Futebol nacional

Despir um malmequer-amarelo, assim se condiciona o talento de um clássico

Despir um malmequer-amarelo, assim se condiciona o talento de um clássico
RODRIGO ANTUNES/LUSA

Houve 12 cartões amarelos, uma expulsão e 40 faltas em mais um clássico com paragens-mil, em que o Sporting criou mais oportunidades e marcou primeiro, mas o FC Porto se foi aguentando com as paradas de Diogo Costa até a arte engenhosa de Luis Díaz empatar (1-1), quando marcou um golo do lado de cá do Atlântico menos de 48 horas depois de ter feito um na América do Sul

Qualquer dia, para lá dos que se ensinam nos cursos obrigatórios para quem desejar ser treinador, um jogo de futebol terá os momentos que o freguês quiser, às organizações e às transições e às bolas paradas, Sérgio Conceição sugeriu “o talento e a qualidade individual”. Nada contra, tudo a favor, a bola di-lo-ia também se fosse senciente e falante, a sua redondeza enquanto objeto dá-lhe lógica igualmente arredondada — quererá, sempre, os melhores pés e as cabeças mais inventivas a tocá-la. Mas, ao que o treinador do FC Porto diria logo a seguir, a realidade serviu-lhe uma discórdia.

Porque, sim, infelizmente existe estratégia para condicionar futebolistas talentosos e eis a falta a irromper por esta conversa, segurando um malmequer-amarelo, a mesma cor dos três cartões que em três minutos e meio o árbitro mostra no clássico. As duas primeiras pétalas arrancam-se por castigo a derrubes feitos a Pedro Porro e João Mário, alas/laterais direitos a quem se gaba as aptidões atacantes e a forma de os deixar sem eira, beira e tribeira da primeira vez que arrancam com ideias é com o que falta nenhuma faz a um jogo.

Mas, uma vez mais, há que prosar sobre as demasiadas faltas que se veem quando ditos grandes coincidem em campo, ao intervalo deste Sporting-FC Porto havia 18 e, de novo, sim, assim se pára o talento e coisas mais, porque nos primeiros 15 minutos não se joga. Os pouquíssimos passes ligados de seguida, as raras jogadas controladas entre setores e a ausência de erros não forçados só começam a amainar quando Nuno Santos desliza área portista dentro, para desviar um cruzamento largo e rasteiro de Pedro Porro.

O primeiro dos três passes com o Sporting dá um compêndio da simplicidade com que quer atacar é de Matheus Nunes: o médio virou-se na sua metade do campo, viu o espanhol encostado à linha (com Rúben Vinagre igual, do lado oposto) e rasgou a bola pelo ar, acelerando a jogada na largura com que a equipa se posiciona e a linha defensiva do FC Porto (não) controlou. Demasiado junta ao centro do campo, diante da área, e com os centrais lentos a reagir a esse desequilíbrio, Nuno Santos esticou-se todo (16’) para o 1-0.

E começou-se a jogar.

Não que o FC Porto, daí para diante, fosse capaz de ter uma circulação de bola fluída entre defesas e médios. Bruno Costa não era dos mais rápidos a executar o que lhe ía na cabeça, sofrendo muitos toques à queima por isso, quando soltava a bola, nem Otávio, a servir como terceiro médio quando a equipa atacava, alguma vez conseguiu influir na posse nas costas dos médios do Sporting para depois tentar coisas com Corona, o talentoso retornado.

O mexicano, por fim titular, fechado que está o período de compras, deambulou pela sombra de Taremi e só se perigou para o adversário — remate de cabeça, na área (19’), a cruzamento de Otávio — numa de duas vezes em que Feddal sucumbiu à parca capacidade em distribuir passes limpos quando é pressionado e entregou a bola ao FC Porto a 35 metros da própria baliza. A atacar desde trás e organizado para tentar chegar à baliza de Adán, os portistas nunca construíram uma jogada sem que o Sporting a bloqueasse ou intercetasse algures.

