Os relevos aquáticos de Teahupo'o formam espirais horizontais perfeitas. No miolo dos tubos, vão zarpar os surfistas que os Jogos Olímpicos de Paris largaram no Pacífico Sul. Os 15 mil quilómetros de distância da capital francesa não incomodam quem se vai fazer ao mar em busca de um tesouro para pôr ao pescoço. A fama das ondas compensa.
Teresa Bonvalot traz restos de verão (algum daqueles com que se cruzou pelos sítios por onde tanto viaja) na pele bronzeada que veste para falar com a Tribuna Expresso nas vésperas de seguir caminho para o Taiti, na Polinésia Francesa. É uma das duas portuguesas a levar as cores nacionais pintadas na prancha. A surfista de 24 anos natural de Cascais repete a presença nos Jogos Olímpicos depois de ter conseguido em Tóquio chegar à terceira ronda. Considera que foi a partir daí que a modalidade passou a ser vista “como um desporto de alto nível”.
Por muito que os Jogos do Japão tenham marcado a estreia do surf no programa olímpico, os surfistas limitaram-se a montar ondas de tempestade bem menos desafiadoras do que as de Teahupo'o. “Uma onda inacreditável de uma atleta leva a outra a fazer ainda melhor e, de repente, aquilo é um circo”.
Depois de ter ficado muito próxima de entrar no Championship Tour, o circuito mundial de surf que a acolheu nas três etapas em que participou via wildcard, Teresa Bonvalot vai enfrentar nos Jogos Olímpicos as suas maiores referências. “Fui evoluindo e cada vez mais me bato com adversárias desse nível”.
Com que sensações chegas aos Jogos Olímpicos depois da montanha-russa de emoções que foste vivendo nos últimos tempos?
Antes de tudo, é um privilégio e um prazer poder representar Portugal e o nosso surf num evento como os Jogos. Não é todos os dias que isso acontece. Eu e a Yolanda Hopkins qualificámo-nos pela segunda vez. Sabemos que o surf em Portugal está a crescer muito. Toda a nossa qualidade está a ser demonstrada. Isso é algo que ninguém nos tira. Vou para os Jogos com imensa vontade e nervosismo, como é óbvio. Toda a gente vai estar assim. Vamos competir no outro lado do mundo.
Em Tóquio, todo a dinâmica da aldeia olímpica foi afetada pela covid-19. Desta vez, estando no Taiti, também não vais ter a experiência completa.
O campeonato começa no dia 27, mas temos a sorte de termos seis dias de treino. A praia vai estar fechada só para os atletas, com horários definidos para não ir toda a gente ao mesmo tempo. Vai ser uma semana muito boa e enriquecedora de treinos.
Sabendo que as tuas adversárias te vão poder ver, vais ter algum cuidado nesse momento de treino para não expores tudo o que queres apresentar em competição?
Acho que não. Não sei quem é que vai treinar ao mesmo tempo que eu. No máximo, vão ser dez pessoas. Como é pouca gente, todas vamos conseguir apanhar ondas, umas melhores que outras. Vai ser bom para testar pranchas novas. Estive no Taiti a meio de junho durante duas semanas.
Vais levar muita variedade de material?
Vou levar para aí 16 pranchas. Da última vez que estive no Taiti, deixei lá três. Mandei fazer pranchas novas com algumas retificações, algumas coisas que me vão beneficiar. Os treinos são perfeitos para experimentar tudo e ter a certeza que prancha usar nos vários tipos de mar. As pranchas têm diferentes tamanhos. Quanto maior estiver o mar, maior a prancha. Vamos ter várias pranchas no barco e, durante os treinos, vamos rodando. As pranchas que encomendei não são muito diferentes entre si, o que muda é o tamanho.
Usar uma prancha nova é como calçar uns sapatos pela primeira vez? Precisas de te adaptar?
Em Teahupo'o, vamos estar à procura de tubos. É uma coisa muito mais específica e sinto-me melhor a usar pranchas pela primeira vez neste tipo de ondas. Num campeonato normal, que não seja de tubos, tenho que me adaptar um bocadinho mais.
Os tubos de Teahupo'o não propiciam tanto manobras mais acrobáticas. Vais ter que adaptar o teu estilo às condições?
Sinto-me confortável com os tubos. Quando estive lá a treinar, apanhámos um pouco de tudo, quer ondas pequenas, quer ondas gigantes. Foi super enriquecedor nesse sentido. Fiz um camping no Taiti com uma atleta canadiana com o mesmo patrocínio. Fomos acompanhadas por um treinador de lá que nos deu conselhos. Isso foi muito enriquecedor. Tivemos a ajuda de pessoas que surfaram lá a vida toda. Há ondas lá com diferentes sways [balanços] e direções. Há ondas onde entramos mais por trás, outras que dropamos mais no pico, outras que dropamos mais cá em baixo. Ganhamos confiança por sabermos essas coisas. Na primeira vez que estive em Teahupo'o, há dois anos, a coisa que mais me marcou foi a proximidade dos barcos. Senti que estava em cima deles. Muitas vezes, quando sais de um tubo, estás praticamente logo em cima das motas de água. Tive que me desfazer do bloqueio que era achar que ia levar com um barco em cima.
Teahupo'o é um local mítico em termos de surf, uma pequena migalha no meio do Pacífico Sul que tem a cultura enraizada. Em que é que isso se nota?
Há muitas pessoas locais a chegarem ao pico [local onde se encontram as melhores ondas] e a cumprimentarem toda a gente que lá está. É uma forma de respeito e que puxa pela sensibilidade humana. Quando arrancas uma onda épica, as pessoas puxam por ti. Vi locais a apanharem ondas inacreditáveis, tubos que, na nossa cabeça, são impossíveis. Também adorei a comida.
A competição, só pelo mar, já tem condições para ser mais espetacular do que em Tóquio?
Foi essa uma das razões de nos mandarem para o Taiti e de não ficarmos, por exemplo, na costa de França. A probabilidade de existirem melhores ondas é maior em Teahupo'o. Acredito e espero que tenhamos boas condições para dar espetáculo. Uma onda inacreditável de uma atleta leva a outra a fazer ainda melhor e, de repente, aquilo é um circo.