H2O

João Kopke: “Se um surfista normal vivesse a minha vida durante um dia, ia dar em maluco”

João Kopke: “Se um surfista normal vivesse a minha vida durante um dia, ia dar em maluco”
Nuno Fox
João Kopke ouve amigos e outros surfistas dizerem-lhe que está a desperdiçar talento e que deveria usá-lo no circuito mundial de qualificação para tentar competir entre os melhores. Mas ele não é o típico surfista: antes foi campeão na ginástica acrobática e hoje também é músico, especializado no canto lírico e no contrabaixo, como instrumento. Aos 23 anos, João é mais o surfista menos surfista que tem hipótese de ser campeão nacional quase "sem querer", porque, "se for apenas competição, o surf "não [lhe] dá tudo o que tem de dar" e que ele recebe viajando, contando histórias, estudando e gravando vídeos ( Esta é a primeira entrevista da nova rubrica "H2O", em que a Tribuna Expresso falará com quem vive dos desportos de ondas.)

Nuno Fox

Fotógrafo

Na biografia que está no teu site, lê-se a seguinte frase: “Estou um pouco farto de surfistas profissionais”. Ainda sentes isso?
Sinto, muito.

Porquê?
O surf é uma coisa gigante. Provavelmente, na maior parte dos outros desportos, tens uma forma de viver aquilo, mais umas quantas poucas ramificações. Por exemplo, se fores um golfista que viaja pelo mundo inteiro, apesar de tudo, tens de estar super concentrado nos campeonatos e não vais fazer uma golf trip para a Indonésia em que uma parte da viagem é para ficar três dias em Bali, a sair à noite e a curtir. O surf, além de privilegiar uma forma de vida muito especial - mas, isso, outros desportos também fazem -, como até o golfe, onde estás sempre ao ar livre, nos campos, ficas em bons hotéis, bebes bons vinhos, etc.. Mas o surf pode ser vivido de muitas formas, inclusive não apenas sob a forma do desporto.

É uma cultura?
Sim. E os surfistas profissionais, e isto leva muitas aspas, porque estou a generalizar muito, conseguiram transformar isto numa forma muito fechada de viver o surf, quando eu acho que é uma panóplia de coisas. Por exemplo, quando viajo para surfar, não viajo só para surfar. Se começar a fazê-lo, vou ser um surfista profissional que só vê ondas à frente, mas se viajar para surfar e, se puder, também ir viver a Semana Grande ao País Basco, ou poder ir visitar as pirâmides do México, estou a fazer com que o surf seja um caminho para fazer outras 350 coisas diferentes. É assim que quero que o surf seja: mais do que um desporto, uma cultura de vida.

Não te imaginas a ser um surfista só virado para os campeonatos?
Não consigo. Adoro competir, sou muito competitivo, odeio perder e adoro ganhar, tudo o que um competidor tem, mas também gosto de outras coisas. Se for apenas a competição, o surf não me dá tudo o que tem de dar. Felizmente, escolhi um desporto que me permite viver o resto: conhecer a história de um país, as suas pessoas e todas as componentes que há numa viagem, seja à Ericeira ou à Nova Zelândia.

Com 11 ou 12 anos já pensavas assim?
Não, aí queria ser o Kelly Slater.

Quando é que começaste a mudar então?
Aos 18 anos, quando comecei a poder viver sozinho as experiências das viagens. Lembro-me de ir ao País Basco gravar um catálogo, na altura para a O’Neill, a marca com que estava, e fiquei três ou quatro dias em casa de um amigo, e fomos fazer a vida do País Basco. Dei por mim a viver a vida de outra pessoa, num sítio diferente, e pensei “uau, isto é fantástico”. Como sou uma pessoa que gosta de história, de música e de estudar, percebi que o surf era um caminho para juntar estas coisas ao que mais gosto de fazer, que é estar no mar. Começou aí um bocadinho a mudança. Mas, nessa altura, ainda não era um modelo de negócio. Comecei a estar mais atento aos detalhes dos lugares, a transformar o surf neste veículo.

À medida que foste competindo menos, como reagiram as marcas que te apoiavam?
Não foi bem assim. Nessa altura, continuei a fazer os QS [provas da Qualification Series, que servem de apuramento para o circuito mundial de surf] e, de certa forma, isso era uma grande frustração, porque não estava a correr bem, nem a nível nacional. Fazia alguns resultados, sim, mas no surf perdes muito, muito mais do que ganhas… Estava a começar a adorar as viagens, mas isso não se traduzia em eu adorar o surf, quando o surf ainda era só a competição, a performance. As minhas alegrias ainda não se baseavam numa experiência, mas sim num resultado dentro de água. Se os resultados fossem bons, estava feliz. E isso começou-me a doer.

