O Sporting foi à Luz sem Coates nem Palhinha, mas com a sua ideia bem vincada. E quando se tem uma rotina criada, jogadores que percebem o jogo, pouco importa quem interpreta essa ideia. Taticamente infinitamente superior ao seu mestre esta sexta-feira, Rúben Amorim jogou com as fortalezas do seu coletivo, soube ler as fraquezas do adversário e passou por cima do Benfica (3-1)
As rotinas. As rotinas. As rotinas. Quando todos questionavam as ausências de Coates e Palhinha, Rúben Amorim falou das rotinas, insistiu nelas, recordou que o Sporting é por estes dias uma equipa tão mecanizada a uma ideia que a ideia se torna maior que um jogador, por muito que o central e o médio sejam elementos essenciais para essa ideia, ou melhor, para aquilo que foi a construção dessa ideia. As rotinas.
O 3-1 com que o Sporting atropelou o Benfica na Luz acontece por causa delas - e o mundo que olha para a rotina como uma coisa má. Porque o campeão nacional é uma equipa eximiamente trabalhada a nível tático, uma equipa que soube usar os erros para crescer (leia-se, Ajax) e encontrar os jogadores certos para servir aquilo que o seu treinador quer. O mesmo não se pode dizer do outro lado.
A pressionar alto logo de entrada e com Paulinho como primeiro elemento defensivo, a secar Weigl e a esganar logo ali a transição ofensiva do adversário, que nunca foi mais do que um conjunto de jogadores perdidos em campo quando não manietados, Rúben Amorim ganhou em toda a linha o duelo tático a Jorge Jesus. Há tantos momentos em que vemos o pupilo a tornar-se o professor, mas no futebol português dos últimos anos talvez nunca com este estrondo, de uma maneira tão evidente. O Sporting massacrou desde cedo a pobre transição defensiva encarnada - até porque o ataque rápido é uma das suas fortalezas -, aguentou com estoicismo defensivo os momentos mais caóticos na sua área, adaptou-se sempre às alterações do Benfica e soube marcar em alturas decisivas, com o seu trio de homens da frente a definir com inteligência, Ugarte seguríssimo no lugar de Palhinha e Matheus Nunes a estilhaçar o meio-campo encarnado com arrancadas com bola furtivas.
PATRICIA DE MELO MOREIRA
O jogo, ainda assim, começou algo nervoso para o Sporting, cedo a chamar a fisicalidade ao relvado, ao que Artur Soares Dias respondeu com uma chuva de cartões. Mas a um Benfica a tentar pegar no jogo, os leões responderam com uma grande jogada de entendimento no lado direito, com comunicação perfeita entre Porro e Pote, processos simples que terminaram com um cruzamento do internacional português direitinho para a desmarcação de Sarabia, entre Lazaro e André Almeida. O remate foi de primeira, com grande definição. Aos 8 minutos, já o Sporting ganhava na Luz.
Seguiu-se então um dos momentos de caos do jogo, um dos poucos em que o Sporting não controlou totalmente as operações. Grimaldo teve oportunidade logo de seguida e o Benfica rondou a área leonina, cheirando as oportunidades, mas sempre com muitas dificuldades no último passe. Vivia-se então um início de dérbi de enorme intensidade, ao contrário do habitual entre equipas geralmente muito encaixadas. Estava bom o jogo, mas ao Sporting não interessava aquela anarquia - e os jogadores leoninos responderam rapidamente acertando marcações e momentos de pressão, convidando o Benfica ao erro.
E aos erros do Benfica na construção, o Sporting contrapunha com oportunidades em lances rápidos, que o Benfica teve sempre dificuldade em travar. Aos 17’, Pote rematou na área mas em fora de jogo e à passagem da meia hora enviou ao poste. Pouco antes do intervalo, Paulinho ainda marcou, mas em posição irregular, em mais um lance em que não faltou espaço aos homens de Rúben Amorim.
A 2.ª parte foi picar um pouco daquilo que o Sporting sofreu mal marcou: já com Yaremchuk em campo, o Benfica lançou-se em força para a área, enquanto os leões perdiam Feddal por lesão. Aos 60’, Darwin enviou ao poste, João Mário rematou logo a seguir à figura de Adán. E na sequência o Sporting marcou.
A jogada começa em Paulinho que encontra Matheus Nunes, com o internacional português a ter todo o espaço para progredir. Ninguém se lembrou de sair à bola, Matheus fixou e soltou no momento certo para a diagonal de Paulinho, que com classe picou por cima de Vlachodimos. No melhor momento do Benfica, o Sporting ainda era a equipa mais inteligente em campo. E Paulinho decisivo, tanto no momento ofensivo como no defensivo - e é por causa disto que um avançado é mais do que um marcador de golos.
O jogo morreu pouco depois. Rafa voltou a enviar uma bola ao poste e aos 68’, Esgaio viu uma equipa do Benfica completamente desequilibrada e descompensada, encontrando Matheus Nunes liberto no meio campo. O jovem médio voltou a arrancar, sem oposição, uma cavalgada até à baliza e o 3-0 estava feito.
PATRICIA DE MELO MOREIRA
A partir daí o que se viu foi uma tentativa de coração na boca do Benfica de tentar evitar a humilhação, mas isso talvez já não tivesse remédio, face à tão evidente superioridade do Sporting na hora de encarar este dérbi. Darwin ainda marcou, mas em fora de jogo, e o golo de Pizzi nos descontos pode dar retirar algum dramatismo aos números, mas não deixa de ser um golo que é a face do Benfica que se apresentou hoje na Luz: uma iniciativa individual, um remate bem colocado de meia distância, já em fase de descompressão leonina.
A vitória do Sporting lança um aviso importante: que o que se passou no ano passado não foi um fogacho, não foi sorte ou azar dos outros. É trabalho de treinador. Na preparação da equipa, na escolha dos jogadores, na construção de uma ideia mais dura que uma rocha. Enquanto mantiver estes princípios, o Sporting poderá não ser sempre uma equipa vistosa de se ver, mas será certamente difícil de bater e muito perigosa em jogos deste tipo, em que tem espaço para criar.
Para já, continua líder, em igualdade com o FC Porto. E o Benfica deixa os dois rivais fugir.