Estive a pesquisar e não há muita coisa sobre ti na Internet, o que é difícil acontecer hoje em dia.
Isso é bom. É como eu gosto.
És um tipo pacato?
Sim, sou bastante calmo. É por isso que as pranchas dizem JS e têm um símbolo de um trator. Não é para ser sobre mim, ou sobre o meu nome. Às vezes lá cedo e faço um podcast, como o que fiz com o Occy [Mark Occhilupo] ou algo do género, mas nada de especial. Tento que o meu trabalho, ou os atletas, falem por mim.
Como é um típico dia teu?
Se tudo correr bem, acordo cedo e tento ir surfar uma qualquer onda cheia de gente, com 200 ou 300 outras pessoas, em Snapper Rocks, por exemplo. Depois sigo para o trabalho, faço umas pranchas, despacho isso e tento ir surfar outra vez e conviver. Para mim, ir trabalhar é mais um divertimento do que um trabalho. Os meus dias envolvem sempre isto, ou, talvez, ir buscar umas pranchas que fiz para mim para as experimentar na água. É o normal.
Achas que um dia será exequível que seja um surfista profissional a fazer as suas próprias pranchas?
Provavelmente, o Kikas poderá responder [risos].
[Frederico Morais, sentado mesmo ao lado, também se ri e diz: "Nunca tentei. As minhas pranchas não ficariam muito boas!"]
Mas vimos o Kelly Slater a tentar fazê-lo há algum tempo, talvez não tenha tido muito sucesso, caso contrário estaria a usá-las. Sei que o Joel [Parkinson] entrou na sala de shape e estragou algumas pranchas. Mas, agora a sério, no CT e com o nível dos surfistas, penso que eles não quereriam usar o tempo a fazer pranchas, porque estão demasiado ocupados a competir e a surfar. Acho que pode ser feito, sem dúvida, mas é uma questão de tentar prever se as gerações mais jovens estariam dispostas a fazê-lo... Hum, nem pensar, acho que não vão querer perder tempo com isso!
Porque o objetivo é passar o máximo de tempo possível no mar?
Correto. Não sei se conseguiria conjugar o ser um atleta profissional e com a vida de um shaper.
Como é que entraste nesta vida?
Porque era um surfista, basicamente. Não sabia o que haveria de fazer. Sempre surfei e tive alguém a fazer as minhas pranchas, até que comecei a trabalhar numa fábrica. Foi o meu primeiro trabalho. Vivia numa ilha, cresci em North Stradbroke [ao large de Brisbane, na costa este da Austrália] e tudo o que acontecia lá tinha a ver com surf. Não havia trabalho, não existia um percurso de carreira. Portanto, mudei para a Gold Coast, comecei a trabalhar numa fábrica, a Pipe Dream, que na altura me patrocinava e, a partir daí, comecei a mexer em materiais.
Ser um surfista profissional nunca fez parte dos planos?
Não, não. Esse tempo não era como o de agora. Hoje, com o circuito de qualificação, há um caminho claro para os surfistas jovens seguirem e se tornarem profissionais. Na altura, eu adorava surfar, mas cresci numa ilha e não era um tipo assim tão competitivo. Preferia, simplesmente, ir atrás de boas ondas, entrar em tubos e pronto. Ainda participei em alguns eventos do circuito júnior, mas não queria fazer o que o Kikas faz, que é ter de surfar ondas de meio metro à volta do mundo. Hoje em dia, estes tipos são atletas profissionais, é uma carreira, o que é espantoso.
É difícil entrar na indústria do shape de pranchas?
Acho que sim. Quando comecei nem sabia que, realmente, ia ser um shaper. A indústria era pequena e não existiam muitas referências de qualidade mundial. Mas, à medida que a minha carreira se desenvolveu, foi aparecendo um shaper em cada canto. Hoje é um mundo muito competitivo, mesmo. A era das máquinas e da tecnologia permitiu que muitas pessoas entrassem no meio e começassem a fazer pranchas com qualidade razoável.
O João Cabianca, que faz as pranchas do Gabriel Medina, diz que a tecnologia a laser está a prejudicar a nova geração. Acha que estão a ficar dependentes.
