O União da Madeira “está ligado à máquina” e a nova a administração da SAD não sabe ainda se terá dinheiro para manter a equipa no Campeonato de Portugal até ao fim da época. A equipa perdeu as últimas cinco jornadas, os jogadores têm o salário de outubro em atraso e os novos responsáveis pelo futebol profissional dizem que o plantel é composto “por farrapos humanos”, que vivem sem condições de conforto e nem sempre comem “uma refeição decente”.
As palavras são de Jaime Gouveia, o novo presidente da SAD, que pediu uma auditoria externa às contas. As conclusões serão depois enviadas para o Ministério Público. De momento, o mais importante é garantir a presença do União no jogo deste sábado, em Câmara de Lobos, para mais uma jornada do Campeonato de Portugal. O que virá depois, nem Jaime Gouveia, nem Sérgio Nóbrega – o administrador executivo – sabem. “O União está ligado à máquina e a máquina pode desligar-se a qualquer momento”.
O dinheiro
Para acabar a época são necessários 400 mil euros, mas a nova administração não explicou a onde os irá buscar. Das quotas dos sócios não será já que, dos cinco mil que constam dos ficheiros do clube, apenas 120 pagaram. E o clube não tem crédito, nem pode alienar património. O complexo desportivo onde treina no Vale Paraíso na Camanha – e que integra três campos de futebol (nenhum cumpre as regras para jogos oficiais) – não está registado em nome do clube. A SAD tem um passivo de quatro milhões de euros, deve às finanças e à Segurança Social.
Alguns jogadores têm seis meses de salários em atraso referentes à época passada e a situação é mais dramática para os que estão deslocados na Madeira. A nova SAD fala em “condições sub-humanas”, em cenários de “quase escravatura”, sem direito ao conforto e a refeições decentes. Jaime Gouveia não quis explicar ao certo que condições são essas, não falou de fome, nem confirmou se é verdade que alguns dos jogadores dormem no complexo desportivo. O Expresso sabe, no entanto, que no início da época alguns tiveram mesmo de dormir na Camacha. A explicação é que terão chegado mais cedo e antes de haver vaga numa casa paga pelo clube.
A nova administração pede agora 48 horas para dar resposta aos casos mais urgentes, mas não tem neste momento maneira de explicar o que aconteceu ao União que, em quatro anos, passou da I Liga para o Campeonato de Portugal e corre o risco de fechar de vez. Para apurar o que se passou nos anos de presidência de Filipe Silva – afastado no início da semana numa assembleia geral à qual a PSP foi chamada duas vezes – será feita uma auditoria externa às contas. As conclusões serão depois encaminhadas para o Ministério Público.
A queda
O afastamento de Filipe Silva foi turbulento. O advogado, antigo deputado do PSD-Madeira nos tempos em que Jaime Ramos era líder parlamentar no parlamento regional, chegou à assembleia geral com um trunfo na manga: um investidor do ramo da compra e venda de imóveis com sede em Lisboa – a Carmo Rodrigues Lda – disposto a colocar no clube no imediato 250 mil euros. Este investidor – representado por Nuno Sampaio, antigo guarda-redes do Benfica – garante que é já accionista da SAD e alega que terá financiado a equipa com 50 mil euros. E como gesto de boa vontade, antes de assembleia geral, pagou a conta do gás.
A entrada nas acções terá sido feita através de um aumento do capital social, que consta de uma acta, mas que os accionistas – o clube, o antigo empreiteiro António Lopes e Somagesconta de Jaime Ramos – garantem que não é válida. O que motivou o investidor a avançar com uma providência cautelar e classificar o afastamento de Filipe Silva como “um atentado terrorista”. Segundo Nuno Sampaio, o empresário que representa via o União da Madeira como um excelente investimento. Além dos 50 mil já investidos, iria garantir mais 250 mil e avançar com um milhão na próxima época com o objectivo de subir à II Liga. E, não, assegurou, “não é louco” e deu como exemplo do bom investimento “a excelente academia” do União.
O problema foi que os accionistas viram nestes propósitos a intenção de tomar de assalto o clube e decidiram afastar Filipe Silva. O próprio nega que tenha sido afastado já que na tarde da assembleia geral tentou apresentar a demissão, que não foi aceite. Numa conferência de imprensa, na que foi anunciada a providência cautelar e decisão de fazer queixa no Ministério Público sobre as eleições no clube União, Filipe Silva deixou claro que, para ele, “chega de União”.
E não lhe faltam explicações para o estado a que chegou a SAD. Os problemas terão começado logo no início da época na I Liga – 2015/2016 – com o subsídio atribuído pelo Governo Regional ao União. A equipa recebeu um milhão e 180 mil euros, logo menos 400 mil euros do que o Marítimo e o Nacional. A isto somou-se a descida à II Liga após uma sucessão de jogos “estranhos” do guarda-redes mexicano Raúl Gudiño. Filipe Silva lembra que esses “frangos” estão no Youtube e explicam a descida quando a manutenção parecia garantida.
A somar-se a isto os bancos apertaram a concessão de crédito, o Governo Regional atrasou o pagamento das subvenções e a mudança na lei permitiu aos jogadores rescindir os contratos com ou sem justa causa. Em 2017, o União ficou sem quatro jogadores por causa de dois meses de salário em atraso. Sem resultados desportivos, não há receitas de televisão, mingam os subsídios do governo e, além disso, explica-se, o tribunal não aceitou o Plano Especial de Revitalização da SAD. O assunto está pendente ainda na Relação.
Enquanto todos estes reveses se sucediam, a SAD teve importantes receitas como os 2,5 milhões de euros que o Nacional pagou por 50% do passe de Ruben Micael após a transferência para o Porto. Além dos três milhões de direitos televisivos e o milhão de euros do subsídio do Governo Regional durante a época na I Liga. Também é certo que a passagem pela I Liga foi complicada. Apesar dos três campos, o União não tem lugar para jogos oficiais. Depois de tentar jogar sem pagar no estádio do Marítimo, acabou por dividir o campo da Choupana com o Nacional num ano em que o nevoeiro obrigou a adiar vários jogos com os grandes.
A solução acabou ser o campo da Ribeira Brava, onde tem jogado até agora. A situação financeira dramática vai obrigar a mudar outra vez. O próximo jogo em casa será no campo Adelino Rodrigues, no antigo liceu do Funchal. A renda é mais barata e, como diz a nova administração da SAD, o União está ligado à máquina e, sem dinheiro, a máquina pode desligar-se a qualquer momento