Evangelos Marinakis, o milionário de “bolsos fundos e pouca paciência” que ama barcos, escreve letras de canções e vai investir no Rio Ave
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O grego tem luz-verde para comprar 80% do capital da SAD que o clube de Vila do Conde vai criar, estando previsto um investimento de €20,5 milhões até junho de 2024. Dono do Olympiacos e do Nottingham Forest, é conhecido por trocar constantemente de jogadores e de treinadores e, também, por ter estado associado a vários casos de justiça, relacionados com corrupção ou tráfico de droga
O City Ground respira tradição. Localizado nas margens do rio Trent, é a casa do Nottingham Forest desde 1898. Ao longo de uma história que começou no século XIX e continua no XXI, o período mais glorioso deu-se sob o comando de Brian Clough, quando os tricky trees foram bicampeões europeus.
Num recinto clássico do football, há, nos últimos anos, uma novidade. Na tribuna presidencial, há uma cadeira ligeiramente mais alta que as outras, espécie de pequeno trono que simboliza um estatuto. O assento, o único destinado a uma pessoa específica em todo o estádio, é limpo com carinho antes de cada partida.
É o banco especial de Evangelos Marinakis, o grego que, em maio de 2017, comprou o Nottingham Forest, mítico emblema que então estava adormecido, por cerca de €57 milhões. O dono do clube senta-se ali, saúda as pessoas, festeja os golos, reza quando as partidas estão especialmente renhidas. Por vezes, quando no verão a roupa não tapa tanto o corpo, pode ler-se parte da tatuagem que tem no braço esquerdo, que funciona quase como lema de vida. “Sonha, ama, cria, luta, sobrevive, ganha”.
Marinakis já era, desde 2010, dono e presidente do Olympiacos, a equipa que apoia desde criança. No Karaiskakis, casa do conjunto do Pireu, assiste à ação na Suite 311, supervisionando tudo.
Empresário dos media e da indústria naval, membro da Câmara Municipal do Pireu, figura influente dos negócios e da política grega, fase mais visível do caótico futebol helénico. Orgulhoso pelo seu trabalho de solidariedade, envolvido em casos judiciais que o colocaram como possível culpado em esquemas de corrupção ou de tráfico de droga, suspeitas que sempre negou e atribuiu aos “invejosos”.
Evangelos Marinakis, de 56 anos, costuma dividir o tempo entre a Grécia e o Reino Unido, onde tem casa em Londres. Em breve, talvez o possamos ver por Vila do Conde.
O Rio Ave aprovou, em assembleia geral extraordinária a 19 de novembro, a criação de uma SAD. Foi, também, votada favoravelmente a entrada de Marinakis na futura sociedade, comprando 80% do seu capital. O emblema da I Liga garantiu que “ficará garantido um investimento de 20,5 milhões de euros até junho de 2024”, numa injeção de dinheiro que promete reforçar a equipa — proibida de inscrever jogadores nas últimas janelas de transferências devido a um castigo da FIFA — “já em janeiro”, bem como realizar “melhorias de infra-estruturas”.
Alexandrina Cruz, a presidente do Rio Ave, destacou o papel de Jorge Mendes em toda a operação. O empresário é uma das muitas figuras do futebol próximas do grego.
Dos barcos ao futebol
Marinakis nasceu a 30 de julho de 1967. A sua família era dona de uma empresa de fundição de metais, exportando produtos para França, Itália ou Croácia.
No entanto, as duas maiores paixões do seu pai eram outras, ambas passadas para o filho: os barcos e o Olympiacos.
O pai, Miltiadis, estudou engenharia na escola naval e mudou-se para o Pireu, o grande porto da Grécia, onde abriu uma loja de reparações de barcos. Passados 10 anos, já detinha a empresa naval que viria a passar para o filho Evangelos. Quando Miltiadis morreu, em 1999, era dono de oito navios. Hoje, estima-se que a frota do futuro acionista maioritário do Rio Ave seja de 98 embarcações, operadas através da Capital Maritime & Trading Corp, a sua empresa.
