Salta, Simone, salta e sorri até ao ouro: Biles engrandece a sua lenda com a terceira medalha em Paris
LIONEL BONAVENTURE
Sempre com um sorriso no rosto, de novo a mostrar, ela e as outras ginastas, como é possível competir, rivalizar e dar o melhor com uma saudável empatia pelo meio, Simone Biles conquistou a terceira medalha de ouro em Paris (a sétima da sua carreira), pulverizando a final da prova do salto da ginástica artística. A brasileira Rebeca Andrade ficou com a prata e o bronze foi para a norte-americana Jade Carey
Simone Biles não é a única ginasta que volvida com os pés à terra, digeridas as suas piruetas e cambalhotas e rotações pela gravidade que a devolve ao chão, rasga um tremendo sorriso quando toca na segurança do colchão após uma ziguezagueante tentativa na final da prova do salto, em Paris, na barulhenta Arena Champ-des-Mars onde se decidem as medalhas de um dos aparelhos da ginástica artística.
Naturalmente, os decibéis aquecem o pavilhão de ruído quando é a vez da lendária americana, até quando o fenómeno de popularidade está simplesmente a treinar pequenos saltos de aquecimento para os músculos escaldarem um pouco para o que aí vem.
E ela, genuína, serena e em paz com todo o cenário, liga as orelhas uma à outra com um contagiante sorriso mal aterra nas duas vezes em que ataca a mesa. Biles completa o ramalhate do seu impressionante com essa atitude, com a sua postura irradiante: claro que o Yurchenko duplo encarpado do seu primeiro salto (15.700) e o Cheng do segundo (14.900) são extraordinariamente impecáveis por acontecerem naquelas altitudes da atmosfera da norte-americana, só dela, lá bem no alto que a sua lenda alcança, mas, quando os aterra, a pequena Simone rasga o seu enorme sorriso muito antes de saber das pontuações.
Naomi Baker
Naomi Baker
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A felicidade que a campeoníssima ginasta estampa na cara surge bastante antes também de se aperceber do somatório dos seus saltos (15.300) e ainda mais de que tal lhe bastaria para levar a sua terceira medalha de ouro destes Jogos, a sétima no total da sua história olímpica. A boa-disposição emanada por Simone Biles, visivelmente nervosa e tensa antes dos saltos, claro, mas livre e leve em todo aquele ambiente de tensão com medalhas em disputa, é um flagrante exemplo de saudável de uma das melhores atletas da história que ainda há dias dizia ter feito uma sessão de terapia na manhã em que conquistou o ouro anterior, na prova de all-around, sem papas na língua nem nas vergonhas.
E saudável foram os abraços, sorrisos e felicidade nas outras caras e entre essas mesmas caras, como a da canadiana Ellie Black a confortar várias ginastas após saltos menos incríveis, porque ali tudo é majestoso, ou a de Rebeca Andrade (14.966) a bater palmas, toda contente, a ir ao encontro da hesitante Jade Carey, norte-americana a lidar com os seus demónios nestes Jogos e a superá-los nesta prova de salto em que o bronze (14.466) lhe recompensou a resiliência. Os ares mais respiráveis e frescos da ginástica artística feminina, a dar saltos mortais e à retaguarda e piruetas-mil a mostrar exemplarmente que há espaço de sobra para a empatia enquanto adversárias competem com tudo o que têm.
Competir contra Simone Biles será outro exercício, uma história a ter que ser contada com o devido contexto, enquadrada na grandiosidade de uma ginasta que aos 27 anos regressou mais forte, mais exemplo, mais sorridente, dos demónios que a cercaram durante a pandemia e em Tóquio, nos anteriores Jogos em que priorizou a sua saúde mental numa postura em que tantos infelizes viram, com palas nos olhos e nas mentalidades, uma desistente, ou “quitter”.
Pascal Le Segretain
A lenda, vitoriosa na prova do salto após o ser no all-around, onde acabou a exibir um colar com um bode, não quer saber: “Diverti-me muito, estou muito contente, não podia estar mais orgulhosa de mim pelo trabalho que fiz até chegar a este ponto. Adoro que as atletas me empurrem para dar o meu melhor, que todas façamos isto pelas outras e a darmos o nosso melhor, é sempre muito entusiasmante, especialmente com as amizades que construímos ao longo dos anos”. Todas as semanas trabalho na minha saúde mental e vou continuar a fazê-lo quando voltar para casa”, disse, já com este novo ouro ao pescoço, a GOAT da ginástica.
Cada vez mais, Simone dá saltos e mais saltos rumo a esse cognome ser extensível ao desporto no geral, não só à modalidade a que dedica os seus sorrisos.