Futebol nacional

A nova geração de treinadores tem mais dados do que nunca, mas o feeling ainda é rei: “O cheiro e o olhómetro são os melhores instrumentos”

A nova geração de treinadores tem mais dados do que nunca, mas o feeling ainda é rei: “O cheiro e o olhómetro são os melhores instrumentos”
Gualter Fatia

Vasco Matos, Vasco Botelho da Costa e Luís Pinto, três treinadores-revelação desta temporada, entram num bar. Ou melhor, juntam-se num palco para falar dos técnicos da nova geração. E serão eles assim tão diferentes da velha guarda? Sim, mas numa era com mais informação, formação e estatísticas, o instinto continua a ser uma arma

Chegam os três juntos. Envergam t-shirts lisas, cores neutras, ténis streetware nos pés. Longe vão os tempos dos fatos de treino acetinados. E também já lá vai a era dos fatos à medida. Estes três podiam ser jovens absolutamente normais, de férias depois de um ano de faculdade. 

Mas não: são três dos treinadores-revelação da última temporada.

Vasco Matos, Vasco Botelho da Costa e Luís Pinto entram no bar, podia ser o mote. Mas não, neste caso sobem ao palco para falar desta nova geração de gente nova ser sinónimo de metodologias mais frescas, na 3.º Conferência Bola Branca, organizada pela Rádio Renascença. O primeiro levou o Santa Clara da II Liga à Europa em apenas um ano. Vasco Botelho da Costa chegou ao Alverca em setembro com a equipa ribatejana em 14.º na II Liga para endireitar o clube até à escalada à I Liga. E Luís Pinto sagrou-se campeão da II Liga com o Tondela. O primeiro é o mais velho, tem 44 anos. Os outros dois ainda têm idade de futebolista: 36 anos.

“A malta acha que nós andamos a encostar cabeças uns aos outros, mas isso é só no campo. Quando saímos do jogo a malta dá-se toda bem”, garante Vasco Botelho da Costa. Os dois Vascos e Luís vieram juntos de Quiaios, onde estão a fazer o UEFA Pro, último grau do curso de treinadores. “A viagem foi como tem sido o curso, com muita partilha”, continua o técnico que antes de chegar ao Alverca foi campeão da Liga 3 com a União de Leiria e venceu por duas vezes a Liga Revelação com o Estoril.  

Botelho da Costa levou o Alverca do 14.º lugar à subida à I Liga
Gualter Fatia

Os caminhos dos três são distintos. Botelho da Costa foi o único que não jogou como sénior. Mal saído da adolescência já treinava jovens no Cascais. Matos teve uma carreira sólida na II Liga depois de fazer a formação no Sporting. Luís Pinto refere-se à sua caminhada de jogador sénior fazendo aspas imaginárias com os dedos. "Ainda andou mais tempo a enganar os outros", brinca Botelho da Costa. Foi quando jogava no Padroense e estudava na faculdade que Luís Pinto começou a treinar no centro de formação do Boavista. “Começou aí o interesse pelo treino, por ensinar”, diz. Quando foi adjunto de Porfírio Amorim no Trofense, há mais de uma década, foi a epifania: “Percebi que era isto que queria fazer na minha vida.”

Isto, leia-se, treinar. Com sucesso. Se noutros tempos os jovens suavam por oportunidades, há muito que em Portugal não há medo de arriscar em quem ainda conta poucos no bilhete de identidade. O paradigma Mourinho, no início do século, tudo mudou. Ruben Amorim, Martín Anselmi, Luís Freire, Ian Cathro, João Pereira, Tiago Margarido, Tozé Marreco e José Faria, todos eles treinaram na última temporada na I Liga tendo menos de 40 anos. 

Vasco Matos falha por pouco o limite. Assume que durante a viagem de Quiaios para Lisboa os três treinadores trocaram impressões sobre o tema do painel: “Futebol: novas gerações, novas ideias.” E talvez tenham logo aí desmistificado algumas ideias feitas. O treinador do Santa Clara, até pela carreira como jogador, lidou com várias gerações de treinadores. “Trabalhei com a geração do Paulo Fonseca, do Paulo Sérgio, mas também com uma escola mais antiga. Obviamente que hoje o treino é diferente, a ciência tem hoje uma implicação muito maior, antes havia menos informação, mas eu acho que ainda é importante manter alguns valores que antigamente se praticavam”, sublinha.

A escola antiga, como diz, tem “uma sabedoria muito grande, com um feeling muito importante, com leituras que fazem muito sentido continuarmos a usar no terreno.” 

Por muito que a tecnologia tenha evoluído, o instinto continua a ser uma arma e isso não tem idade ou geração. Ou se tem, ou não se tem. “Eu não abdico disso”, continua o mais velho do trio. “Hoje é praticamente impossível não trabalharmos em função da informação, dos dados que nos chegam, mas é o ligar de tudo isso que nos torna mais fortes”, remata.

