Primeiro estranha-se, depois estranha-se. Eis a periodização tática

Congresso de homenagem ao professor Vítor Frade, criador de uma metodologia de treino inovadora no futebol, começou esta quinta-feira, no Porto, com convidados ilustres
Congresso de homenagem ao professor Vítor Frade, criador de uma metodologia de treino inovadora no futebol, começou esta quinta-feira, no Porto, com convidados ilustres
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A ideia já tinha sido repetida na Tribuna Expresso, tanto por Vítor Pereira (AQUI) como por Mara Vieira (AQUI), e, esta quinta-feira, no Porto, voltou a ser repetida por quem de direito, i.e., mais ex-alunos de Vítor Frade: à primeira, quem ouve o professor não o entende. Nem à segunda. E, se calhar, nem à terceira.
A lógica estende-se, por consequência, à metodologia de treino desenvolvida pelo ex-professor da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto ao longo dos últimos 35 anos, na designação que dá nome ao Congresso que decorre até sábado (não na Faculdade de Desporto, mas na de Psicologia, por ter um auditório maior para receber os 430 inscritos de mais de uma dezena de países): periodização tática.
E o que é isso da periodização tática? Enquanto o "mestre" não o explica - falará no Congresso no sábado à tarde (veja o programa mais abaixo) -, são os pupilos que vão respondendo, naquilo que é a sua interpretação do conhecimento transmitido pelo professor que estão a homenagear.
"Quando ouvi o professor a falar pela primeira vez, achei aquilo tudo tão estranho. Como é que aquilo era futebol se pouco tinha de futebol? O que o professor nos fazia era um convite à reflexão", explicou José Tavares, atual coordenador da formação do FC Porto, que até há bem pouco tempo liderava a equipa B portista. "Foi a coisa mais importante que aconteceu na minha vida, porque mudou a minha forma de pensamento".
Ex-aluno de Vítor Frade, Tavares foi o primeiro orador do Congresso e um dos escolhidos para explicar o que é exatamente isso da periodização tática: "É uma metodologia de treino que respeita a essência do jogo de futebol, as ideias do treinador e o potencial dos jogadores". Simplificando ao máximo: aqui não há corridas pela mata para 'melhorar o físico'.
A metodologia desenvolvida por Frade, que foi treinador adjunto no Boavista, no Rio Ave, no Felgueiras e no FC Porto (onde permanece há mais de 20 anos, agora como metodólogo na formação), "baseou-se na prática e sustentou-se na teoria, e funciona quer na formação, quer a top" - sendo que ganhou grande notoriedade mediática aquando do sucesso de José Mourinho, outro dos ex-alunos do professor que também foi jogador, então treinado por José Maria Pedroto.
"Fundamentalmente, esta é uma metodologia que treina através do jogo - que é diferente de treinar com bola -, especificamente o jogo que o treinador quer que a equipa jogue", explicou Tavares. O objetivo é formar "uma identidade coletiva a partir das ideias do treinador, que são treinadas e criam o jogar da equipa", sendo essencial notar-se que esta é uma metodologia - ou seja, um processo evolutivo e complexo - e não um método - reducionista.
"Dou o exemplo da engenharia genética, que hoje em dia permite escolher quase tudo num ser humano. No futebol, hoje olha-se também para o corpo dos jogadores de forma mecânica e reducionista, mas no futebol temos de estar focados no essencial e não no fragmentado", acrescentou o coordenador portista.
Isso quer dizer que o treino de futebol, segundo a perodização tática, tem de ser visto como um processo complexo que deve ter como base três princípios metodológicos: o das propensões (quanto mais vezes fazemos algo, com determinadas referências coletivas, mais conscientes ficamos dos princípios do nosso jogar - porque se não dermos referências coletivas ao jogador, ele vai decidir em função dele próprio e das suas experiências anteriores e não do coletivo); o da progressão complexa (o treinador tem de priorizar o que quer treinar para chegar onde quer, de acordo com a análise da performance dos jogadores e da equipa, e de acordo com a dimensão física e fisiológica); e o da alternância horizontal em especificidade (que considera a dimensão física e fisiológica como guia para que haja uma alternância nos tipos de estímulos pretendidos durante a semana, para que os jogadores cheguem 'frescos' ao jogo).
"A inteligência pressupõe energia e não o contrário, por isso é que nunca é o físico a ser o mais importante: é sempre a inteligência", concluiu Tavares.
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