Futebol nacional

#FCPorto29: oito momentos que podem explicar um campeonato estranhíssimo

#FCPorto29: oito momentos que podem explicar um campeonato estranhíssimo
Carlos Rodrigues

O FC Porto conquistou o título numa época, no mínimo, atípica, com duas cambalhotas, uma pandemia, trocas de treinadores, recados e racismo

Lídia Paralta Gomes e Pedro Candeias

Conceição 2-0 Lage

Num campeonato decidido a dois, os dois jogos entre os dois resultaram em duas vitórias para o FC Porto, que equivaleram a seis pontos, mais um, pois o critério de desempate final é o confronto direto. E, aqui, não há dúvidas: Sérgio Conceição destroçou Bruno Lage na estratégia e na tática, dominando em ambos os momentos o adversário. Primeiro na Luz (2-0), em agosto, quando o Benfica vinha lançado de um triunfo na Supertaça (5-0, com o Sporting) e duas vitórias na Liga (Paços de Ferreira, 5-0, Belenenses SAD, 2-0). E, depois, no Dragão (3-2), em fevereiro, também num bom momento de forma do Benfica (sete triunfos seguidos, um deles com o Sporting). A seguir, e até à paragem da Liga, o Benfica somou quatro empates e uma vitória e começou aí a espiral deprimente da qual nunca mais saiu. Apesar do desnorte político-desportivo do Benfica ajudar à festa, este título tem a marca de Sérgio Conceição.

Tudo resolvido à jornada 17? Not so fast

A jornada 17 arrancou a uma sexta-feira e logo com os dois jogos mais importante do cartaz: FC Porto - Sp. Braga e Sporting - Benfica. Muito se jogava naquele dia 17 de janeiro, com os dois candidatos ao título com duelos de alto risco. No Dragão, o FC Porto desperdiçou duas grandes penalidades e viu o Sp. Braga, à altura treinado por Rúben Amorim, marcar por duas vezes na sequência de cantos. No final, a vitória dos bracarenses por 2-1 deixava o FC Porto numa posição quase desesperada: em caso de vitória em Alvalade, um par de horas depois, o Benfica ficaria a 7 pontos. E foi isso mesmo que aconteceu. Com dois golos já nos últimos dez minutos de jogo, ambos de Rafa, o Benfica bateu o Sporting e fechou a 1.ª volta do campeonato com uma vantagem que, então, parecia já muito difícil de perder. Mas depois disso aconteceu o murro na mesa de Sérgio Conceição, uma pandemia e o implodir de uma equipa que apenas um par de meses antes parecia seguir em velocidade cruzeiro até ao bicampeonato.

O estado da união

A 25 de janeiro, Sérgio Conceição ia à flash interview para discorrer sobre a derrota com o Braga na final four da Taça da Liga, mas a entrevista transformou-se num acontecimento: o treinador do FC Porto anunciou inesperadamente que punha o lugar à disposição do presidente. Porquê? “No primeiro ano, sem reforços e sem dinheiro [FC Porto foi campeão]. No segundo, com falta de verdade desportiva [Benfica foi campeão]. E este ano sem união dentro do clube. Fica difícil…”. Pinto da Costa pôs-lhe o braço à volta e juntos partiram para uma série de encontros que levaram a uma recuperação e posterior ultrapassagem espetaculares na Liga. Planeada ou não, a intervenção de Conceição marcou um ponto de viragem no estado de coisas da Liga.

O treinador da moda

Houve um momento em que o Braga parecia ter o terceiro lugar assegurado; depois, o Sporting bateu a cláusula de rescisão e levou o treinador Rúben Amorim consigo, sem que os minhotos pudessem fazer alguma coisa. Retirando as especificidades do nosso colorido futebol - os de Alvalade ainda devem 11,6 milhões de euros pela operação - a verdade é que a saída do jovem técnico provocou simultaneamente a queda do Braga e a subida do Sporting. Amorim, que ainda não perdeu para a Liga desde que se tornou treinador principal - e já ganhou uma Taça da Liga - ultrapassou os bracarenses e foi responsável por uma quase onda de euforia no Sporting, que agoniava após (outra) época instável: saiu Keizer, entrou Silas, saiu Silas, entrou Leonel, saiu Leonel e entrou enfim Amorim.