Evangelos Marinakis sentado na sua cadeira especial no estádio do Forest
Catherine Ivill
Miltiadis Marinakis, adepto do Olympiacos, começou por ser dirigente da equipa de polo aquático. Em 1979, fez parte do grupo de 11 proprietários navais que compraram o clube. O filho, que costumava acompanhá-lo em viagens de negócios por portos de toda a Europa, estudou em Londres, multiplicou a dimensão dos negócios do pai e, em 2010, tornou-se dono e presidente do emblema vermelho e branco.
Também com negócios ligados aos media, foi eleito, em 2014 e 2019, para a assembleia municipal do Pireu. Homem multifacetado, teve até uma famosa incursão artística. Em 2021, escreveu a letra da música “Eksapsi”, interpretada pela estrela pop Natassa Theodoridou. A canção, que tem passagens de lírica apaixonada em que se prenuncia que “vamos arder juntos” no “beijo, no abraço, na maldição e no desejo”, tem mais de 5 milhões de visualizações no Youtube.
Os primeiros anos de Marinakis no Olympiacos foram de domínio absoluto no plano interno. Campeão nas sete primeiras temporadas à frente do clube, em 2017 decidiu que era altura de olhar além do Karaiskakis.
O renascimento do Forest
Em 2017, Marinakis chegou ao Nottingham Forest com planos ambiciosos. O clube tinha graves problemas financeiros e uma massa adepta de costas voltadas para a equipa, pelo que o milionário grego tratou de, desde o começo, devolver a esperança.
Marinakis prometeu o regresso à Premier League num espaço de cinco anos, baixou o preço dos bilhetes, renovou o estádio e foi gastando (muito) dinheiro em contratações.
Em 2022, o Forest voltou ao principal campeonato pela primeira vez em 23 anos. De seguida, para preparar a equipa para a Premier League, o clube gastou €161 milhões em compras de futebolistas, tornando-a no quinta que mais investiu a nível mundial naquele verão. Nesta temporada, foram investidos mais €122 milhões. No total, dos cofres do Forest saíram cerca de €381 milhões em aquisições de jogadores desde que o empresário é o dono.
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Não é fácil que pessoas do futebol que tenham trabalhado com Marinakis aceitem gravar declarações sobre o influente dirigente. Não só a Tribuna Expresso teve este problema, também o “The Guardian” ou o “The Athletic” citaram esta dificuldade em perfis que escreveram sobre o grego.
Ainda assim, uma pessoa que tem seguido de perto a atividade de Marinakis em Inglaterra resume-nos a personalidade do futuro investidor do Rio Ave: “Tem bolsos fundos e pouca paciência”.
Um claro sinal disto é a dança de treinadores que caracteriza a vida no Pireu e no City Ground. Em 13 anos no Oympiacos, Marinakis teve 15 treinadores, cinco deles portugueses (Leonardo Jardim, Vítor Pereira, Paulo Bento, Marco Silva e Pedro Martins); em seis anos no Forest, teve seis treinadores. Nove destes 21 técnicos duraram seis meses ou menos e o recordista de longevidade é Pedro Martins, que esteve quatro anos no Olympiacos, sendo tricampeão.
Também a contratação de nomes de grande mediatismo é um traço característico. Ao Forest chegaram Keylor Navas ou Jesse Lingard, pelo Olympiacos atuaram (nem sempre com grande êxito) Marcelo, James Rodríguez, Javier Saviola, Esteban Cambiasso ou Yaya Touré.
Igualmente comum é a ponte entre o City Ground e o Karaiskakis. O Olympiacos tem, neste momento, dois futebolistas cedidos pelo Nottingham Forest (Gustavo Scarpa e Omar Richards) e outro que, na época passada, militava nos ingleses (Giulian Biancone). Em 2022/23, eram dois os cedidos do conjunto da Premier League no grego (Hwang Ui-jo e Josh Bowler), tendo, também, os portugueses Tiago Silva, João Carvalho — agora no Pireu, entre 2018 e 2021 ligado ao Forest — e Cafú andado neste carrossel que, quem sabe, passará a incluir o Estádio dos Arcos.
