Futebol internacional

O primeiro pensamento de Andy Robertson após se apurar para o Mundial foi o sorriso de Diogo Jota. O Liverpool “é um clube ainda de luto”

O primeiro pensamento de Andy Robertson após se apurar para o Mundial foi o sorriso de Diogo Jota. O Liverpool “é um clube ainda de luto”
Craig Williamson - SNS Group

Para muitos, uma estrela do futebol mundial inatingível (embora amável). Para os jogadores do Liverpool, um amigo. Mais de quatro meses depois da “morte cruel” de Diogo Jota, ainda são visíveis no clube de Anfield sinais do trauma causado pelo desaparecimento do antigo internacional português. E talvez a quantidade de homenagens não ajude

Por vezes, a ausência parece ter tronco, corpo e sorriso. Só lhe falta puxar uma cadeira e juntar-se à conversa. 

Andy Robertson estava a viver um dos momentos mais eufóricos da carreira. Tinha acabado de colocar a Escócia no Mundial pela primeira vez em 28 anos, num frenético jogo diante da Dinamarca que só foi decidido no período de compensação. Ter-lhe-ão passado milhares de coisas pela cabeça, mas uma sobrepôs-se a todas as outras: a memória de Diogo Jota. 

O defesa do Liverpool levou o vazio pela até à entrevista na borda do relvado. “Hoje, não consegui tirar o meu colega Diogo Jota da cabeça. Falámos muito sobre o Mundial”, desabafou no limiar do choro. “Sei que ele estará algures a sorrir para mim. Não o consegui tirar da cabeça. Estava com dificuldades no meu quarto [antes do jogo].”

Diogo Jota deixou vistos por colocar no papiro dos sonhos. Ir a um Mundial foi um item cujo quadrado ficou por preencher ao longo dos 28 anos que durou a sua vida. Andy Robertson imaginava-se no maior torneio de seleções. No dia em que conseguiu um objetivo de carreira, faltou-lhe alguém para abraçar. 

O lugar vazio no balneário do Liverpool tornou-se um repositório de sofrimento. “O clube que ainda está de luto.” Will Unwin é um dos jornalistas do “The Guardian” que cobre os clubes do norte de Inglaterra e lembra que os jogadores dos reds perderam um “amigo próximo” e estão a passar por um momento que “lembra a fragilidade da vida”. 

Em todos os jogos, Anfield canta a música de Diogo Jota num luto sem pudor de se vestir de vermelho. No Liverpool, deixou de ser possível aplicar o rígido princípio que deixa os assuntos do balneário no balneário. Jogadores, dirigentes e adeptos estão num combate comum contra a saudade. 

“Como clube, continuamos a lamentar a morte cruel de um dos jogadores mais amáveis a ter representado o Liverpool.” Dan Clubbe é adepto dos reds e assume o compromisso de “cantar o nome dele por todo o lado semana após semana”. “Quando vemos o Andy Robertson falar do Jota logo após se ter apurado para o Mundial com o seu país, percebemos que ele continua no pensamento dos jogadores”, constata o também colaborador de vários meios de comunicação independentes que acompanham o clube, tais como o “This Is Anfield” e o The Redmen TV. 

A temporada do Liverpool não está a bater certo com o estatuto de campeão em título. A equipa de Arne Slot encontra-se no oitavo lugar da Premier League e já perdeu mais jogos (cinco) em 2025/26 do que em toda a época 2024/25 (quatro). Os aspetos táticos corrigem-se na hora, os sentimentos têm um ritmo próprio para se restabelecerem. 

O olhar especializado de Ana Bispo Ramires, psicóloga de desporto e performance, admite a possibilidade de estarmos “perante a presença de um trauma que resulta num luto patológico”, o que torna “normal este tipo de equipa não se conseguir encontrar a si própria”. A morte de Diogo Jota foi um evento com “potencial traumático grande” e capaz de “desorganizar uma equipa”. Se é verdade que a dimensão emocional do evento pode levar a uma superação “astronómica”, também pode empurrar o plantel para “uma zona de caos grande”.

Molly Darlington

A “instalação de trauma” pode refletir-se na “alteração do padrão de sono, irritabilidade, dificuldade em conter as emoções” e gerar um “padrão disruptivo” capaz de influenciar negativamente o desempenho. Nestes casos, explica Ana Bispo Ramires, o procedimento comum é a criação de um “programa de apoio e de suporte dentro do clube”. “Se estas estratégias de atuação em crise tiverem sido ativadas, não há razão para um arrastamento da performance negativa.”

Os constantes momentos de homenagem, em vez de suavizarem o transtorno, podem ter um “impacto diametralmente oposto” por não deixarem que o luto evapore. “Continuarmos a insistir em momentos de homenagem pode não ajudar a que as pessoas resolvam o trauma.” 

O Liverpool, um dos maiores clubes do mundo, não está em queda como indicam os resultados. Está a reerguer-se.

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