Falaste em modelo de negócio.
Passados dois anos é que comecei a pensar nesse modelo em algo mais virado para contar histórias de surf e menos no vamos ter resultados. Foi quando apareceu a Buondi, uma marca de cafés, que veio atrás de mim e da White Flag, uma produtora. Então percebi que, se esta marca, que tem interesse no surf, mas de forma diferente, porque não ser eu a montar uma estrutura para ir eu atrás das marcas e chamar a atenção? Em vez de ter clientes como a Quiksilver, a O’Neill ou a Billabong, que estão preocupados com que faça bons resultados ou bons aéreos, vou à procura de clientes que queiram mostrar o surf de forma diferente e dá-lo a toda a gente. Isto é fantástico, toda a gente adora estar na praia, estar ao sol, é a nossa maneira de viver.

Sentiste que o mundo do surf era só para surfistas?
A própria linguagem do surf é tão específica que mesmo a malta que faz surf, mas não de forma profissional, não sabe o que as pessoas estão a falar. Sentas quatro surfistas profissionais numa mesa e parece uma língua diferente! Fica difícil de interagir. Sendo isto uma coisa tão boa para toda a gente, quis mostrar esse mundo de dentro para fora. “Olha, isto é assim que acontece, é muita fixe para toda a gente, só precisas de entrar”. É um bocado o que os meus projetos tentam fazer.

Daí fazeres vídeos nos bastidores das etapas do circuito nacional de surf. Os surfistas que lá reagem bem a isso?
Já vai acontecendo há três anos. A ideia veio-me à cabeça na secção das frutas do supermercado, conversei com o meu pai, que é marketeer e uma cabeça super criativa, e contei-lhe a ideia. Disse-me para levar uma GoPro e experimentar, que não custava nada, e depois o Nuno Bandeira, da White Flag, editava as coisas. Ao início, era pouco natural. Mas, por eu ser do meio e amigo de todos, foi completamente diferente do que se fosses tu a fazê-lo.

Seria um corpo estranho.
Exato. Eu era apenas um gajo que estava sempre ali, tinha uma câmara e fazia umas palhaçadas e mostrava como funcionava, entre um pouco de comédia e os insides do mundo do surf. Durante dois anos não tive patrocínios e, este ano, a MEO, que é o patrocinador principal da liga, juntou-se. Tem funcionado bem e acho que é um conteúdo diferenciador. As pessoas gostam.

Entre os surfistas que competem no circuito nacional, imaginavas mais alguém a fazer o mesmo?
Acho que sim, mas não é tanto do interesse deles. Cada um tem a sua praia. Acho que o “Desfiltrado” é um conteúdo divertido, há muita gente engraçada. Mas, por exemplo, os conteúdos que fazemos com a TAP, a série “Ride In Portugal”, essa parte é mais histórica e teria de ser feito por alguém que é mesmo um nerd. Eu fico com um brilho nos olhos a falar sobre um castelo. É mais específico. Depois há a parte que transparece menos, que é o trabalho por trás: os e-mails, as discussões com a produtora, ligar às pessoas, orçamentos, o ser freelancer, no fundo. O que é uma coisa para a qual nem toda a gente tem paciência e é preciso gostar mesmo e querer muito fazer aquilo. Porque, no fim do dia, isso tira-te muitas horas de água.

O que, como disseste, é o que mais gostas.
Não há nada que me deixe mais feliz. Eu adoro a parte da produção, também gosto da parte das reuniões e faço trabalho de escritório até à 1h da manhã, se for preciso. Quando me perguntas se outros surfistas fariam isto, é aí que acho que teriam de ter uma grande paixão pelo que estão a fazer.

Por tudo isto, achas que te afastas, cada vez mais, do que é o protótipo de surfista?
Sim e não. Por um lado, se colocasse um surfista normal a viver a minha vida durante um dia, ia dar em maluco, se fosse de paraquedas. Às vezes é surf, faculdade, depois tenho uma reunião, vou a um ensaio e à noite trato de uns e-mails. Não é um dia de surfista profissional, que surfa de manhã, vai almoçar, depois surfa outra vez, descansa um bocado e joga uma PlayStation. É um estilo de vida e o meu não está mais, ou menos certo, que o de outro surfista. Mas, respondendo à pergunta: eu sou um nerd do surf. Quanto mais coisas faço, mais percebo que quero viver do surf. Cada vez me sinto mais surfista e tenho mais brilho nos olhos a falar de surf, mas, por outro lado, a minha vida não é a de um típico surfista.

