da Escócia. E também de forma acrobática: foi com um pontapé de bicicleta que abriu o marcador do encontro com a Dinamarca, que terminaria em festa em Glasgow. Nada mau para quem não é exatamente um portento técnico, compensando com intensidade. Vinte e oito anos depois, a Escócia está de novo num Mundial e muito tem a agradecer ao futebolista que, no espaço de pouco mais de um ano, despiu o fato de médio defensivo trabalhador, com utilização intermitente no Manchester United, para vestir inesperadamente o de líder da linha média napolitana, com faro de escanção para o golo.
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Com Antonio Conte, Scott McTominay deixou de ser a última barreira, o médio de contenção ganhador de duelos no clube onde chegou aos 5 anos, para avançar no terreno e entrar, não poucas vezes, de rompante pela área atacante do Nápoles. Na época passada, o escocês, marcou 12 golos na Serie A, uma veia goleadora nunca vista em Manchester porque, diz, nunca foi utilizado de acordo com as suas principais qualidades. Em 178 jogos na Premier League pelo United, McTominay somou 19 golos, em Itália só precisou de 34 para chegar aos 12. O novo Scott McTominay será, na verdade, o McTominay de sempre, mas agora a jogar onde faz sentido.
“Quando cheguei à primeira equipa [do Manchester United], o meu perfil foi mal interpretado. As minhas qualidades sempre foram entrar na área, marcar golos, ser um problema no ataque. Mas estava a ser usado como n.º 6 ou até como defesa central e essa nunca foi a minha forma de jogar”, assumiu ao The Athletic, em abril.
Lançado por José Mourinho em 2017 na primeira equipa do Manchester United, McTominay fez questão, na mesma reportagem, de sublinhar que essa tal falha em perceber as suas melhores características não foi “culpa de qualquer treinador”. É possível que tenha sido apenas um problema de demasiada modéstia de um jogador chegado da academia, em busca de se afirmar pelo seu trabalho. “Quando tens 20 anos e jogas no Manchester United não vais bater à porta do treinador e dizer que queres jogar no lugar do Paul Pogba. Não é realista. Tens de saber qual é o teu lugar e fazer aquilo que te pedem”, apontou.
A bela vida italiana
Em 2021, a Escócia voltou a uma grande competição, no caso o Euro 2020. A estreia de McTominay na seleção deu-se em 2018 e Mourinho teve também um papel decisivo: foi o técnico português que alertou o então selecionador Alex McLeish que aquele jovem médio, nascido no norte de Inglaterra, tinha ascendência escocesa pela parte do pai. No Euro 2020, já com Steve Clark no banco, McTominay jogou os dois últimos encontros da fase de grupos como um dos centrais de uma linha de três na defesa, algo que soa a impensável em novembro de 2025.
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Não é menos verdade que Steve Clark foi também dos primeiros a olhar para McTominay como um médio capaz de contribuir decisivamente no processo ofensivo: no Euro 2024, na Alemanha, semanas antes de ser confirmada a mudança para o futebol italiano e para a ideia de Antonio Conte, o apribottiglie de Nápoles já era o médio mais ofensivo do onze da Escócia.
A vida pelo sul de Itália è bella dentro e fora do campo. Scott McTominay, o puto da academia do Manchester United que nunca foi verdadeiramente uma aposta para o seu clube de sempre, foi considerado o melhor jogador da Serie A em 2024/25, que acabou como o médio mais goleador da liga italiana. A sua cara já surge nas paredes do centro histórico de Nápoles, ao lado de outros mitos - Diego Maradona não tem rival, mas há um bravo escocês a intrometer-se nos corações partenopei.
McTominay responde com uma genuína paixão pela sua nova casa, tão diferente da industrial Manchester, onde passou grande parte da sua vida. “Tem sido incrível e eu só quero dar o meu melhor em tudo”, disse à BBC, não poupando nas loas à cultura e à história da cidade. “É completamente diferente, aqui temos de mostrar que nos importamos com a cidade, com a sua cultura, para lá de jogar bem”. O escocês de coração corajoso, que resolveu sair da sua zona de conforto, deixar de viver a poucos quilómetros dos pais e da irmã, está a aprender a língua, não só o italiano como o dialeto napolitano.
Ao The Athletic, McTominay fez também uma curiosa ode aos tomates italianos - porque em Itália, a cozinha também é cultura: “Em Inglaterra nunca os comia, aquilo era só água vermelha. Aqui sabem de facto a tomate. Agora como-os como se fosse um snack, como todos os vegetais, todas as frutas, é tudo tão fresco.” Que os deuses do futebol abençoem também a dieta mediterrânica.