A tragédia do Rio Ave, a dignidade de Tarantini

Editor
O pesar nota-se no caminhar, vagaroso e desalentado, é um corpo quase inerte à medida que fica um passo mais perto do banco da inevitabilidade. Até o cabelo de Fábio Coentrão escuro está, suado e manso na cabeça, não descolorado como sempre o pintou neste e noutros futebóis; todo ele é incaracterístico enquanto distribui uns cumprimentos.
É um ex-jogador do Real Madrid com Liga dos Campeões ganhas que ali se recolhe do campo, substituído a meio da segunda parte quando, na primeira, ainda deu uns ares de si e no ar deixou umas moléculas de normalidade - furibundo com alguns adversários, começou a gritar palavrões e vernáculo audíveis para quem seguia pela televisão o Rio Ave-Arouca.
À margem do estádio marginalizado de adeptos estavam umas poucas dezenas de adeptos vilacondenses, juntos num monte elevado sobre o campo, do lado de fora. Não terão ouvido as obscenidades de quem cumpriu 18 meses sabáticos até janeiro, quando retornou ao futebol e ao Rio Ave. Tão pouco assistiram à última meia hora do jogo.
Debandaram quando viram o golo Sema Velásquez, seguido ao de Arsénio na primeira parte e aos três que a equipa sofrera em Arouca, durante a semana, onde capitulou 90 minutos antes de tempo e jogou o jogo que determinou que jogariam este sem Miguel Cardoso, o treinador que em 2018 fixara o recorde de pontos que o clube bateu, em 2020, com Carlos Carvalhal.
O Arouca parecia um conjunto de jogadores feitos de finais, de rodagem em outras andanças, todos calmos, cada posse de bola na desorganização do Rio Ave fazia-se com a pausa dos desapressados. Eles estavam do lado confortável da espera pelo inevitável e nunca pareceu ser de outra forma.
Nos descontos protocolares já caras vilacondenses no banco estavam tombadas em palmas das mãos; as do campo, amorfas, sem expressão, nem a eternidade de Tarantini lhe estava na face quando cabeceou a última bola à barra da baliza, num canto, na irrelevância da última tentativa. Em vão o remate, mas não as palavras que lhe coube dar.
Disse o capitão de 13 épocas de clube e 37 anos de vida "este grupo não esteve à altura do Rio Ave", o pesar na sua postura enquanto assumiu o "todos tempos culpa" e se encorajou para "a grande palavra ser para os aqueles que gostam do Rio Ave" e "pedir-lhes desculpa" - porque "merecem que lhes seja pedida desculpa".
Tarantini repetiria as desculpas, aguentando-se com câmara e microfone à frente, dando-se no momento da tragédia. "Não fomos capazes de colocar este clube no seu lugar", disse. "Este grupo não esteve à altura", acrescentou
A dignidade e fortaleza de um homem a dar-se à responsabilidade por todos, enquanto Aderllan era um pranto no relvado, Coentrão afogava a cara nas mãos, Nélson Monte não segurava a comporta dos olhos e antes de Augusto Gama, o interino técnico e ex-jogadores de muitos anos de Rio Ave, acabar em lágrimas, também ele na flash-interview.
Algum dia todos se sentarão, debaterão e concluirão o que realmente correu mal para 13 anos seguidos de primeira divisão, três presenças na Liga Europa, dois recordes de pontos e um orçamento de €10 milhões (o sexto maior no arranque desta temporada em Portugal), o quase-épico clube que ficou a um penálti de a única Europa do AC Milan ser uma viagem a Vila do Conde, ter sucumbido assim, com tamanha hecatombe, para um 2021/22 na II Liga.
E outros dias haverá, merecidos, para louvar este Arouca, capaz de garantir a segunda subida consecutiva de divisão e de regressar ao lugar de onde caiu há quatro anos; este domingo voltou a ser em tudo superior a este Rio Ave, cujas circunstâncias fazem que, a quente, o resultado da eliminatória fique com uma desgraça mais estrondosa do que a alegria que a originou.
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