Porque começaste a fazer surf?
A minha mãe me obrigou-me [solta uma gargalhada]. Fazia ginástica acrobática de competição e era um miúdo que não parava quieto, sempre cheio de energia. Ainda sou, mas, com 8 anos, isso nota-se mais e para as mães é pior. Fui campeão nacional de ginástica, era bom naquilo, só que, no verão, parava - e eu ficava insuportável. Então, um dia, experimentei o surf aqui em Carcavelos, gostei, mas depois veio o inverno e o frio, e a minha mãe dizia: “Ou vais surfar, ou não podes brincar e sair de casa”. Eu ia, e adorava. Como a minha mãe percebeu que eu gostava, foi forçando e pronto, cá estou [ri-se outra vez].

Gostaste de modalidades bem diferentes: uma dentro de um pavilhão, outra no mar.
Gostava muito da ginástica, mas, quando comecei a entrar em competições de ambas ao mesmo tempo, tornou-se complicado. Na ginástica, um miúdo com 10 ou 11 anos já faz coisas a sério, no surf não tanto, nessa idade ainda é tudo uma festa. Sentia que a ginástica era muito sério, muito mais puxado que o surf, naquela idade. Fazia ginástica desde os 5 anos e entrei no surf aos 8.

Tiveste que fazer uma escolha e deixaste a ginástica gradualmente?
Houve um momento. Havia um sarau de ginástica, para o qual já tinha assumido o compromisso, era em março e já estava marcado desde outubro, acho eu. Entretanto, saiu a época competitiva do surf em janeiro e o primeiro campeonato era em março, ao qual queria ir. Mas, se não fosse ao sarau, o meu par na ginástica ficava de mãos a abanar. E o meu pai, na altura, disse-me para ir ao sarau, porque me tinha comprometido primeiro. Lá houve choradeira em casa e decidi “ok, acabou-se a ginástica”.

Mas, depois, apareceu a música para te voltar a dividir as atenções.
Sem dúvida. Comecei aos 10 anos e fiquei com o que tenho agora: a escola, o surf e o Conservatório.

Isso também veio dos teus pais?
Sim, a minha mãe é pianista, o meu pai sempre foi música e a minha irmã começou antes de mim. Achei piada ao que ela estava a fazer. Em casa era uma barulheira, os cantores de ópera iam lá ensaiar antes dos concertos e eventos que faziam, era uma gritaria brutal. Quando a minha irmã começou, achei piada, mas a minha única prerrogativa era que o meu instrumento fosse maior do que o dela. Tocava o violoncelo, portanto, não havia muito por onde ir, então comecei a estudar o contrabaixo.

Foi o único motivo?
Sim, para ganhar à minha irmã. O irmão mais velho tinha que ter o instrumento maior [ri-se].

És sempre tu que escolhes o teu instrumento?
Sim, mas há provas de admissão, porque há instrumentos mais concorridos do que outros. É um sistema que gosto e não gosto, acho super interessante falar sobre isso. Quando entras no Conservatório tens que estar em paridade com a escola, ou seja, está no 1º grau e no 5º ano de escolaridade, depois acabas o 8º grau e, em teoria, o 12º ano. Tem que haver a equivalência. Mas, se estás no 1º grau, tens 10 ou 11 anos e metes dois miúdos a competir: um estudo piano há três anos, já sabe tocar, o outro nunca estudou, e vais pô-los a fazer o mesmo exame. Um, provavelmente, vai entrar de certeza, o outro não e terá que ir tocar outra coisa qualquer. Ainda é uma idade super curta para estar a definir quem tem, ou não, talento, portanto, um miúdo não poderá estar a levar com um corte de uma oportunidade brutal que poderia ter?

É uma triagem que aparece demasiado cedo?
Sim, porque é uma coisa que depende quase exclusivamente do background familiar da pessoa.

Se cresceste com música em casa.
Ou se tens pais com dinheiro para pagar a um pianista, porque não tens outra maneira de ter aulas de piano. Um puto cujos pais ganhem o salário mínimo não tem como ter aulas particulares, é impossível, porque um pianista custa 40 euros por aula. Fico um bocado atrapalhado com isto. O Conservatório é um sítio incrível, saem de lá músicos espetaculares, que vão estudar para as melhores escolas…

Mas a competitividade fazia-te confusão?
Sim. Com 10 anos, entras ali e tens que ser músico. Quando a minha mãe entrou na direção do Conservatório ajudei-me na produção de conteúdo para atrair novos alunos, porque havia instrumentos sem muita procura e era preciso chamar gente, para o Conservatório continuar relevante para o Estado. A ideia era mostrar que aquilo é para toda a gente, é divertido, podes aprender sobre música e não é obrigatório quereres ser música ou ir trabalhar para uma orquestra. Não podes dizer isso a um puto de 10 anos.

