Jogos Olímpicos de Paris 2024

A glória de Iuri Leitão não tem travões: português conquista medalha de prata no ciclismo de pista nos Jogos Olímpicos

A glória de Iuri Leitão não tem travões: português conquista medalha de prata no ciclismo de pista nos Jogos Olímpicos
Tim de Waele

No Omnium, competição dividida em quatro frenéticas provas, o vianense foi o segundo melhor, conseguindo a segunda medalha para Portugal em Paris. Num fim de tarde fantástico no velódromo, o ciclista logrou a 30.ª subida ao pódio da história olímpica nacional

Correr em bicicletas sem travões nem mudanças exige muita loucura e perícia. Andar aos encostos e empurrões num velódromo, em sprints constantes, requer perícia e audácia. Participar em quatro provas diferentes no espaço de pouco mais de duas horas obriga a ser tremendamente completo e resistente.

Iuri Leitão é isto tudo. No quente velódromo em Saint-Quentin-en-Yvelines, nos arredores de Paris, o português foi isto tudo, numa exibição para a posteridade em cima destas peculiares bicicletas.

O vianense veio humilde para Paris, colocando a obtenção do diploma como o objetivo a atingir. Nada dessa prudência se viu no velódromo, com um ciclismo ambicioso e corajoso. O resultado? A medalha de prata no Omnium, a mais completa competição do ciclismo de pista.

Depois de Patrícia Sampaio, bronze no judo, Portugal volta a subir ao pódio em Paris. É a 30.ª medalha da história olímpica nacional, a segunda nas duas rodas não motorizadas depois da prata de Sérgio Paulinho em Atenas 2004, ainda que, nesse caso, na estrada, não na pista. Agora, foi a vez de não travar, de não ter a opção de meter uma mudança diferente. Foi, simplesmente, correr rumo à glória.

O final, na corrida por pontos que fechou o Omnium, houve uma disputa épica, apoteótica, num pavilhão eufórico, torcendo pelo francês Benjamin Thomas. O gaulês caiu, mas, mesmo assim, conseguiu o ouro. Leitão mostrou a sua veia mais autoritária, chegando-se a sonhar com o ouro, o primeiro ouro da história de Portugal fora do atletismo, mas o resultado final foi uma prata que premeia este craque de Viana do Castelo.

MARTIN DIVISEK/Lusa

O Omniun começa com o scratch, a parte mais simples da competição: dão-se 40 voltas à pista (10 quilómetros) e o objetivo é ser o primeiro a cruzar à meta. Iuri Leitão é o campeão europeu da especialidade, mas foram outros corredores a apresentarem um rendimento mais forte.

Logo desde o arranque, Benjamin Thomas, francês muito apoiado pelo ruidoso público da casa, fez jus às suas qualidades como contra-relogista. O gaulês que, na estrada, foi capaz de ganhar uma etapa no Giro deste ano, foi a roda escolhida por Iuri durante as voltas iniciais, mas o português não conseguiu acompanhar uma aceleração de Thomas nos derradeiros quilómetros.

O homem da casa só foi seguido pelo dinamarquês Niklas Larsen, pelo belga Fabio van den Bossche e pelo neerlandês Jan Willem van Schip, com Thomas a vencer o sprint pelos 40 pontos da vitória. Iuri Leitão, que até tentou a primeira fuga no scratch, mas depois passou a maior parte dos 10 quilómetros conservando forças, terminou esta corrida inaugural na 7.ª posição.

Entre provas, o vianense tenta descansar. No meio do velódromo há uma zona dividida em pequenos compartimentos, cada um com uma bandeira do respetivo país colocada, como se fosse um acampamento num festival de verão. Leitão vai para lá, senta-se, come e hidrata-se, fala um pouco com os seus técnicos.

