Jogos Olímpicos de Paris 2024

“Sei que estou ao nível daqueles gajos”: a espontaneidade de Gabriel Albuquerque, que, se não fosse ginasta, era “rapper”

“Sei que estou ao nível daqueles gajos”: a espontaneidade de Gabriel Albuquerque, que, se não fosse ginasta, era “rapper”
JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

Depois de terminar a prova que lhe deu um histórico 5.º lugar no trampolim, o jovem de 18 anos passou por Nuno Merino, anterior recordista português, deu-lhe “uma palmadinha” e disse “já foste”. Leve e descontraído, Gabriel aprendeu “a desfrutar” durante estes Jogos, durante os quais aproveitou para praticar a sua outra paixão: “Nos autocarros para os treinos, estou sempre a escrever letras”

Não tinham passado 15 minutos após a final de trampolim individual masculino. Gabriel Albuquerque, de 18 anos, o mais novo integrante da comitiva nacional em Paris 2024, acabara de fazer história, tornando-se o melhor português de sempre na modalidade, com um 5.º lugar que se torna, desde já, um dos pontos altos desta participação.

Gabriel andou a voar com os melhores, roçou mesmo a hipótese da medalha. Mas, quando passa pela zona mista, fala de forma solta, desprendida, sem amarras. Fala como um miúdo de 18 anos, sem qualquer filtro, defesa ou preocupação.

Ainda fresco das emoções da competição, o lisboeta destaca uma “sensação incrível”, a felicidade de “agarrar um recorde na primeira prova olímpica”. No entanto, há qualquer coisa de insatisfação na postura e na voz. Não é tristeza, ele sorri, mas ele sabe que é “ainda melhor do que isto”.

“Soube-me a pouco. Sou muito ambicioso e gosto de sonhar. Sabe-me a pouco, mas sinto-me muito satisfeito”, confessa o adolescente.

O já melhor de sempre nos trampolins portugueses nuns Jogos Olímpicos fez 59.740 pontos na final. O 4.º, o britânico Zak Perzamanos, ficou muito perto, com 59.840 pontos. No lugar mais baixo do pódio ficou o chinês Yan Langyu (60.950), a prata foi para o também chinês Wang Zisai (61.890), o ouro pertenceu ao intocável bielorrusso, que compete como neutral, Ivan Litvinovich (63.090).


MOHAMMED BADRA

O ginasta português já sabia que Ivan “era capaz de fazer aquela nota”. Não ficou intimidado pela maestria do adversário, diz. E, na sua leveza, na sua espontaneidade, confessa: “Posso parecer convencido, mas eu sei das minhas capacidades e que estou ao nível daqueles gajos. Eles foram melhores que eu, é tudo”, atira, antes de prosseguir: “Por agora, se calhar não conseguia superar a nota dele. Daqui a uns aninhos um gajo vai continuar a trabalhar e ninguém sabe o que vai acontecer nos próximos [Jogos]”.

O fim de tarde foi, para o adolescente, um exercício de espera. Logo ele, que admite ser “irrequieto”, que não consegue “estar parado”. Nas meias-finais, foi o último a fazer-se ao trampolim, numa prolongada espera, de quase uma hora, na final também ficou para último do grupo de oito.

Ainda assim, aquela espera foi treinada. Nos treinos na antecâmara para os Jogos, revela, fazia alguns exercícios e, depois, “esperava um tempo para depois voltar a saltar”. Com esta preparação mental e física, Gabriel acha que conseguiu “lidar muito bem com as emoções”. “Às vezes um gajo deixa-se levar e é difícil fazer a série bem executada. Não foi o caso”, opina, sempre sem filtros.

O exercício no trampolim é muito curto, apenas alguns segundos. Os ginastas, depois de muito esperar, fazem-se ao aparelho e têm de, entre salto e salto, fazer manobras de dificuldade variável, as quais são pontuadas.

Quando foi saltar na final, já sabendo o que os outros haviam feito, Albuquerque pensou num esquema “difícil” para “ir atrás da medalha”. Queria fazer uma série “mais complicada” do que o apresentado até ali. Mas, a meio, sentiu-se “à rasca” e teve de mudar o plano: “Tive de agarrar-me à série mais simples para acabar a série, caso contrário não ia dar. Decidi isso naqueles milésimos de segundo em que estamos no ar”.

Gabriel Albuquerque e o seu treinador, João Pedro Monteiro
JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

Quando terminou o derradeiro exercício, o adolescente esbarrou com Nuno Merino, que o estava a acompanhar na prova. O ex-ginasta era, até agora, detentor do melhor resultado de sempre, com um 6.º lugar em Atenas 2004. Ao passar por ele, Gabriel Albuquerque foi Gabriel Albuquerque: “Saí do trampolim, dei-lhe uma palmadinha e disse: ‘Já foste’”.

Além do cumprimento com Merino, houve outra saudação especial. Ao sair do trampolim, o ginasta abraçou João Pedro Monteiro, seu treinador de sempre, que o acompanha desde que tem “4 ou 5 anos”.

“É especial estar com ele ao lado nuns Jogos, a prova máxima. Não podia escolher uma pessoa melhor”, atirou.

Certo dia, numa feira no Seixal, o menino Gabriel Albuquerque viu trampolins e quis experimentar. A paixão ficou, a ligação com João Pedro Monteiro foi-se mantendo, continuando em Loulé depois de começar em Almada. Em 2023, nos Mundiais, o jovem foi 4.º, dando azo às expetativas para Paris que, agora, se cumpriram.

Se não fosse aquela feira, se não fossem os trampolins, se não fosse ginasta, o que seria Gabriel Albuquerque: “Ia ser rapper”.

JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

A música é, mesmo, a outra grande paixão de Gabriel Albuquerque. Durante toda a prova, está sempre de phones, ouvindo “rap mesmo underground, mesmo agressivo”, revela quem também gosta de escrever umas letras.

Nos autocarros para os treinos, estou sempre a escrever letras. Vem aí um álbum inteiro, com um amigo meu, já estamos a trabalhar nisso”, conta Gabi, antes de assegurar que estava “a brincar” e que não vai “lançar nada”, guardando tudo para si porque não gosta de se “ouvir a cantar”.

O ginasta aproveitou, ainda, para dar “muitos parabéns à Filipa [Martins]” por um feito “enorme e histórico”. É, talvez, o único momento mais de diplomata de Gabriel Albuquerque, mais seguindo o padrão, mais formatado. Tudo o resto são minutos de um miúdo solto, que se acabou de divertir.

Que acabou de desfrutar. “Desfrutar”. Quando questionado sobre qual a maior aprendizagem que leva de Paris 2024, talvez já a olhar para LA 2028, é esse o verbo que utiliza, até porque “houve fases” em que não estava a “desfrutar dos momentos” que passava no trampolim, ao contrário do que sucedeu agora, dia em que “não poderia ter desfrutado mais”.

E agora? E agora, depois do quinto lugar, depois de uma tarde em que terá, definitivamente, saltado para outro plano mediático, antes de um ciclo olímpico que terá nele uma das maiores apostas? Não lhe falem de competir: “Agora vou desfrutar, só quero estar na minha, tranquilo. O que vou fazer no resto dos Jogos? É o que me passar na cabeça. Primeiro vou ver a minha mãe, depois não sei”. E lá foi ver a mãe, tranquilo, leve, como se ainda fosse aquele homem que voava pelo alto de Bercy.

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