É uma forma de pressão?
Sim, vi acontecer isso a ene pessoas que conheço - os pais é que queria que eles fossem surfistas.

Voltando ao Conservatório.
Sim, sempre adorei, mas fez com que, por vezes, tivesse que dividir as atenções. É verdade que a música saía mais vezes prejudicada, pelo menos nas coisas concretas. Havia um campeonato de surf e um concerto, eu ia ao campeonato; havia um campeonato e um teste na escola, eu ia ao campeonato. Mas sempre fiz tudo, porque compensava mais, ou menos, bem. No surf, sinto que não sou muito talentoso, que foi tudo muito trabalho.

Não esperava ouvir isso.
Mas sinto. Foi muito trabalho e dedicação, muito treinar mais do que os outros para ser igual a eles. Foi trabalho [risos]. Sou muito talentoso para o desporto em geral, apanho as coisas rápido, tenho capacidades motoras, mas, para o surf, que tem uma forma de pisar um estilo muito particular, talvez não seja falta de talento, mas uma questão de falta de estética, talvez. Sempre senti isso, que trabalhava mais e punha mais horas. Na música, era o contrário - não fazia nada e aquilo saía-me naturalmente. Mesmo hoje em dia, há malta que está meses e meses a fazer uma coisa, eu trabalho intensivamente nas duas semanas anteriores ao exame de canto e a coisa sai igual.

Porque também fazes canto lírico.
Sim, acabei agora o Conservatório para sempre, em julho.

Como vais fazer para continuares na música?
Vai ser um desafio. Vou tentar entrar no grupo de atelier de ópera do Conservatório e começar a atuar devagarinho, com eles. Adoro o canto lírico e não o quero perder, mas tenho-me juntado cada vez mais a grupos de música do mundo, como a brasileira e a africana. É uma paixão gigante da minha vida e não a posso perder. Ainda estou um bocadinho perdido, mas gostava muito de juntar o surf com a música, tipo produzir o som dos meus vídeos, era um caminho interessante e conferia-me um propósito: fazer a música. Mas, na verdade, não sou compositor nenhum, teria que aprender a fazê-lo. Mas é contornável, é possível. Sou música, conheço as pessoas, e se não conhecer, há o LinkedIn.

E, além de tudo isso, ainda estás a tirar uma licenciatura em Política e Relações Internacionais.
Às vezes passo-me da cabeça [ri-se].

Vais trabalhar na área do teu curso quando acabares a faculdade?
Acho que não. Três anos é muito tempo, ainda sou muito puto para saber o que quero. Agora estou atrás de coisas e, provavelmente, daqui a três anos vou querer coisas completamente diferentes. Mas sinto que o surf será um pivô para quase tudo, gostava que o fosse.

Como tem sido para os vídeos que fazes?
Sim, e cada vez mais os projetos passam tanto por mim, como pelo Nuno, da White Flag. Normalmente, batemos umas bolas, pomos as coisas no papel, mas sou eu que dou a ideia. A de ir surfar para a Torres de Belém, por exemplo, veio de ambos. Não sei se vou ser eu a continuar à frente da câmara, a surfar e a mostrar os sítios. Em relação ao resto, o que o curso me está a dar é uma bagagem muito grande de cultura e metodologia. Não me vejo a trabalhar na ONU ou a ser diplomata, mas o curso não está a ser uma perda de tempo, de todo. Ainda não sei é que forma isso vai tomar no meu futuro.

Imaginas-te a produzir vídeos para a WSL, durante o circuito?
Adorava, a contar as histórias daqueles bastidores. Felizmente, é um modelo de negócio que está a funcionar. As pessoas querem histórias e viver experiências pelo telemóvel. Temos aqui [pega no seu e mostra-o, com uma mão] um universo e gostamos de saber coisas, somos um bicho super curioso, e isso é uma oportunidade para quem cria conteúdos. Abre muito mais o jogo, porque, há 10 anos, ias trabalhar para a televisão ou para um jornal. Agora não, podes fazer o que quiseres.

