Jogos Olímpicos de Paris 2024

O incrível Gabriel Albuquerque ficou a um ponto do bronze, mas o futuro dos Jogos Olímpicos é dele

O incrível Gabriel Albuquerque ficou a um ponto do bronze, mas o futuro dos Jogos Olímpicos é dele
JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

O mais jovem português em Paris foi quinto classificado no trampolim individual masculino, a 1,21 pontos do terceiro lugar. É o melhor resultado de sempre para Portugal nesta modalidade, uma prestação que, obtida por quem só tem 18 anos, abre uma janela de enorme otimismo para o futuro

A final do trampolim individual masculino ainda dura e os três primeiros já festejaram. O fantástico Ivan Litvinovich, bielorrusso a competir como neutral, seria o ouro, os voadores chineses Wang Zisai e Yan Langyu ficariam, respetivamente, com a prata e o bronze, e todos começaram a celebrar antes da conclusão da prova. Mas ainda falta um ginasta.

Faltava o salto de Gabriel Albuquerque, um último salto para um adolescente de 18 anos que, consigo na competição, tinha uma estátua em miniatura da Torre Eiffel, talvez um amuleto, quiçá uma lembrança. O adolescente, tal como nas meias-finais, teve uma prestação sólida, competente, segura.

Voou alto, fez as suas acrobacias, os truques e mortais e piruetas do seu reportório, aterrou com confiança. Deu-lhe um 59.740, uma nota alta, a confirmação de uma excelente prestação para o mais novo português em Paris.

Ficou a 1,21 pontos de um pódio que seria brutal. Foi 5.º, a melhor classificação de sempre para a modalidade em Portugal, superando o 6.º de Nuno Merino em Atenas. Nuno Merino foi um dos primeiros a felicitar o jovem depois de um dia para a memória.

Com 18 anos e um percurso cheio de promessas que tem vindo a cumprir, é difícil não pensar que isto é o começo de algo, o início de uma jornada de glória. 2028 é mesmo ao virar da esquina, Los Angeles não está assim tão longe. E, lá, Gabriel poderá voar ainda mais alto.

Vendo de perto todo o esquema de Gabriel, acompanhando-o durante todo este dia mágico para um adolescente, estava João Pedro Monteiro, o seu treinador de longa data. Certo dia, quando Albuquerque tinha 11 anos e vivia em Almada, o técnico teve uma proposta para ir treinar para o Algarve. Como a mãe do lisboeta trabalha em tradução e pode exercer a sua atividade profissional à distância, o então pré-adolescente mudou de vida, seguindo João Pedro Monteiro, indo atrás de um sonho.

Foi para Loulé, onde ainda é ginasta da Associação de Pais e Amigos da Ginástica de Loulé, mais um tributo — depois do de Patrícia Sampaio — aos pequenos clubes, às pequenas entidades, aos emblemas que, um pouco por todo o território, mantêm a chama do desporto acessa. Quando Gabriel foi para Loulé, não conhecia ninguém, era uma criança deslocada. Só sabia que havia trampolins e um treinador em que ele acreditava e que acreditava nela.

Exatamente o mesmo que, no essencial, está aqui, em Paris.

Só passaram sete anos daquela mudança. Pouco temo, mas o suficiente para a criança ganhar toda a série de medalhas nos escalões jovens e, entre os mais crescidos, consolidar-se como uma certeza. Se dúvidas houvesse do nível da ginástica de trampolins em Portugal, se alguém muito distraído não tivesse reparado que, nos Europeus de Guimarães, houve 11 medalhas com o carimbo nacional, incluindo o ouro de Pedro Ferreira no trampolim individual, aqui está o selo definitivo dessa qualidade.

Pouco a pouco, o ambiente na Bercy Arena foi aquecendo. Havia bandeiras de Portugal, muitas bandeiras de Portugal. Gabriel tê-las-á visto enquanto caminhava lentamente à espera de competir, sempre, mas sempre, de phones nos ouvidos. Dizem que ele era um menino reguila, irrequieto, que precisava de estar sempre a mexer-se, a fazer desporto. Mas, enquanto aguardava pela competição, este era um adolescente que transmitia uma imagem gélida.

JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

Mesmo antes de Gabriel saltar, ficou evidente que as medalhas ainda estariam a alguns pulos de distância. O campeão olímpico, Ivan Litvinovich, que compete como neutral, é de um talento brutal, hipnotiza vê-lo. Talvez, um dia, Gabriel chegue lá.

Para já, fica mais um diploma para Portugal, uma prestação de glória, um quinto lugar que não saberá a medalha, mas indica esse caminho. Quando acabou, Gabriel uniu-se num abraço ao seu treinador.

Só o adolescente e João Pedro Monteiro saberão o que passaram juntos, como foi aquela mudança para Loulé, como é competir entre os melhores tendo 18 anos. Se o presente de Gabriel Albuquerque foi uma tarde de alto nível em Paris, o futuro está destinado a feitos ainda mais históricos.

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