Porque, hoje em dia, não tens que, verdadeiramente, ser um shaper. És apenas um desenhador. Eu tive de aprender a técnica e, quando apareceu a tecnologia, também tive de a abraçar. O shaping virou-se mais para o lado do design. Vou ter que concordar e discordar da opinião do Cabianca, porque hoje faço pranchas muito consistentes com essa tecnologia. Assim que assimilámos os tipos de prancha e os tamanhos do Frederico, ele só tem que dizer que quer outra desta, desta ou daquela. Sim, abracei a tecnologia e, provavelmente, há uma mão-cheia de grandes marcas devido a isso mesmo. Permitiu-lhes fazer um grande número de boas pranchas de forma consistente.
Quão bem tens de conhecer um surfistas para lhe fazer pranchas com qualidade?
Tens que ter as relações. O Fred está deste lado do mundo e não temos muitas oportunidades para conviver, como tive com Joel Parkinson ou o Luke Egan, mas, a partir do trabalho que fiz com eles e das relações próximas que estabeleci com eles, isso beneficia alguém como o Frederico, que tem um estilo semelhante de surf cru e de estrutura corporal. Posso fazer-lhe pranchas como faço para o Joel e afinar coisas a partir daí. Por isso, sim, inicialmente tens que formar uma relação, mas posso transferir toda a minha informação e fazer com que o Fred tenha pranchas muito boas.
Quando estás a fazer pranchas para o Kikas, quais são os aspetos que mais tens em conta?
O estilo de surf do Fred faz com que ele use um certo tipo de prancha, um certo modelo. Tem surfado, sobretudo, os modelos 'Forget Me Not', que a maioria das pessoas pensa que estão desenhados para boas ondas, mas o Fred viaja por todo o mundo e, às vezes, tem de surfar ondas do meio metro aos três metros e usa um modelo único.
Há algum surfista para quem seja particularmente difícil desenhar pranchas?
[Ri-se] Hoje em dia não, mas, em outros tempos... O Kikas é muito bom porque trabalha com o Richard 'Dog' Marsh e as informações que obtenho, seja em vídeo, ou dados sobre as pranchas, são das melhores para se trabalhar. Estão sempre a enviar feedback e comentários sobre isto e aquilo, é surreal. Depois, há tipos como o Julian [Wilson], que é muito particular sobre como acha que as suas pranchas deveriam ser. Ele pega numa prancha, mete-a debaixo do braço e diz logo que sim, ou que não, mas és capaz de estar à conversa com ele sobre isso durante horas. Não há ninguém com quem seja realmente difícil de trabalhar.
Como era com o Andy Irons?
O problema do Andy era sempre que as pranchas de toda a gente eram melhores do que as dele [mais risos]. Se o Andy estivesse aqui sentado e o Frederico tivesse uma prancha, estava a dizer que era melhor do que a dele e que queria essa. Eu dizia-lhe sempre: "You're full of shit! Isso não é verdade!". Enviava pranchas ao Andy e ao Bruce [Irons], que tinham corpos e alturas completamente diferentes - o Bruce surfava uma com 28 litros [de volume] e o Andy com 26 -, mas o Andy dizia sempre que as pranchas do irmão eram melhores. Era difícil argumentar contra ele, fosse no que fosse. Portanto, tentava assegurar-me que ele sabia que lhe estava a fazer as melhores pranchas. Hoje todos nos damos bem, tranquilamente. O Kikas é muito profissional no que faz, com as pranchas e com a informação que transmite.
Acontece-te ficares farto de fazer isto todos os dias?
Quando já o fazes há tanto tempo, passas por alturas em que, sim, sentes isso. Mas posso sempre ir surfar, posso fazer uma prancha e levá-la logo para a água. É bastante fácil ter a alegria de volta. Quando os rapazes estão a competir e um deles é bem-sucedido, estão a usar o teu equipamento e isso também se pode tornar mundano, mas é o que acontece com qualquer área, no geral. Ser dono de um negócio, lidar com os momentos bons e maus e o dia-a-dia faz parte.
O melhor, até agora, foi o Joel Parkison conquistar o título mundial [2012], o primeiro para as pranchas JS?