[entretanto, surge um amigo de João que, feitos os cumprimentos e a conversa casual - “é o problema de ter entrevistas na praia” lhe pergunta sobre o título nacional de surf, e arranca ao surfista as matemáticas, probabilidades e dependências alheias de quem pode ser campeão nacional, na última etapa do circuito.]

Depois de toda esta conversa, podes ser campeão nacional de surf na última etapa do circuito.
Foi sem querer [mais uma gargalhada].

Não estavas a pensar nesta luta?
Nem minimamente, mesmo. Adoro competir e, o ano passado, ainda ia muito nervoso para os heats, sentia que tinha que provar alguma coisa. Este ano, apesar de tudo, é normal que este meu afastamento da competição também me tenha dado algum sentimento, vindo de mim e dos outros, de que este gajo se estava a afastar do surf.

Diziam-te que estavas a desperdiçar talento?
Diziam e dizem. “Vai para o QS!”. Mas eu não vou, não quero ir [ri-se]. Adorava fazer o circuito, estar e surfar com eles, mas sem competir, isso adorava. Sempre tive essa pressão, de alguma forma, mas, este ano, estava completamente na boa com isso.

Conseguiste estar-te nas tintas?
Sim, um bocado. Antes, o que me acontecia era pensar que não queria saber do campeonato e, depois, corria-me mal. Este ano, era mais: eu vou surfar bem, vou curtir, estar concentrado e vou saber o que lá vou saber. Se ganhar, ganhei, se não, tudo bem. Na etapa do Porto passei só três ou quatro heat, mas correram-me mesmo bem e, mesmo no que perdi, senti que podia ter dado para qualquer lado. Apesar de o resultado não ter mostrado tudo isso, fiquei em 9-º, senti que estava em forma, até o meu treinador me deu os parabéns, disse que estava relaxado, que não estava maluco a competir. Depois, na Figueira, pareceu que estava a ver o campeonato de um helicóptero, coisa que deve acontecer aos competidores mais experientes.

Como assim?
No heat contra o Francisco Alves, no início, numa luta pela prioridade, começámos a fazer a coisa mais estúpida do mundo, que é sair do sítio e voltar ao sítio, um atrás do outro. Quando me dei conta disso, desatei a rir enquanto remava, e o Chico ficou parvo a olhar para mim, porque estamos ali a competir e é suposto ser uma coisa séria, mas depois lá se começou a rir. É difícil de explicar, mas, em vez de estar imerso na minha cabeça, nas minhas ansiedades e nos meus medos, estava a olhar para aquilo de fora: isto não é a minha vida, é um jogo, é um divertimento, portanto, é para desfrutar. Acho que foi um bocado a chave disto tudo… É tão difícil de explicar.

Porque não foi propositado?
Sim, é uma coisa da tua cabeça. Os medos e ansiedades deixaram de acontecer, precisamente, quando perdi na final, na Figueira da Foz, contra o Gony [Zubizarreta]. Na minha cabeça notei que não estava em cima do momento, não estava a antecipar as coisas, estava nervoso. Fiz ondas boas, mas não senti que estava a dominar a minha cabeça - ela estava a ir à frente e a puxar-me. Acho que é a melhor metáfora. Quando tens a clareza necessária, és tu que dizes à tua cabeça para onde ir e como encarar as coisas.

Uma sensação de controlar algo que é quase incontrolável.
Sim, mas há maneiras de chegar lá perto. O meu percurso e as minhas experiências e o conhecimento que vou tentando buscar em todo o lado também têm ajudado na parte psicológica. Estou muito mais calmo, não dependo dos resultados para o meu ano correr bem, ou mal. E, claro, uma pessoas também vai crescendo. Estou menos miúdo.

A tua vida vai mudar se fores campeão nacional de surf?
Hum, sim, mas não muito. Vou ter mais atenção mediática, claro que vai trazer coisas diferentes, mas sem mudar fundamentalmente muita coisa. Que traga mais dinheiro, pronto [ri-se]. Os meus gostos não vão mudar. O facto de ter tido resultados há pouco tempo não me fez ir a uma prova do QS, por exemplo. Não vai ser por aí.

E vais treinar mais ou fazer algo diferente antes da última etapa [entre 4 e 6 de outubro, em Cascais]?
Não, vou fazer tudo igual. Aliás, espero que não, porque isso significaria que não iria surfar nas duas semanas antes da prova. Aconteceu isso nas duas últimas etapas. Numa, estava com exames na faculdade, na outra, tive exames no Conservatório e quase não surfei. Até brinquei com isso na altura, pensava que, se calhar, o segredo é mesmo esse: não pensar. Mas não foi uma coisa que tenha planeado.

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