Mais rápida, mais alta, mais forte: Simone Biles regressa aos Jogos Olímpicos com o estrondo da história
Anadolu/Getty
Depois de Tóquio, quando abdicou de diversas competições para priorizar a sua saúde mental, a ginasta voltou ao maior palco de todos em grande. Com um pavilhão a abarrotar para ver a mais titulada de sempre na modalidade, Biles impressionou numa qualificação de altíssimo nível
São 9h30 e a Arena Bercy, este enorme pavilhão multiusos que tanto acolhe Ed Sheeran como recebe Novak Djokovic, já está cheio. Lá fora o dia começou sorridente, com uma luz clara a aquecer Paris, a primeira manhã de sol dos Jogos. Mas, ao entrar aqui dentro, parece que se mergulha numa dimensão paralela, num mundo com o seu próprio oxigénio, um espaço semi-iluminado.
Uma zona de expetativa, guardada pelos polícias e militares e seguranças privados e detetores de raios-x que é preciso superar. Até Tom Cruise está nas bancadas. Expetativa por medalhas? Não, é só uma manhã de qualificação de ginástica artística, apurando as equipas que seguem para a final coletiva e, também, que atletas disputarão as medalhas individuais, quer no all-around, quer em cada aparelho. Expetativa pela qualificação em si? Hmm, não.
Expetativa por Simone Biles.
A maior campeã da história da modalidade regressa aos Jogos. Depois de Tóquio, após abdicar para dar prioridade à saúde mental e levar para outro patamar a discussão sobre o bem-estar psicológico dos atletas, esta Simone Biles 2.0 é, talvez, o grande destaque individual de Paris 2024. E o ambiente na Arena Bercy comprova-o.
Sorridente e confiante, Simone Biles mostrou o seu melhor nível desde o início. Com os EUA a liderarem a tabela da qualificação por equipas, Biles é, para já, a primeira desta fase no all-around, bem como no salto e no solo. Na trave é a segunda e nas paralelas assimétricas oitava.
Mas, mais do que isto, além das pontuações altíssimas, foi uma manhã de sensações. Da sensação de vermos uma super estrela planetária em ação, da sensação de vermos uma deusa dos Jogos Olímpicos de volta a este palco. E de a vermos sorrindo, dançando com as colegas, parecendo lidar bem com tantos olhares, todos os olhares, colocados em si.
LOIC VENANCE
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Para a equipa dos EUA, uma daquelas constelações presentes nos Jogos, Paris 2024 representa o desafio de voltar ao topo após a desapontante prata de Tóquio. Este é um conjunto de craques, com Sunisa Lee, campeã olímpica em Tóquio do all-around, ou Jordan Chiles, prata em Tóquio. Todas parecem imbuídas da mensagem de Biles nos últimos Jogos, com uma série de mudanças para aliviar a pressão. Uma delas é que, até agora, têm sido elementos da equipa técnica a falar com a imprensa, aliviando as ginastas dessa exposição mediática.
“Esta é a nossa tour de redenção”, comentou, semanas antes dos Jogos, Biles. Depois de longas sessões de terapia, depois de horas e horas a explorar as raízes do seu sofrimento, a ginasta assegura que, agora, compete para ela própria. Mas, para quem assiste, é inevitável atestar que compete, também, contra a história.
A história já é dela. Ginasta mais laureada de sempre, com 37 medalhas em Mundiais e Jogos. Desde que conquistou o primeiro título nacional, em 2013, venceu todas as provas de all-around em que participou. Mas, nestes Jogos, a Simone Biles 2.0 pode elevar ainda mais uma fasquia que só está ao alcance dela própria.
Pode tornar-se na ginasta dos EUA com mais ouros, estando a um dos cinco de Anton Heida. Pode tornar-se na mais velha ginasta norte-americana a ser campeã olímpica, sendo, aos 27 anos, uma veterana da modalidade. Até aqui, a menos nova a subir ao lugar mais alto do pódio foi Aly Raisman, que arrecadou dois ouros em 2016 com 22 anos.
Depois do primeiro grupo de ginastas ter feito a sua qualificação, chegou a vez do lote que incluía os EUA. Antes do anúncio do nome das atletas, um coro de “USA! USA! USA” enche, sonoramente, o pavilhão.
Logo o aquecimento é uma festa. Nos aparelhos onde não está Simone Biles, há algumas câmaras de televisão, algumas máquinas fotográficas. Onde está Simone Biles, os profissionais acotovelam-se para obterem o melhor ângulo, como se fossem sprinters do ciclismo numa chegada em pelotão compacto.
São 11h56 e a espera termina. Três anos depois de Tóquio, após o brutal regresso dos últimos Mundiais, com quatro ouros e uma prata, Biles está, de novo, no maior palco. Num palco que é o que é — um teatro de lendas e grandeza — graças a nomes como Biles.
A norte-americana começou na trave. Inicialmente ouve-se uma ovação, depois este gigante pavilhão parece suster a respiração. Todos se calam e ouve-se uma música de Ariana Grande.
Boom. Com extraordinária mestria, Simone domina a trave, molda-a aos seus desejos. Quando acaba, ouve-se um rugir de milhares de pessoas.
Tudo o resto parecia secundário. Competindo simultaneamente, estavam atletas de topo, as chinesas ou as italianas evidenciaram a sua qualidade, mais tarde será a vez de Rebeca Andrade, a brasileira que pode roubar protagonismo a Biles nestes Jogos. Mas aqui, nesta manhã, era o momento de Simone.
GABRIEL BOUYS
GABRIEL BOUYS
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São 12h18 e Biles vai para o solo. “Let's go Simone!”, grita uma voz feminina mesmo antes do começo do esquema. Ao ritmo de música de Taylor Swift, Biles entra em segundos intensos, o solo e o salto foram os seus melhores momentos. Há qualquer coisa de hipnótica em ver a velocidade, a precisão, a coordenação, algo de mágico, talvez a noção de que, para 99,999% da humanidade, fazer aquilo seria sonhar demais até para ser matéria de sonhos.
São 12h45 e podemos passar os 99,999% para 100,0%. Jamais uma mulher fizera isto: no salto, Simone Biles tornou-se na primeira mulher na história dos Jogos Olímpicos a aterrar um Yurchenko double pike, também conhecido como Biles II. Grandiosa, com estrondo, única.
No último aparelho, nas barras, havia alguma expetativa em saber se Biles apresentaria um novo movimento que apresentou nos treinos, cunhando-o em seu nome. Seria o sexto que teria. Não o fez, aliás, obteve ali a sua pior prestação, perigando, mesmo, a presença na final.
Mas não pareceu importar. Num dos momentos mais significativos da manhã, Simone saiu das barras e foi efusivamente cumprimentada pelas colegas. Dançaram, riram-se, Biles virou-se para o público e pediu aplauso. Saiu de cena com todos os olhares colocados nela, como se tivesse um elemento de magnetismo. As finais prometem.