Jogos Olímpicos de Paris 2024

Filipa Martins já tinha feito o que ninguém imaginava na ginástica portuguesa. Na final do all-around, desfrutou até ao 20.º lugar

Filipa Martins já tinha feito o que ninguém imaginava na ginástica portuguesa. Na final do all-around, desfrutou até ao 20.º lugar
JOSÉ SENA GOULÃO
A ginasta já tinha feito história ao tornar-se na primeira portuguesa a chegar à final do all-around nuns Jogos Olímpicos. Esta quinta-feira, aproveitou o momento, terminando no 20.º lugar entre 24 ginastas e deixando essa importante mensagem que, mesmo numa modalidade rápida a massacrar as atletas, melhorar é sempre possível, depois de ser 37.ª no Rio e 43.ª em Tóquio

Não deverá existir maior conforto de alma do que saber que se fez o melhor que era possível, que se arriscou o que se tinha de arriscar, até ao fim. Aos 28 anos, FIlipa Martins chegou aos seus terceiros Jogos Olímpicos, uma raridade na sua modalidade, na ginástica rápida a massacrar articulações e ossos - e ela tem na pele e dentro dela as suas marcas. E chegou não só para colocar um lacinho numa carreira que tanto já deu à ginástica portuguesa, mas sim para se desafiar a fazer mais. Chegar à final do all-around, ali ao lado de Simone Biles, Rebeca Andrade ou Sunisa Lee, já era histórico, porque nunca nenhuma portuguesa havia chegado tão perto do céu, e mesmo que esta tarde de quinta-feira a saltitar entre aparelhos não lhe tenha corrido tão bem quanto na qualificação, Filipa deu mais uma pirueta para a história.

A maiata foi 20.ª em 24 atletas na final do all-around, com um total de 51.232 pontos, abaixo dos 53.166 da qualificação. Essa qualificação em que já tinha arriscado, por exemplo, com um salto que andava a treinar “desde 2014 ou 2015” confessou então, quando a final já lhe surgia no horizonte mas ainda não era uma certeza, falando também do medo que deixou de ter de o mostrar a todos. Era um “Yurchenko com dupla pirueta”, ou seja, “uma rondada com flic por cima da mesa e um mortal com duas piruetas”, explicando aos mais leigos, que não têm nos ginásios e na trave, no solo, no salto e nas barras o seu pão nosso de cada dia.

E depois de arriscar na qualificação, Filipa só tinha de desfrutar na final. Começou bem na trave, sem falhas de maior, apenas alguns ajustes, e a felicidade viu-se no abraço que deu a José Ferreirinha, o treinador. Melhorou aí em relação à final, mas no solo, o aparelho onde tem mais dificuldades, um pé maroto foi para onde não devia, acontece quando se voa muito alto.

No salto, onde brilhou nas qualificações, voltou a tentar o tal exercício que deixou de ter medo de fazer, em boa altura, mas desta vez a entrada na mesa e a aterragem estiveram longe da perfeição. As mãos foram ao chão e talvez aí tenha caído por terra também a possibilidade de melhorar o 18.º lugar conseguido no domingo. Mas a prova terminou do lado bom, com um exercício seguríssimo de paralelas, não tão bem pontuado como há quatro dias, mas assim com um 13.566 que permitiu à portuguesa colocar-se no top 20 das melhores das melhores, isto enquanto a extraterrestre Simone Biles voava no solo para garantir mais uma medalha de ouro nestes Jogos.

Seguiu-se um sorriso para quem lhe batia palmas, mais um abraço a quem ali a acompanhava e um adeus. Filipa cumpriu tudo o que podia cumprir nestes Jogos Olímpicos. “Fizemos algo que nunca imaginámos na ginástica portuguesa”, atirou antes da final a atleta que já antes fora a primeira portuguesa a chegar a finais de aparelhos em Mundiais - foi 8.ª nas paralelas assimétricas em 2021, quando foi também 8.ª no all-around. Em Jogos Olímpicos, a estrela do Acro Clube da Maia, clube que tantos ginastas de incrível qualidade, em tantas disciplinas, deu a Portugal, contava um 37.º em Rio e um 43.º em Tóquio.

Melhorar é possível, é quase sempre possível. E que essa mensagem também permita que venham mais Filipas nos próximos anos.

O futuro fica para depois

“Definitivamente acho que foi um sonho realizado, um objetivo que nós queríamos ter cumprido já há muito tempo, por isso, poder voltar a entrar nesta arena incrível foi espetacular, um ambiente incrível”, disse Filipa, falando sempre no plural, porque ninguém é uma ilha, nem na ginástica, em declarações à Lusa logo após a final. O sonho agora é bem real.

Ezra Shaw

Durante a prova, Filipa foi tratando das mazelas do corpo, que por esta altura já são muitas, no final confessou que “o corpo demorou um bocadinho a recuperar desde a qualificação” e que os últimos dias foram “duros”, mas, mesmo com a queda no salto, Filipa sublinhou a felicidade por terem conseguido voltar a fazê-lo, arriscando novamente, como se quer: “Não foi um ponto negativo, nós arriscámos muito nos saltos, fizemos um salto novo, como eu já tinha dito antes, era bastante arriscado, por isso tanto podia correr bem como correr mal.”

Com a ambição de conseguir fazer com que a modalidade vá “crescendo aos pouquinhos”, Filipa deixou ainda uma mensagem de “dever cumprido” e “objetivos concretizados”, não só para ela como para os seus treinadores. “Os nossos melhores Jogos de sempre”, pincelados por muito apoio vindo das bancadas da gigante Bercy Arena. Filipa confessa que muita gente lhe pediu bilhetes, pudera, mas nem para quem é uma das estrelas da noite há borlas. “Mas estou supercontente com todo o apoio que tive aqui, com todo o apoio que tenho vindo de Portugal, os vídeos que me têm feito”. E “as mensagens positivas”, num mediatismo dos seus feitos que não esperava.

Até porque a final era o objetivo, não uma surpresa ou algo completamente inesperado: “Nós treinamos muito para isto, assim como treinámos nos outros Jogos e não conseguimos. Não tinha noção que se ia ouvir falar de ginástica em Portugal inteiro”, confessou à Lusa.

E ainda teremos Filipa Martins para Los Angeles? Isso é algo para pensar depois, agora é hora de “recuperar o corpo, tirar uma boas férias”. E merecidas. É preciso estar bem para enfrentar um novo ciclo olímpico e com os anos já não se consegue “recuperar tão bem”, “ter um descanso tão bom”. Agora, diz, “é aproveitar toda esta experiência”, toda a história que fez em Paris.

“E o que lá vem, lá vem”. Bien sur!

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