Há aqui também um jogo mental. O Omnium carece tanto de força física como de psicológica e isso fica evidente nestas pequenas pausas, com tempo para matutar sobre os erros, sobre os acertos, para olhar para a cara dos adversários, para pensar e repensar estratégias, para escolher um caminho, arrepender-se e voltar atrás. Há muita conta de pontuação a realizar e esse jogo de calculadora também se pratica nestes intervalos.

Passados 30 minutos do scratch, chega a tempo race.

Também com 10 quilómetros de duração, há uns frenéticos 36 sprints consecutivos, só pontuando o primeiro a cruzar a meta em cada um deles, existindo um importantíssimo fator adicional: dar uma volta de avanço vale 20 pontos.

O português começou afirmativo, logo com três pontos nas três voltas iniciais. Após um ataque do belga Fabio van den Bossche, capaz de dar uma pista de avanço à concorrência, Iuri partiu para uma ofensiva entusiasmante, primeiro ganhando cinco pontos em sprints e depois, na sequência de alguma insistência, dando uma volta de avanço, o ouro mais procurado nesta prova.

Leitão foi o segundo melhor da tempo race, com 28 pontos, atrás de Fabio van den Bossche (31 pontos). Na geral desta luta que afere o quão completos são os corredores da pista, o português era, a meio do Omnium, 3.º, com 66 pontos, dois atrás de Larsen. O líder era Van den Bossche, craque já com diversas medalhas em Europeus e Mundiais, com 76 pontos.

Seguia-se, talvez, o mais brutal dos esforços, a corrida de eliminação.

O salve-se quem puder do velódromo, em que de duas em duas voltas o último é eliminado. É um cenário caótico, de sprints e nervos, caos e photo finish, encostos e quase quedas.

JOHN MACDOUGALL/Getty

Iuri teve, nesta prova, quatro fases. A primeira foi tranquila, gerindo a corrida a meio do grupo. Depois, neste equilíbrio entre não gastar muitas energias, mas também não se expor a ser eliminado, andou algumas voltas como líder, antes de uma mão-cheia de sprints em que pareceu homenagear João Almeida, com fantásticas recuperações, estando na cauda do grupo e conseguindo, na ponta final, driblar a exclusão.

A quarta fase foi a mais dolorosa. Após um momento mais confuso, em que houve indicação de que o francês Thomas fora eliminado, mas na verdade foi o colombiano Gaviria a sair, Iuri Leitão pareceu não ter ouvido o sino que indica a volta em que se dará uma eliminação. Estava mal posicionado, demasiado descontraído, passou a meta em último. Protestou, abriu os braços em desacordo, mas a decisão estava tomada, sendo o vianense o 7.º melhor num momento vencido pelo britânico Ethan Hayter.

À entrada para a última prova, Iuri Leitão seguia em 3.º, com 94 pontos, os mesmos que o alemão Tim Tor Teutenberg. À sua frente tinha Benjamin Thomas (98) e Van den Bossche (106). Sentia-se a tensão no ar do velódromo. Tudo seria decidido na corrida por pontos: 25 quilómetros, de longe a maior das distâncias do Omnium, em que se distribuem pontos aos quarto primeiros a cada dez voltas, havendo, também, a regra das voltas de avanço.

A conclusão da competição foi épica. Iuri Leitão, no momento decisivo de toda a tarde, anulou uma fuga perigosa, mostrando estar com uma força sobre-humana. Na sequência, ganhou vários sprints seguidos e praticamente garantiu o pódio. A ambição começava a olhar para o ouro.

Leitão tentou tirar Thomas do seu trono. O francês ainda caiu, quase matando de susto o velódromo, mas o dia era dele. Voltou à bicicleta e ainda brilhou no último sprint.

Para Iuri, a glória está conquistada. Uma prata fantástica, um prémio para o trabalho do Velódromo Nacional de Sangalhos nos últimos 15 anos, a prova que, quando há aposta estruturada, colhem-se frutos. Mesmo sem travões nem mudanças, nesta louca e frenética competição.

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