Em Portugal joga-se pouco à bola. E isto é um facto
Entre os ditos três grandes, o FC Porto foi quem menos tempo de jogo útil registou, em média (51,2%), nos jogos do campeonato feitos até ao fim de outubro
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Durante o primeiro terço da época, só quatro entre 35 campeonatos europeus tiveram, em média, menos tempo útil de jogo do que a Liga NOS. A bola, em Portugal, não esteve mais do que 57 minutos a ser realmente jogada. O problema pode começar nas muitas faltas, nos árbitros com apito fácil e na manha dos jogadores, mas não acaba aí
“As pessoas pagam para assistirem a bons espetáculos. São vários fatores que fazem com que a Liga portuguesa seja das que tem menos tempo útil de jogo em toda a Europa. Em muitos jogos joga-se menos do que 45 minutos. É incrível, mas é verdade.”
Há fundo de verdade, nada tímido, por trás das palavras de Sérgio Conceição. No sábado, depois do FC Porto ganhar 1-0 ao Desportivo das Aves, em casa, falou com cara séria, porque sério é o assunto. Lamentou como em Portugal se corta demasiado no tempo em que a bola, de facto, está a rolar na relva ou a viajar pelo ar. “Em muitos jogos joga-se menos que uma parte. É uma reflexão que se deve ter”.
A Liga NOS é, de facto, um lugar onde a bola conta muito tempo fora de jogo. Há uma semana, ficámos a saber que, entre 35 campeonatos europeus, o português tem a quarta pior média de tempo útil de jogo, 51,9%, que traduzida dá pouco mais de 57 minutos por cada hora e meia. Em 2018, mais ou menos na mesma altura da época, a liga portuguesa era mesmo a última e estava nas catacumbas da estatística, com 50,9% de tempo realmente utilizado.
Quem está no terraço soalheiro, arregalado por poder assistir a jogos com mais minutos de bola em jogo jogado, vive na Suécia (59,7%), Holanda (59,5%), Finlândia (57,7%, Dinamarca (57,4%) e Bielorrússia (57,3%), os cinco países que lideram os dados no estudo do Observatório de Futebol, parte do Centro Internacional de Estudos de Desporto (CIES) que ainda ordenou as equipas pelo tempo útil de jogo que, em média, tiveram nos jogos realizados esta época.
Sérgio Conceição referia-se a estes números, cuja esmiúça serve para localizar onde estão, exatamente, os ditos três grandes nesta vida com a bola jogável.
O Benfica é o clube com maior tempo útil de jogo, 57,1%, na média dos sete ou oito encontros do campeonato contabilizados pelo estudo, publicado a 28 de outubro. Segue-se o Sporting, com 52,2%, e só depois o FC Porto, com 51,2% - e, portanto, menos do que a média total do campeonato português (51,9%).
Por contraste, o Sundsvall, que até desceu à segunda divisão da Suécia, é o clube que participou nos jogos com maior tempo útil de jogo (63,2%). No top-5, há outras duas equipas suecas: o Helsingborgs, com 62,8%, e o Nörrkoping, com 62,1%.
Blessing Lumueno é treinador dos juvenis do Estoril Praia e, no verão, viajou com eles até à Suécia, onde parou, escutou e olhou para a cultura onde, antes do apito fácil dos árbitros, do estado dos relvados ou da manha dos jogadores, o futebol acontece por reflexo do meio onde está. “Os jogadores estão mais habituados a jogar e deixar jogar. Se tiverem que parar um adversário, tentam que seja de forma justa”, começa por explicar.
O público sueco, “apesar de caseiro, aplaude a tua equipa se estiver a jogar bem”. Não é “hostil ao adversário”, guarda os assobios e apupos para “comportamentos incorretos”, como “uma falta em que puxas a camisola do adversário ao tentar ir à bola”, coisa que lá os árbitros “punem muito”. Em Portugal, uma equipa que perde a posse, vê-se na iminência de correr atrás de um contra-ataque e puxa o equipamento do adversário comete a badalada falta tática - “cá é tida como normal, lá não é aceite”.
A cultura influencia o modo como os jogadores estão no futebol, os adeptos o absorvem e os árbitros o atinam. Em Portugal, como em Espanha, Itália, França ou Grécia, países latinos enumerados por Blessing Lumueno, “ensinam-nos, dentro das regras do jogo, que vale tudo para vencer”.
Por cá, continuamos a ver o que há muito reconhecemos: apito fácil para o mais leve contacto físico; pontapés de baliza, faltas e reposições de bola demoradas; aquele jogador que, junto a uma linha e com um adversário nas costas, abranda para sentir o toque, deixa-se cair para o árbitro lhe fazer a vontade. E as muitas faltas: a GoalPoint diz que 79,7% dos jogos em Portugal têm mais faltas do que remates.
São “fatores culturais”, defende o treinador, “exemplos que temos desde pequenos e, mesmo que não nos mostrem como positivos”, olhamos para eles dessa forma: “Se tivermos que contornar as regras aqui e ali, também o devemos fazer em nome da vitória. Em outros países, não é bem assim”.
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Resumindo, é o proverbial ser-se esperto. E, em Portugal, a esperteza dentro de campo é avistada à semana.
Vem, uma vez mais, da mescla entre “os árbitros que apitam mais e são menos tolerantes ao choque”, por exemplo, do que quem tem o apito na Bundesliga (57,1%) ou Ligue 1 (56,7%) - ambas, já agora, superam a Premier League inglesa (55%) -, as equipas que tardam “a fazer as reposições de bola em jogo” e as equipas “que tendem a recorrer mais à falta”.
Feito que está o primeiro terço da temporada, apenas na primeira divisão da Grécia (50,9%), na segunda divisão de Espanha (50,4%) e no principal campeonato da República Checa (50,2%) se perde mais tempo de jogo para outros afazeres que não a bola a ser jogada. Há o tempo de jogo e, depois, dentro do campo, a qualidade de jogo. Blessing Lumueno não considera o primeiro “um fator que impeça assim tanto” o segundo - “acho que a discussão deveria estar mais no que se faz durante esse tempo útil de jogo”.
Sobre como se joga futebol quando o jogo o deixa ser jogado, Sérgio Conceição também utilizou a palavra espetáculo, em setembro de 2018, após outra vitória por 1-0, então contra o Tondela.
"Se querem espetáculo vão ao Coliseu ver a gala dos Dragões de Ouro. Os pseudo adeptos, se querem ver espetáculo, que vão ao Coliseu ou ao Sá da Bandeira, para se rirem e descontrair um bocadinho. Não é aqui. A verdade é que o ano passado ganhámos o campeonato e este ano queremos repetir."