Jogos Olímpicos de Paris 2024

O transe de Patrícia Sampaio, só dela, rumo ao bronze: “Estava a lutar contra bonecos sem cara. Fechava os olhos, não ouvia o público, nada”

O transe de Patrícia Sampaio, só dela, rumo ao bronze: “Estava a lutar contra bonecos sem cara. Fechava os olhos, não ouvia o público, nada”
HUGO DELGADO/Lusa

Depois de ganhar a primeira medalha para Portugal em Paris 2024, a judoca falou de um dia em que estava “muito decidida”, não se deixando afetar por nada, era só ela “e as tarefas que tinha de fazer”. Orgulhosa em representar o clube de Tomar, a sua terra, quer que haja mais pódios nacionais no futuro. Mais do que isso, deseja que “ganhar uma medalha não seja uma surpresa”

Patrícia Sampaio estava numa bolha. In the zone, como se diz em inglês. Criou um espaço mental só dela, refugiou-se nele como quem entra numa fortaleza e foi competir. O contexto não importava, as adversárias eram secundárias, o dia era dela. Dela e de uma medalha que a judoca de 25 anos se convenceu que conquistaria.

Por agora, “ainda não parece real”. Soa tudo a “sonho”, porque tudo “era um sonho”. Mas, o sonho, o objetivo da medalha, a primeira para Portugal em Paris 2024, a 29.ª da história olímpica nacional, teve as suas raízes no transe competitivo em que a natural de Tomar entrou, parecendo possuída por alguma força sobrenatural que a faz ter o triunfo nos olhos.

Esteve sempre muito “decidida”, diz. O “foco” e a “concentração” não foram perdidos mesmo depois de perder, na meia-final, contra a italiana Alice Bellandi. “Saí do combate, limpei a cabeça, fui para o seguinte como nova, o que foi muito importante”, descreve, dando a fórmula para, no duelo pelo bronze, superar a japonesa Takayama Rika.

Uma cabeça limpa. Uma cabeça sem nada. Hoje, neste 1 de agosto já histórico para o judo nacional, o verdadeiramente importante estava na mente de Patrícia. Lá residia o feitiço decisivo para este pódio.

“Hoje estava a lutar comigo mesma. Estava a lutar contra bonecos sem cara. Fechava os olhos, não ouvia público, não ouvia nada. Era só eu e as tarefas que tinha de fazer.”

HUGO DELGADO/Lusa

Patrícia Sampaio chega à zona mista da Arena Champ-de-Mars uns 15 minutos depois de conquistar o bronze. Teve tempo de trocar um longo abraço com o irmão, Igor Sampaio, a pessoa que a influenciou a seguir o judo e um dos treinadores que mais a acompanha.

Foi efusivamente cumprimentada por Telma Monteiro, assumindo Patrícia que é “gratificante” juntar-se ao clube dos medalhados do judo nacional, o grupo dos bronzes de Nuno Delgado em Sydney 2000, de Telma no Rio de Janeiro 2016, de Jorge Fonseca em Tóquio 2020. Agora também é de Patrícia Sampaio em Paris 2024.

De manhã, Sampaio bateu, rapidamente e com autoridade, Zeddy Cherotich, Madeleine Malonga e Zhenzhao Ma. A segunda, francesa, contou com o ruidoso público da casa. Os gauleses estão a ter um grande embalo nestes Jogos graças ao grande apoio que têm em todas as modalidades, empurrando-os para números de medalhas muito acima do que vinha sendo normal.

Mas Patrícia nunca os ouviu. Fechava os olhos e nada. Era só ela, o seu vazio, o seu mundo, o seu transe.

Depois dos triunfos matinais, havia umas três horas de intervalo até aos próximos combates. Para Sampaio, foi “uma luta” entre “descansar e controlar a ansiedade”, sabendo que não podia “desligar totalmente”, para não deixar de “ter a atitude onde estava”. Procurou deitar-se um bocado, não chegou a adormecer, mas deu “para descansar”.

Após um “bom aquecimento”, conseguiu “ativar bem”. O feitiço estava de volta.

No encontro pelo bronze, Patrícia sabia “a estratégia a cumprir”. Evitar o chão era um dos requisitos fundamentais. Agressiva e ofensiva, ganhou vantagem com um waza-ari, conseguido quando ainda faltavam quase três minutos de combate.

Aí, entrou um raro momento de dúvida. “Um misto de emoções”, entre “segurar a vantagem ou tentar uma nova vantagem”. Na dúvida, seguiu a receita do dia, de uma jornada ofensiva, sem medos. “Tenho um estilo de judo ofensivo e, para mim, a melhor defesa é o ataque.”

Atacou. Teve recompensa: um ippon acabou com a contenda. O bronze, aquela medalha com um pedaço da Torre Eiffel, o monumento que olha para a arena onde foi o combate, é dela.

HUGO DELGADO/Lusa

Atleta da Sociedade Filarmónica Gualdim Pai, em Tomar, tornou-se, em Tóquio, na primeira olímpica a envergar as cores de um emblema da sua cidade. Patrícia sabe que tem de treinar fora e aproveita essas oportunidades, mas gosta “muito” de onde mora. “Tenho muito amor à camisola, muito amor ao meu clube”, conta.

Em Tomar, as pessoas do clube juntaram-se para ver esta exibição olímpica “num grande ecrã”, relata Patrícia. “Estou num ambiente pequeno e acolhedor. Sinto-me em casa e isso, para o meu sucesso, é importante. Sinto-me na minha zona de conforto”, retrata a mais recente medalhada portuguesa.

Pouco a pouco, parece que o transe de Sampaio vai passando. Dá respostas mais longas, a face de guerreira numa missão especial trocada pelo sorriso, uma felicidade rasgadíssima. A cara não mente, os olhos transformam-se, já não disparam uma mirada capaz de matar, agora são uma porta de entrada para percebermos o orgulho de quem cumpriu “um sonho”.

Mas o sonho não acaba aqui, promete e deseja Patrícia. Antes de ir receber a medalha, depois de horas que lhe mudarão a vida — agora virão as entrevistas, os contratos melhores, a atenção mediática, o rótulo eterno de “medalhada olímpica —, a judoca exprime uma vontade: “Desejo que esta lista [de medalhados portugueses no judo] seja cada vez maior. Que esteja lá o meu nome mais vezes, e também o de mais colegas. Daqui a quatro anos há mais Jogos Olímpicos e quero que ganhar uma medalha não seja uma surpresa. Temos uma equipa boa, tenho a plena confiança que poderemos ter mais medalhas e tornar isto numa constante.”

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