O grito de revolta de Marega contra o racismo

A noite de 16 de fevereiro trouxe-nos o momento mais baixo de todo o campeonato. Minutos depois de marcar o 2.º golo do FC Porto, Moussa Marega, visivelmente angustiado, abandonou o relvado do Estádio D. Afonso Henriques, depois de ter sido alvo de sons e cânticos racistas ao longo do jogo. Uma situação inédita no campeonato nacional, num dia em que se cruzou uma linha no futebol português que nunca deveria ter sido calcada. Vários adeptos foram entretanto identificados e o Vitória alvo de processo de contra-ordenarão por parte da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, para já ainda sem resultados. Mas se há algo que já ficou daquela noite de fevereiro foi uma imagem feia do nosso futebol, com repercussões um pouco por todo o Mundo, em que um jogador se viu humilhado devido à sua cor de pele.

Uma paragem inédita

A pandemia da covid-19 apanhou-nos a todos desprevenidos e ao futebol talvez ainda mais. Foram três meses de paragem do campeonato, entre os primeiros dias de março e inícios de junho, em que deixámos de ver os jogadores no centros de estágio ou nos estádios para os mirarmos nos nossos computadores e telemóveis nos seus treinos caseiros em confinamento - desafios nunca antes vistos e sentidos pelas equipas portuguesas. Entre períodos de férias, lay-offs, cortes nos ordenados e a certeza de uma crise a pairar, o regresso começou a ensaiar-se com um extenso e detalhado protocolo de segurança, com vistorias aos estádios, com a vinda do Santa Clara para o continente. O retomar da competição trouxe ainda estádios vazios, jogos mais abertos, algumas surpresas e equipas mais bem preparadas do que outras, com visíveis efeitos na luta pelo título e pela permanência.

Afinal, não vai dar

A retoma da Liga, a 3 de junho, foi estranhíssima e não apenas pelos motivos esperados: a ausência de público nas bancadas, o protocolo anti-covid, os sons gravados nas emissões televisivas causaram desconforto, mas pior do que isso foi o jogo jogado lá dentro. Logo a abrir, o FC Porto perdeu com o Famalicão - a grande surpresa da Liga, que subiu à Liga assente num modelo de empréstimos com o apoio da Gestifute - e o universo benfiquista cheirou sangue: ganhando ao Tondela, tudo era possível novamente. Só que o Benfica empatou na Luz (0-0) e depois empatou em Portimão, onde Bruno Lage confessou ter ido ver o mar com Luís Filipe Vieira, e ainda somaria duas derrotas, com o Santa Clara e o Marítimo, que precipitariam uma saída atabolhada do treinador; pelo meio, venceu o Rio Ave, reduzido a nove jogadores. O caminho inverso fez o FC Porto, que ganhou todos os seus jogos - goleando notavelmente o Boavista e o Belenenses SAD -, menos um, com o condenado Desportivo das Aves.

A Madeira não foi um jardim, foi um funeral

Foi um desastre insular: depois de perder em casa com o Santa Clara um jogo em que começou a perder, deu a volta e permitiu aos açorianos nova recuperação, o Benfica foi à Madeira com a certeza que novo desaire marcaria o fim de linha para Bruno Lage. Frente ao Marítimo, o Benfica teve oportunidades, viu o guarda-redes Amir roubar-lhe alguns golos feitos, para na 2.ª parte estilhaçar-se em dois contra-ataques rápidos dos madeirenses. E com nova derrota, com o igualar de uma das piores séries da história do clube (duas vitórias em 13 jogos, tal como em 2000/01), Bruno Lage nem esperou pela chegada a Lisboa e foi mesmo ali nos túneis do Estádios dos Barreiros que pediu a demissão a Luís Filipe Vieira, o presidente que no início do mês havia dito que Bruno Lage não sairia nem que não fosse campeão. O Benfica que no início do ano chegou a ter 7 pontos de vantagem para o FC Porto, viu-se de repente a 6 pontos da liderança.

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