A capacidade de comunicar é um desses chavões que auto-colámos ao chamado “futebol moderno”. A um treinador exige-se que seja uma série de características, dentro e fora de campo. As conferências de imprensa de Ruben Amorim no Sporting talvez sejam um dia estudadas em cursos de gestão. Luís Pinto concorda que “a capacidade de influenciar, de criar empatia e colocar toda a gente em torno de um objetivo comum” tem hoje, de facto, um peso grande. “Mas se as ações não forem condizentes com aquilo que nós comunicamos, a comunicação perde algum poder”, lembra. 

Indo ao encontro de Vasco Matos, o ainda treinador do Tondela aponta ao que é inato, num mundo de tablets, estatísticas, expected goals e do futebol cientificado. “Antes de existirem tantos dados, o cheiro e o olhómetro eram os instrumentos que existiam para tomar decisões e eu acho que ainda são os melhores instrumentos. Obviamente que depois estão sustentados por outro tipo de informação e formação a que temos acesso”, explica. Luís Pinto fala ainda de outra condicionante: “O próprio jogador hoje é diferente. Não é melhor ou pior, mas as gerações mudam e nós temos de ter atenção a isso, porque, no fundo, estamos a lidar com pessoas.” 

Para Vasco Botelho da Costa há algo na vida de um treinador, seja de que geração for, ao qual “não dá para fugir”. E também não se mede com números. “A experiência vai ser sempre a nossa maior oportunidade para aprender. Porque eu posso ter a experiência e achar que já sei tudo e não quero evoluir ou crescer mais”, afirma, partindo depois para um exemplo prático de alguém que, sendo da velha guarda, estará mais atualizado que muitos jovens treinadores.

Vasco Matos colocou o Santa Clara na Liga Conferência
Gualter Fatia

“Há um treinador que acabou por ser uma grande referência para mim, mas que normalmente quando me perguntam nem falo muito dele. Mas para mim é um dos maiores exemplo do futebol português: o Jorge Jesus.” Aos 70 anos, o ex-treinador de Benfica, Sporting, Flamengo e, mais recentemente, Al-Hilal, podia ser pai de qualquer um dos treinadores que aqui oferecem as suas ideias. Botelho da Costa continua o seu caso prático: “O Jesus treinava o Felgueiras e contam-se muitas histórias daquele tempo sobre o treino, a prática. E o Jorge Jesus que hoje em dia trabalha no futebol é aquilo que eu acredito que qualquer profissional, seja em que área for, deve ser: alguém que evoluiu, que escolheu ser melhor, que bebeu muito do passado mas que também começou a entender o novo mundo, a nova realidade.”

Sobre diferenças entre outros tempos e estes, Botelho da Costa aponta a abertura, a partilha, antes mais difícil: “Eu não tenho problemas em abrir o meu treino a jovens. Do Cascais, por exemplo. Porque era o que eu gostava de ter tido, esse acesso, essa abertura.” 

O futuro

Parece certo que os três rapazes jovialmente vestidos presentes no palco irão treinar na primeira divisão na próxima temporada. Ainda que não necessariamente no mesmo clube da época que está agora a acabar. Vasco Matos já teve propostas do Brasil, nomeadamente do Botafogo, durante a época. Diz que não saiu por opção própria, mas o seu nome está aí, perto do salto, já falado num mercado que continua a salivar por portugueses.

Luís Pinto não esteve longe de confirmar que será o novo treinador do Vitória. Para já, nada é oficial. Mas não deverá demorar. “Durante o ano fui abordado, isso é público. Houve conversas, mas também um respeito pela minha vontade e do clube de continuar. Assim decidimos e ainda bem, porque conseguimos um marco importante para o clube e para cada um de nós”. 

Diz estar tranquilo, escudado por um contrato que renovou automaticamente com a subida, mas com a certeza que o Tondela não dificultará a saída. “Tenho de tomar decisões. Não existe nenhum treinador que não seja ambicioso, que não queira conquistar coisas maiores. Há uma perspetiva de crescimento na nossa carreira e estamos a falar de um clube grande, que suscita interesse”, continua.

Luís Pinto será o próximo treinador do Vitória
Gualter Fatia

Não será tão-pouco no Alverca que Vasco Botelho da Costa vai iniciar a próxima temporada. “Não estava prevista a renovação e fiquei com o poder decisório em relação ao meu futuro”, conta. A subida da equipa do Ribatejo, 21 anos depois, foi uma surpresa, até porque há um ano o Alverca estava na Liga 3. “Estamos a falar de um clube que tinha estado apenas cinco anos na I Liga, tinha acabado de subir e regressa agora à primeira divisão. É um feito que tem de deixar todas aquelas pessoas com um orgulho tremendo.”

O Moreirense parece ser o destino do jovem treinador. Não é oficial, claro está, mas Botelho da Costa não se esquiva a dizer que é um “projeto muito bem consolidado na I Liga” e que seria “sem dúvida uma oportunidade fantástica”. E mais um passo em frente, estável, numa carreira onde passos mais de gigante já lhe surgiram como hipótese. “Olhando para trás, tenho muito orgulho neste passo a passo. Em determinados momentos, nos últimos anos, houve aquela ambição, própria de um jovem, de querer dar dois passos em vez de dar um e hoje percebo que o facto de só ter dado um foi muito importante.” 

E passo a passo, a I Liga vai ganhar mais dois jovens ambiciosos, que não deixam de olhar para trás.

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