A Entidade Reguladora para a Comunicação Social não recebeu qualquer contacto ou pedido de intervenção por parte da Liga Portuguesa de Futebol Profissional ou da Federação Portuguesa de Futebol a propósito do conteúdo dos programas de debate sobre futebol emitidos pelos canais de informação. Apesar de o presidente da FPF, Fernando Gomes, ter feito esta semana um alerta público no sentido de o regulador dos media ter de tomar uma posição sobre esses programas, até ao momento não deu entrada nos serviços da ERC qualquer pedido formal nesse sentido.
A informação foi confirmada ao Expresso pelos serviços do regulador dos media, que esclarecem, numa resposta por escrito, que, pelo menos desde 2015, a ERC "não tem estabelecido contactos, com representantes da Liga de Futebol ou da Federação, para discussão dos programas com estas características". "A Entidade encontra-se contudo envolvida em reuniões com outras instâncias para abordagem da cobertura mediática e fenómenos de violência no desporto", pormenoriza o regulador, sem especificar os trabalhos em causa ou as entidades com que tem reunido nesse âmbito.
Os painéis de debate nos programas emitidos pela TVI24, SIC Notícias, RTP3, CMTV ou Porto Canal foram uma das causas indiretamente associadas esta semana por Fernando Gomes, durante a sua audiência no Parlamento, ao crescente tom bélico que se vive entre adeptos e dirigentes no futebol português. "Até hoje não vimos a ERC intervir nesse espaço. Esse conjunto de programas de grande audiência não contribui para um melhor futebol”, disse, por exemplo, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
Num artigo publicado em setembro nos três diários desportivos, Fernando Gomes já tinha também alertado para a "apologia do ódio" que invadiu o futebol português e que, no seu entender "capturou" os principais clubes de futebol. A urgência de baixar o clima de crispação entre os clubes foi, por isso, um dos propósitos enumerados pelo presidente da FPF no Parlamento.
Mas em relação aos programas televisivos, nos últimos anos as únicas participações que a ERC recebeu foram apresentadas na sua quase totalidade por telespectadores e apenas uma por um clube - o Sporting, a propósito da edição de 7 de julho de 2014 do programa "Mercado", da CMTV, por "afirmações lesivas da honra e reputação" do clube por parte de um dos intervenientes no painel. Essa queixa viria, no entanto - como a quase totalidade das outras queixas recebidas pela ERC - a não ter provimento.
Discussões em "nível de descontrolo"
O histórico de deliberações da ERC sobre estes programas indica, aliás, que apenas uma das queixas resultou na abertura de um processo de contradordenação: foi em relação ao programa "Prolongamento", da TVI24, e motivado pela inserção de mensagens publicitárias durante um conjunto de emissões em março e maio de 2016.
Nas restantes queixas, a propósito dos programas "Prolongamento", "Trio D'Ataque", "O Dia Seguinte" e "Mercado", o regulador dos media emitiu cinco deliberações no sentido de arquivamento, de não provimento ou de queixa improcedente. Isto apesar de algumas análises feitas para sustentar essas deliberações confirmarem parcialmente as críticas expressas por Fernando Gomes sobre o contributo destes formatos para o clima de crispação que se vive no futebol português.
Numa queixa de novembro de 2015 contra o programa "Prolongamento, por exemplo, - subscrita por um telespetador que defendia que "é tão mau o programa e a linguagem que se pratica, que nada pode justificar, só para ter audiências e receitas" - o regulador constata que "o tom beligerante entre os comentadores mantém-se ao longo de todo o programa, por vezes de forma muito exaltada". "A discussão atinge o nível de descontrolo nos 20 minutos finais do programa, depois de vários minutos de conversa exaltada entre José Pina e Pedro Guerra, no momento em que o primeiro se refere ao Benfica usando o termo "máfia", nota essa deliberação da ERC, que sublinha que "a forma inflamada" como cada comentador "defende nesse programa as suas convicções e cores clubísticas tinge, não raras vezes, o paroxismo, destroçando de permeio regras de trato pessoal básicas".
Mas não deu provimento à queixa por entender que mesmo que "a orientação e dinâmica próprias do programa em apreço possam não ser do agrado de muitos dos espectadores que, por acaso ou por opção, a ele assistem, não cabe ao Conselho Regulador sindicar questões de gosto em matéria de programação".
A febre de segunda-feira à noite
A profusão de programas de comentário e debate sobre futebol explica-se pela ligação direta que existe entre o interesse que o futebol desperta em Portugal e as audiências que gera. Mesmo quando a bola pára de rolar no relvado. Apesar das críticas do presidente da FPF, a verdade é que estes espaços de debate figuram, de resto, de forma assídua no top de programas mais vistos dos canais informativos, gerando em muitos casos audiências médias superiores a 100 mil telespectadores por emissão.
De acordo com os dados da agência de meios Carat, desde o arranque da atual época futebolística, o programa "Prolongamento", da TVI24, emitido às segundas-feiras à noite, é aquele que tem suscitado mais interesse, com uma audiência média de 113 mil telespectadores nas 11 emissões que já foram para o ar. O dia de maior audiência ocorreu precisamente na última emissão, a 23 de outubro, com uma audiência média de 148 mil telespectadores um pico máximo de audiência de 213 mil pessoas a acompanhar o programa.
O segundo programa mais visto desde agosto foi "O Dia Seguinte", da SIC Notícias, que teve uma audiência média de 91 mil telespetadores nas suas 12 emissões, também à segunda-feira à noite. Contas feitas, só à segunda-feira à noite estes dois programas geram, em conjunto, um universo médio de audiências na ordem dos 200 mil telespetadores.
O terceiro formato deste género mais acompanhado nos canais cabo é outro programa da SIC Notícias, o "Play-Off", que nas noites de domingo gerou, em 13 emissões desde agosto, uma média de 75 mil telespectadores.