Futebol nacional

Rui, Jorge e Nuno: três triunfantes treinadores

Rui Vitória, Jorge Jesus e Nuno Espírito Santo, os treinadores de Benfica, Sporting e FC Porto, respetivamente
Rui Vitória, Jorge Jesus e Nuno Espírito Santo, os treinadores de Benfica, Sporting e FC Porto, respetivamente
O que podemos esperar de Rui Vitória, Jorge Jesus e Nuno Espírito Santo na Liga portuguesa 2016/17? Rui Lança, especialista na área de liderança e coaching, explica como agem os três treinadores
Rui, Jorge e Nuno: três triunfantes treinadores

Rui Lança

Professor

A Liga vai começar e com ela uma batalha particular e cada vez mais analisada de diversos ângulos: a batalha dos treinadores. Não apenas nas questões táticas, mas também de tudo o que rodeia a vida de um treinador fora do jogo propriamente dito.

O modo como os treinadores gerem tanta informação e ruídos que podem ser prejudiciais ao normal funcionamento dos seus processos. O modo como comunicam, lideram, definem objetivos, como conseguem criar melhores equipas e mais inteligência coletiva. Até os níveis de inteligência emocional que demonstram nos momentos mais complexos da época.

São vários meses a trabalhar. A pensar. A refletir e a desconstruir. Agir e reagir. Enquanto os jogadores descansam, a mente de um treinador e da sua equipa técnica não para. Como será o perfil de Rui Vitória, Jorge Jesus e Nuno Espírito Santo a este nível das competências de liderança? E a comunicar com a equipa? Deixamos-lhe aqui uma análise aos três treinadores dos candidatos ao objetivo maior da Liga que hoje se inicia: o título.

Rui Vitória, treinador do Benfica

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

Após um início no Benfica mais conturbado do que era expectável, o treinador português conseguiu incutir as suas ideias e imagens de marca, como um futebol mais ‘livre’ e menos controlado. Bem como lançar um conjunto de jovens que na opinião do treinador estavam preparados para aquilo que o Benfica necessitava.

Contra muitas expetativas e até contra a própria história benfiquista de continuidade de vitórias após a saída de treinadores campeões, Rui Vitória conseguiu vários feitos numa só época que se avizinhava bastante complexa. Recuperar sete pontos de desvantagem, bater o recorde de mais pontos e conseguir rentabilizar vários atletas.

Contexto

Rui Vitória apresenta-se na nova época com um grande objetivo, o tetra. Mas, por outro lado, é provavelmente o treinador menos pressionado, dado o enorme balão de oxigénio que foi a vitória na Liga e o modo como foi conseguida. O plantel às suas ordens possibilita acelerar as mudanças culturais e táticas que foi aos poucos incutindo na época passada: mais liberdade, maior delegação de responsabilidades e um balanço ainda mais equilibrado entre a aposta na juventude e a experiência existente.

O treinador português enquadra-se claramente naquilo que Luís Filipe Vieira idealizou na sua estratégia de cultura clubística alinhada com o Seixal. Rui Vitória, fruto até das suas características de liderança, apresenta uma qualidade muitas vezes desprezada: é flexível e com enorme capacidade de se adaptar a contextos menos abonatórios.

Liderança

Rui Vitória enquadra-se naquilo que é denominado um líder coach e relacional. Com um lado bem vincado no desenvolvimento de competências nos atletas, mas com uma responsabilidade muito partilhada com os mesmos. Tem um lado instrutivo mas numa visão de descoberta guiada. E isso é muito notório no modo como o treinador comunica. Como aborda as questões mais individuais. No modo como no banco tem quase sempre um gesto positivo e confortável para os erros dos atletas.

Disponível, gosta pouco de conflitos. E isso é bem percetível no modo como inclui os jogadores nas conquistas. É claro que todos os treinadores têm sempre áreas que podem melhorar ou que não dominam assim tanto. Rui Vitória demonstrou bastante desconforto na época passada com o debate mais particular com o treinador Jorge Jesus, em que foi perdendo muita energia. A tempo alterou a estratégia, mas demonstrou que durante algum tempo reagia, mais do que agia.

Jorge Jesus, treinador do Sporting

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

Sem nunca o ter tornado muito explícito inicialmente, Jorge Jesus apostou tudo o que tinha e o que não tinha na conquista imediata na Liga da época passada. Esteve quase e fez muito daquilo que realizou na Luz na sua última época: apostou tudo a nível interno e numa desvalorização assumida das competições europeias. Esteve quase e resta descobrir como desperdiçou uma enorme vantagem, dado que não foi por cansaço nem por lesões importantes.

O seu despique particular com Rui Vitória pode tê-lo obrigado a focar-se em algo menos essencial, mas a verdade é que as suas crenças e verdades de bom futebol e melhor equipa não chegaram para aquilo que era o seu objetivo: vencer.