Como quase todos os nomes poderosos do futebol internacional, este homem de negócios — que recentemente ganhou lucrativos contratos para transportar petróleo do Iraque, por via marítima, para o estrangeiro — não tem um perfil linear ou isento de zonas cinzentas.
Quem trabalha a comunicação e imagem pública de Marinakis (que teve especial cuidado com esses aspetos assim que aterrou na Premier League, contratando profissionais da área) aponta para o trabalho de solidariedade e beneficência do grego. Criou estruturas no porto do Pireu para acolher refugiados, fez doações avultadas para vítimas de incêndios florestais na Grécia, organizou um Olympiacos-Shakhtar Donetsk para angariar fundos para as populações afetadas pela guerra na Ucrânia.
Na apresentação de Marcelo, uma das estrelas que contratou para o Olympiacos
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No entanto, é impossível descrever Marinakis sem falar das muitas vezes em que foi acusado ou esteve envolvido em casos judiciais. Logo em fevereiro de 2011, pouco depois de passar a deter o Olympiacos, envolveu-se numa discussão com Djibril Cissé após um dérbi contra o Panathinaikos, onde o francês jogava. Cissé acusou Marinakis de difamação, o empresário foi ilibado, mas ali começou um relato de controvérsias que atingiria casos bem mais graves.
Ainda em 2011, foi incluído num processo que foi aberto pelas autoridades gregas na sequência de um relatório entregue pela UEFA que citava padrões de apostas irregulares em encontros da Taça grega e da segunda divisão do país em 2009 e 2010. Em 2015, Marinakis foi absolvido.
Em 2014, o Olympiacos e o Asteras Tripoli disputaram a final da Taça da Grécia. A partida estava 1-1 ao intervalo quando Marinakis entrou no balneário do árbitro para, segundo o próprio, desejar “boa sorte” aos juizes para o segundo tempo, no qual a formação do Pireu venceria por 3-1. Uma investigação foi aberta e, em 2015, Marinakis foi absolvido.
Pior sucedeu em 2014. Um procurador grego foi autorizado por um tribunal para utilizar, numa investigação, escutas telefónicas que implicavam Marinakis, polícias, juízes e outras figuras mediáticas da sociedade helénica. A rede organizava-se para “corrupção e crime organizado”, segundo o procurador, abrindo-se um grande escândalo que assolou o futebol do país.
De acordo com a acusação, o presidente da federação grega, Giorgos Sarris, ajudou Marinakis a “escolher árbitros específicos para as partidas do Olympiacos”. Marinakis chegou a ser obrigado, em novembro de 2017, a abdicar do cargo de presidente do clube, mas viria a ser absolvido das acusações de resultados viciados ou suborno, em março de 2018, pelo supremo tribunal grego, bem como pela comissão de ética da federação.
O futuro investidor do Rio Ave manteve sempre que estes casos eram “politicamente motivados”, sendo as alegações “totalmente infundadas” e “resultado da inveja” que outros lhe têm.
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De maior gravidade foi a inclusão do nome de Marinakis num caso que foi classificado como “um dos mais graves de tráfico de droga na União Europeia do século XXI”.
Em 2014, o Noor 1, um cargueiro, foi apreendido em Elefsina, na Grécia. Transportava 2,1 toneladas de heroína e o processo foi-se desenrolando, tendo implicações criminais na Turquia, Grécia e Médio Oriente.
Após se terem verificado algumas transferências bancárias consideradas suspeitas, Marinakis foi relacionado com o escândalo. Foi levantada, pelas autoridades, a hipótese de o empresário, juntamente com três outros sócios, ter financiado a operação, através de organizações criminosas. Marinakis chegou a ser formalmente acusado de tráfico de droga, mas, uma vez mais, viria a negar todas as acusações e a ser ilibado.
Inocente ou culpado, benfeitor social ou associado a casos de corrupção, homem que dá alegrias a adeptos investindo nos seus clubes ou perigo para a estabilidade dos treinadores. Nada em Marinakis parece linear. Depois do porto do Pireu e do rio que corre ao lado do estádio do Forest, Marinakis volta a chegar a um clube ligado à água, ao mar, aos barcos. Terá um assento especial dedicado em Vila do Conde?