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Jogos Olímpicos de Paris 2024

Ana Bispo Ramires é psicóloga e trabalha com atletas olímpicos: “É muito difícil sentirem-se no seu melhor nuns Jogos Olímpicos”

Ana Bispo Ramires é psicóloga e trabalha com atletas olímpicos: “É muito difícil sentirem-se no seu melhor nuns Jogos Olímpicos”

A psicóloga do desporto, que esteve em Tóquio 2020 com a comitiva portuguesa e ainda acompanha vários atletas, fala do trabalho psicológico que pode ser feito antes e durante a competição e lembra que num contexto olímpico há “centenas de fontes de pressão” para quem nele participa. Refere ainda a necessidade de refrear expectativas com quem está nuns Jogos Olímpicos pela primeira vez, como é o caso de Diogo Ribeiro

Nos dias que antecedem uns Jogos Olímpicos, um atleta está mais entusiasmado ou mais ansioso?
Aquilo que está documentado cientificamente é que numa experiência como os Jogos Olímpicos é muitíssimo difícil que os atletas se possam sentir no seu melhor. Ou seja, os atletas vão com aquela expectativa de “vou estar no meu máximo, quero entrar em flow”, que é um estado emocional onde tudo parece fluir, todos os sentidos estão afinados com a tarefa, tudo corre bem, dando origem a desempenhos extraordinários, mas a taxa de atletas que consegue fazer isso nuns Jogos é mínima. Há quase sempre ansiedade e perturbação de sono muito marcadas, o volume de pensamentos e das emoções fica super acelerado. É, provavelmente, a maior festa desportiva multimodalidade e, especialmente para os atletas que vão a primeira vez, importa ter a expectativa regulada, porque é difícil ter os melhores resultados na primeira visita, também por isso.

De onde chega a pressão?
Uma das principais fontes de pressão em contexto dos Jogos Olímpicos são fontes externas - os treinadores, staff, amigos, família. Porquê? Porque os atletas levam quatro anos a preparar-se para aquele momento, mas o entorno não. O entorno está sempre focado no atleta, não se foca em si próprio, nas competências que tem que ter para poder ser apoio e não fonte de stress. Às vezes, numa coisa tão simples como o “boa, boa, campeão, vais sacar uma medalha” acabamos por estar a instalar ainda mais pressão no atleta numa fase em que eles precisam apenas de estar na bolha deles. Idealmente, os atletas devem saber que podem contar com a sua rede de apoio, mas é preciso dar-lhes espaço.

Há um momento em que esse período de ansiedade desaparece e se transforma em ação?
Claro que sim – e a esmagadora maioria dos atletas é o que faz, mesmo sem saber que o faz. Num palco como os Jogos Olímpicos, para o qual os atletas se preparam quatro anos para aparecer no seu melhor, na reta final o que vai fazer a diferença é a forma como os atletas vão conseguir, ou não, ativar o seu ponto ótimo em termos de recursos psico-emocionais. Neste tipo de experiência desportiva, não vence o atleta que se “sente melhor”, vence o que, independentemente do que possa estar a sentir e pensar, consegue estar completamente focado na tarefa e fazer o que é preciso ser feito. Focar nas tarefas que potenciam o resultado que se quer e não no resultado per se. Querer uma medalha é colocar a atenção num futuro que não controlamos - temos de trazer os nossos atletas para o aqui e agora, sempre. Em competições desta natureza tende a ter melhores resultados o atleta que, independentemente do que sente, independentemente do que pensa, no momento da competição coloca tudo a zeros, coloca uma mudança abaixo, e vai em frente.

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