Era um objetivo. Para ser sincero, o Joel não se importava muito com isso. Mas, ao mesmo tempo, ele queria consegui-lo. Houve um ano em que ele ganhou três eventos nesse ano, parecia estar a milhas dos outros e rasgou os tendões do tornozelo. Passei por isso com ele, por todos os altos e baixos. Uns anos depois, ele recuperou, ganhou o título mundial e foi um momento incrível.
Estavas lá com ele, na última etapa do Havai?
Sim. Foi fantástico presenciar aquilo. Todos estes tipos sabem o trabalho duro que implica. Não é fácil, sabes? Quando consegues estas vitórias, seja num heat, num evento ou um título mundial, tentas mesmo absorver tudo o que há de bom. Há alturas na vida em que tens de respeitar isso.
A hipótese de fazeres as tuas próprias pranchas e ires logo experimentá-las ao mar é o mais especial da tua profissão?
Yeah! Acho que é isso que fez com que eu desenhe as pranchas que desenho atualmente. Ser capaz de fazer um design, testar na água, ir surfar e retirar ilações e passá-las para as pranchas que faço para os surfistas profissionais é um método provado. É para isso que vivo.
Tens filhos?
Tenho uma filha com 20 anos, que está na universidade, e um filho com 18 anos que trabalha para mim, como um shaper. E são os dois surfistas. A minha filha já não liga muito, faz longboard e diverte-se um pouco.
Fazes pranchas para eles?
Costumava ter de as fazer, mas agora já não. O Luka já faz as próprias pranchas, ele faz 20 ou 30 pranchas por semana para mim, é bastante bom.
Não ficavas sentimental quando desenhavas pranchas para os teus filhos?
Hum, não sei responder a esta [ri-se]. Era divertido porque depois íamos surfar juntos, vi-a-os a crescer e, particularmente, a ele, que é um bom surfista - mais ainda por vê-o a fazer pranchas e a tornar-se bastante bom no que faz. Não sou daquelas pessoas que insistem em passar o conhecimento de geração em geração, nada disso; fico apenas satisfeito por ele ter um trabalho e estar fora da ruas [solta uma gargalhada].
Mas como é que o teu filho se interessou por isto?
Ele era apenas um surfista e, como qualquer miúdo, não queria trabalhar, não se queria preocupar com isso. Ele chegou ao décimo ano, teve que tomar uma decisão: ou continuava e terminava a escolaridade, ou arranjava um trabalho. Passou esse verão na fábrica a trabalhar, varria o chão, fazia as coisas típicas para um miúdo. Quando chegou ao fim do verão, perguntei-lhe qual era o plano e a conclusão foi que ia concluir os estudos da maneira mais fácil que conseguisse. Disse-lhe que podia ensiná-lo a fazer pranchas e, dentro de dois anos, seria um shaper bastante bom. Foi isso que aconteceu. Ele já tinha o surf como desporto escolar, passava uma hora ou duas a surfar todos os dias, no meio de todas as outras disciplinas, portanto, disse-lhe que podia vir aprender para a fábrica. Começou por fazer pranchas para os amigos e agora já está no seu percurso de carreira.
Que margem de evolução há para a indústria do shaping de pranchas?
Não sei bem. Continua a mudar aos poucos. Vês os designers e os shapers de outras marcas a inventarem coisas estranhas e, ao mesmo tempo, espantosas, e isso parece resultar. A tecnologia está a evoluir, como mostram as pranchas do Kelly Slater e os nossos modelos HYFI. Há diferentes materiais a aparecerem. Tenho dois ou três projetos em linha, para o futuro. Acho que o fabrico de pranchas vai continuar a evoluir e serão os atletas a determinarem o quão bem-sucedida será essa evolução. Mas, sem dúvida, acho que vem aí qualquer coisa de grande.
E por mais quanto tempo te vês a fazer isto?
[Ri-se] Não me vejo a reformar-me nos próximos tempos, isso é certo, ainda não cheguei a essa fase. Mas quem sabe? Vou continuar a fazê-lo até sentir prazer. Adoro surf, adoro fazer pranchas para estes tipos e tenho os Kikas do mundo para o fazer.