E, nas bolas que ia recuperando, recicláva-as rápido e a necessitar de poucos passes para zarpar em direção aos espaços que queria: nas costas dos defesas portistas, para onde Nuno Santos arrancou um par de vezes assim que o Sporting reviu a bola. O extremo de estilo com poucas artimanhas, sem malabarismos ou sequer dribles, em ambas as jogadas (31’ e 36’) rematou de fora da área, decidido a tentar colocar o remate fora dos membros do guarda-redes do que a prolongar a corrida em que o perseguiam com urgência. As tentativas foram paradas pela envergadura salvadora de Diogo Costa.

Ainda a primeira parte se jogava quando Bruno Costa, amarelado e erróneo, e Ivan Marcano, irrelevante na contribuição para as posses de bola, foram substituídos por Sérgio Oliveira e Wilson Manafá, quiçá para darem à equipa o que lhe faltava para saber lidar com a pressão alta que o Sporting sempre acionava logo à primeira receção que via num em Pepe ou Mbemba. A equipa era tão condicionava como se deixava condicionar e só por volta da hora de atividade no clássico começou a perfilar dois médios perto dos centrais, na saída de bola.

Estando ambos lado a lado, na mesma linha, de costas para grande parte do campo e tão perto de quem lhes poderia passar a bola, eram presas na pradaria para o par de médios do Sporting captar um gatilho fácil de pressão, mas, posicionados desta maneira, lá foram soltando atenções de Otávio. O luso-brasileiro já tinha receções orientadas para a frente, embora culminasse, várias vezes, em lançar passes apressados para a profundidade — mais ainda quando Toni Martínez também entrou —, forma de aproveitar talentos que há muito o FC Porto estima com este treinador.

Que muito se queixara dos quilómetros, das horas em trânsito e das agruras transatlânticas a que os deveres das seleções submeteram, especialmente, três tipos que treina, intermitências de viajantes que são outra forma de condicionar o talento e que afetaram Uribe, Corona e Luis Díaz, aterrados em Portugal na sexta-feira. O último, sem dúvida o mais em forma e engenhoso homem atacante do FC Porto neste despertar de época, era quem não estava a receber tantas bolas quanto isso, mas quem mais ameaçava à cabeça, sozinho a inventar soluções, a forçar onde o coletivo não solucionava.

E quando a equipa já crescia, tentou algo diferente numa jogada. Teve a bola de ir ter com Corona, à direita, para nos seus pés de lã descortinar forma de cortar um passe cruza-campo para o extremo colombiano, que encarou Porro, primeiro, e Luís Neto depois, para enganar ambos com o talento simulatório antes de usar o seu jeito rematador. Luis Díaz curvou a bola rapidamente (71’) e o 1-1, e o seu golaço, mais do apimentarem o clássico, fizeram-no ruir na catrefada de coisas que cabem na facilidade que é resumir um jogo como “bem disputado”.

Três minutos depois, Paulinho ainda cabeceou a bola após um cruzamento, que sobrevoou Diogo Costa e obrigou o guarda-redes a projetar-se para trás em mais uma parada das grandes. Mas, o que se seguiu, além dos impérios de Pepe e Coates nas respetivas áreas, foram encrencas causadas à partida por um acumular de faltas, cenas teatralizadas na esperança de puxarem mais pétalas do tal malmequer e arrufos entre jogadores. Toni Martínez seria expulso (87’) em dois minutos faltosos e este clássico terminou a esmerar-se no que tantos encontros da mesma estirpe costumam evidenciar.

Acabou, também, empatado e a prolongar-se bem para lá do tempo de compensação devido a mais uma picardia. Sporting e FC Porto ficam a quatro pontos da liderança do Benfica, o talento de ambos anulou-se ou, se calhar, foi os hábitos e costumes do futebol onde jogam a bloquearem os talentos que cada equipa tem. Agitar a vida dos cartões como se a missão fosse despir todas as pétalas que há numa flor irá sempre prejudicar qualquer jogo de futebol.

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