Jorge Jesus terá uma segunda oportunidade e desde já parece muito claro o seguinte: apenas continuará neste projeto também muito pessoal se vencer. Porque nem o treinador quererá estar muito tempo sem vencer e o Sporting precisa de apresentar resultados face aos esforços financeiros que tem realizado.

Contexto

Esta época é essencial. A anterior já não era apenas um simples degrau no projeto e estratégia de Bruno de Carvalho. Esta, após o falhanço na reta final, exigirá a Jorge Jesus que consiga potenciar ao máximo as suas qualidades enquanto treinador: o foco enorme nos resultados e a capacidade de rentabilizar jogadores. A estratégia passa por dar ao treinador português o maior talento possível, perder o mínimo de jogadores-chave e ter mais alternativas em posições fulcrais.

Jorge Jesus entrará menos exposto do que na época passada, com a Liga dos Campeões assegurada e sem um jogo inicial como foi a Supertaça no ano anterior. E isso é uma vantagem. Mas terá à 3ª jornada um clássico com o FC Porto e isso será fundamental – embora muito cedo – para vincar uma posição forte e de ambição: que o Sporting está novamente na disputa do título até ao fim.

Liderança

Jorge Jesus, de modo muito genuíno, demonstra-nos o seu único foco: a tarefa associada ao resultado. Não se pretende com isto afirmar que não quer saber dos jogadores. Não. Jesus intervém com os atletas, não numa perspetiva de aconselhamento, mas de direção e autoridade. Interessa-lhe instruir os atletas com o objetivo de os jogadores conseguirem fazer aquilo que Jesus considera que deve ser feito para os objetivos da equipa.

De resto, considera-se Jorge Jesus um bom comunicador. Não muito polido, nem sempre empático, mas a verdade é que as suas mensagens chegam a quem interessa: aos jogadores. Se é inteligente emocionalmente e associado à sua comunicação, aí a música é outra. Jesus desde que ficou mais exposto (últimas sete épocas) teve algumas intervenções que ficaram marcadas mais pela parte negativa do que positiva. A última época pode ter sido a mais marcante, dado que na Luz, com piores ou melhores frases conseguiu vencer, e na época passada perdeu-se em ataques que lhe ajudaram a desfocar-se.

Nuno Espírito Santo, treinador do FC Porto

JOSE JORDAN

É um regresso a Portugal. Após uma passagem assim-assim por Espanha, volta para dar aos portistas uma esperança de voltarem aos títulos. A sua parca experiência em Portugal foi boa, deixou sempre bons registos no Rio Ave com a ida à final da Taça de Portugal.

Apresenta-se no Porto e apesar da sua pouca experiência ainda enquanto treinador, parece nestes primeiros tempos ultrapassar as duas primeiras barreiras: não se afastar daquilo que são os adeptos mais exigentes do FC Porto e ir apresentando dinâmicas interessantes na equipa portista. Sabe que por um lado as expetativas são altas – mais focadas no clube do que em si –, mas também o próprio treinador sabe que nestas últimas épocas o plantel do FC Porto já foi mais ‘rico’ do que aparentemente vai ser esta época.

Contexto

Especula-se que não foi a primeira opção. Esta informação poderá ter mais impacto para os atletas do que para o treinador português. Sabe que a sua missão é recolocar a equipa na luta pelos títulos até ao final e ganhar algo. Três anos é demasiado tempo para um clube que dominou tanta nos últimos anos. Por outro lado, Nuno não terá o plantel que o espanhol Lopetegui teve, por exemplo. A missão é complexa e a juntar a tudo isto terá de ultrapassar a AS Roma e ir a Alvalade logo à 3ª jornada.

O seu amor ao clube é importante e serviu para conquistar os círculos mais próximos do clube. Público, dirigentes, ex-atletas. Mas sabemos que o FC Porto precisa de resultados e, por isso, o treinador sabe que precisa de conquistar primeiros resultados e, depois, conseguir aos poucos e em momentos-chave aplicar as suas principais ideias.

Liderança

No Rio Ave, num clube com menor dimensão e menos exposto que o Valência e o FC Porto, Nuno Espírito Santo conseguiu quase sempre ter o plantel a seu lado. Uma aproximação e um alinhamento que lhe deram registos interessantes. Aparentemente calmo, no Valência foi obrigado a tomar posições mais rígidas. Mais incisivas. E menos consensuais. Teve a capacidade de conseguir gerir um plantel recheado de estrelas na sua primeira época em Espanha, mas os conflitos internos constantes fizeram-lhe perder o controlo do balneário. Mesmo assim não perdeu a postura e demonstrou sempre a capacidade de comunicar de modo bastante eloquente.

Atualmente, o treinador português aposta muito num discurso no plural. Aglutinador e agregador daquilo que é o universo portista. E isso demonstra inteligência emocional. Por agora o plantel não apresenta muitos casos complexos em termos de gestão de recursos humanos insatisfeitos e isso pode ser uma vantagem para o treinador. Resta saber como será se os resultados não aparecerem e o seu discurso e sentimento clubístico não chegarem.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: rmlanca@gmail.com