Os campos artificiais são um perigo de doping? Jogadora da Noruega foi contaminada pela borracha de um relvado sintético
Jogadoras do Vålerenga a aquecerem antes de um jogo da Liga dos Campeões feminina.
Tullio Puglia - UEFA
Em abril, oito jogadoras da I divisão da Noruega testaram positivo para a mesma substância. Uma delas, do Vålerenga, numa quantidade acima do limite legal. Entretanto, a agência de anti-doping do país concluiu que a contaminação aconteceu através dos pequenos pedaços de borracha que existem nos campos de relva artificial. Esse granulado será proibido na União Europeia a partir de 2031. Mas, até lá, como se lidará com casos destes se acontecerem mais vezes?
Em pontapés na bola dados profissionalmente, Portugal tem a sua sorte. País de nuvens mansas, sol frequente e temperaturas amenas, os campos de relva natural são a norma para quem fizer vida do futebol nas duas principais divisões masculinas. É lá que eles treinam e jogam. Mais abaixo, na Liga 3 e no Campeonato de Portugal, os relvados artificiais já abundam por as regras permitirem o seu uso nas provas oficiais. Nas mulheres, a situação muda. Desde a época passada que as partidas da Liga BPI têm de acontecer em relva natural, mas, quando é para treinar, a maioria das equipas ainda o faz em campos sintéticos. A fiar no que aconteceu na Noruega, isso é um risco.
País azarado com as benesses do clima, devido ao frio, à chuva e à neve é permitido que os clubes compitam em relvados artificiais. Caso do Vålerenga e da sua equipa feminina. A 22 de abril deste ano, logo após um jogo em casa do Lillestrøm SK, a agência anti-doping norueguesa (Adno) fez testes de rotina a quatro jogadoras de cada equipa e os resultados foram inusitados: as oito acusaram positivo para 1,3-dimethylbutylamine, uma substância proibida mais conhecida como DMBA. A amostra de uma futebolista em particular, do Vålerenga, ultrapassava o limite legal de 50 nanogramas por mililitro de sangue.
O estranho caso só conheceu uma conclusão esta quarta-feira, escreve o The Guardian, quando a WADA, agência mundial de anti-doping, optou por não apelar contra a decisão da Adno norueguesa de não aplicar qualquer castigo à futebolista em causa, por a considerar inocente. A razão: ingeriu inadvertidamente a substância ao treinar e jogar em relvados artificiais, através dos pequenos pedaços de borracha que existem em qualquer campo deste tipo. E o que ao início aparentava ser um caso de dopagem acabou a ser uma preocupação de saúde, até agora, desconhecida.
Ao não encontrar traços de contaminação em comida ou líquidos do ambiente frequentado habitualmente pelas jogadoras, a investigação apenas rastreou a origem do problema quando testou o campo do Lillestrøm. Lá descobriu a substância proibida, que estimula o sistema nervoso central, nos pedaços de borracha do campo, provenientes de granulado de pneus, responsáveis pela contaminação. “Análises de laboratório na arena LSK mostraram resíduos de DMBA. A descoberta confirma que nenhuma jogadora ingeriu a substância proibida, fosse intencionalmente ou por negligência, o que suporta a hipótese defendida por ambos os clubes: as jogadoras estão inocentes”, comunicou o Lillestrøm, em julho.
A dita substância consta, por vezes, em produtos dietéticos, mas o seu consumo alimentar está proibido na União Europeia. A partir de 2031, a sua utilização será banida por completo no território comunitário para reduzir a poluição por microplásticos e a própria Federação Norueguesa de Futebol já deu conta da sua preocupação. Ao ser uma nação de frio e neve, existem 1779 relvados sintéticos que terão de ser substituídos até lá, incluindo os que são usados no desporto profissional.
Os motivos a ter conta, agora, também resvalam da área da poluição para a dopagem. “Os fatores ambientais têm de ser prioritários. Há que ter uma visão abrangente sobre o que existe no ambiente que possa ser encontrado num teste de doping. Questões como estas têm de ter maior peso nas coisas que são tidas em consideração”, apelou Harriet Rudd, diretor-executivo do Vålerenga, em declarações ao The Guardian. A jogadora que foi investigada, mantida em anonimato, acresceu à gravidade do caso: “Podes ser extremamente cuidadosa, seguir toda as regras e ainda assim ser arrastada para um caso como este. Só mostra o quão vulnerável és enquanto atleta.”
A futebolista referia-se às apertadas regras da WADA que definem o código anti-doping seguida pelas agências nacionais. Em concreto a normal 2.1, que estipula “não ser necessário que a intenção, a culpa, a negligência ou o uso consciente do atleta sejam demonstrados para se estabelecer uma violação”. Por outras palavras, pode bastar que uma substância proibida seja detetada para que eventuais fatores atenuantes não sejam sequer tidos em conta no caso.
Se a tal DMBA está presente no granulado de borracha, se esse produto compõe relvados artificiais e, como se comprovou, se é possível contaminar atletas que habitualmente compitam nessa superfície, como devem ser julgados os eventuais casos positivos futuros para esta substância? Em Portugal, por exemplo, é frequente nas primeiras eliminatórias da Taça de Portugal que equipas da I e II Ligas joguem neste tipo de relvados ao visitarem clubes de divisões inferiores.