“Olhe, é assim, Pedro. Soube disto há cerca de meia hora, uma hora, e tenho estado com o telefone para trás e para a frente e o que vou dizer pode não sair muito coerente. Digo-lhe: é uma desolação muito grande.
O Vítor e eu tínhamos um bom relacionamento, diria, um grande relacionamento, falávamos amiúde, encontrávamo-nos muitas vezes, sozinhos ou com um grupo de pessoas com quem ele gostava de estar a falar demoradamente ao almoço. Falávamos, claro, muito de futebol, e acredito que ele fazia isto com outros grupos, porque o Vítor era muito respeitado.
A última vez que o vi, e que estive com ele, foi infelizmente no funeral de um amigo nosso em comum, o Dito [antigo jogador e treinador de futebol], e falámos... Olhe, falámos sobre a vida e sobre o que é isto de estar vivo e de morrer, que acontece quando menos se espera.
Eu apanhei o Vítor como treinador quando fui para o Gil Vicente, na fase final da minha carreira. Foram duas épocas que fiz com ele e devo ter feito 15 golos - entre campeonato e Taça de Portugal - em cada uma delas e vivi com ele alguns dos meus melhores momentos enquanto futebolista. Ele foi uma referência para mim, porque era uma pessoa direta, frontal e simples, com as pessoas e com aquilo que esperava delas. E também dizia as verdades, punha os dedos nas feridas certas, mas sem machucar muito.
A mim não me deu muitos conselhos, quando me treinou. Quer dizer: ele não era pessoa de dar muitos conselhos, porque o carisma dele já chegava. As palavras eram tão assertivas, tão claras e objetivas que não era preciso grandes conversas. Quero dizer com isto que todos nós temos características que nos são próprias e o que o Vítor fazia era explorá-las ao máximo. Eu, se não sabia fintar, porque é que ia fintar? Passava ao colega e recebia na frente, ponto final. Ele era assim, prático, e agora deu-me saudades desses tempos.
É que eu gostava muito de treinar e ele, muito mais do que eu, sabia o que é que eu precisava de treinar, quanto tempo precisava de treinar. E então chegava ao pé de mim, às vezes a meio do treino, e mandava-me tomar banho.
- Para ti, chega.
- Ó mister, mas olhe que eu estou bem, e tal.
- Chega. Vai lá fazer o banhinho de imersão e descansar. É para domingo. para domingo e mais nada.
E eu chegava a domingo e fazia golo.
Depois, quando me tornei treinador, ele ficou meu amigo. Fomos rivais na II Liga, ganhei-lhe uns jogos e ele ganhou-me seguramente alguns, mas havia sempre uma grande consideração e um grande respeito. Isso estava acima dos resultados e de qualquer rivalidade.
Já disse que tenho saudades?”
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