Jogos Olímpicos de Paris 2024

À 61.ª vitória consecutiva, a outra Dream Team dos Estados Unidos fez história entre o florescer da ‘belle époque’ do basquetebol francês

À 61.ª vitória consecutiva, a outra Dream Team dos Estados Unidos fez história entre o florescer da ‘belle époque’ do basquetebol francês
Gregory Shamus

Não há jogos ganhos à partida e a França fez-se valer dessa máxima, obrigando os Estados Unidos a sofrer para conquistar o título olímpico no basquetebol feminino (67-66). É a oitava medalha de ouro consecutiva da seleção norte-americana que não perde um encontro em Jogos Olímpicos desde 1992

Tirando uma ou duas peças e acrescentando outras tantas, a Dream Team que os Estados Unidos levaram até Paris para disputar o torneio de basquetebol feminino tinha margem para albergar um pouco mais de talento. Aquele a que recorreram chegou e sobrou para alcançarem a medalha de ouro. Só que do mesmo país veio outra excursão empenhada em conseguir o título olímpico na vertente feminina. Na outra grupeta, vinha igualmente um carregamento do melhor que há na prática profissional de atirar objetos para dentro de um recipiente. Neste caso, ainda que pudessem ser sugeridos outros nomes para integrar a convocatória, é difícil imaginar que num roster de 12 jogadoras fosse possível absorver mais capacidade para jogar basquetebol.

Seria, portanto, um berbicacho tão grande ou maior que o “The Star-Spangled Banner” não tocasse também na cerimónia do pódio do basquetebol feminino. Mas toda a gente tem dias maus. Os geniais conseguem reduzi-los ao mínimo e, por isso, só pode ter sido ajuda dos astros que uma tarde desinspirada dos Estados Unidos tenha coincidido com o dia da final contra a França.

A escassos segundos do fim, quando nas previsões mais otimistas as norte-americanas já estariam com o ouro a brilhar-lhes no peito, o jogo estava à distância de três pontos. A bola caiu nas mãos da francesa Gabby Williams. Estava marcada e a atenção tinha-lhe fugido do corpo perante a improbabilidade de ser o alvo daquele passe. Marine Johannes transmitiu-lhe a batata quente. É a comparação perfeita. Num momento de pressão máxima, as mãos escaldam na iminência de terem que fazer alguma coisa que ajude a decidir o encontro. Gabby Williams agarrou a bola e atirou um desconchavado lançamento. A postura desequilibrada com que o fez era um mau prenúncio para o sucesso do mesmo. A esperança tinha caído por terra.

O tiro pouco ergonómico entrou. Um jogo que França julgava perdido podia afinal estar empatado, o que significava levar os poderosos Estados Unidos a fazerem horas extra no prolongamento. Era óbvio que Gabby Williams não tinha visto onde tinha posto os pés. Os franceses queriam também não ter visto. Afinal, a jogadora tinha calcado a linha de três pontos, o que significa que o sucesso do arremesso receberia apenas dois pontos de troco. Os Estados Unidos ganharam por uma margem do tamanho da palma do seu pé.

ARIS MESSINIS

Derrotando a França na final dos Jogos Olímpicos (67-66), as norte-americanas alcançaram um registo histórico. Este é o oitavo título olímpico consecutivo, o que significa o bater de um recorde de mais medalhas de ouro consecutivas na modalidade. A fasquia anterior tinha sido fixada entre 1936-68 quando, no masculino, os Estados Unidos venceram sete vezes seguidas a competição.

O triunfo contra as gaulesas foi o 61.º seguido da equipa agora liderada por Cheryl Reeve. O mesmo é dizer que a última vez que a equipa feminina dos Estados Unidos perdeu em Jogos Olímpicos foi em Barcelona 1992. Naturalmente, nenhuma jogadora percorreu na totalidade a estrada de glória que se mantém até aos dias de hoje. Nem Diana Taurasi, a mais veterana, o fez. Por sua conta, a jogadora das Phoenix Mercury tem agora seis medalhas de ouro, uma marca que ainda nenhum basquetebolista, homem ou mulher, tinha conseguido até agora.

França vive uma belle époque basquetebolística. O país disputou a final masculina contra os Estados Unidos (que perdeu por 98-87). Os primeiros jogadores a serem escolhidos nos últimos dois Drafts da NBA são gauleses. E mais: a seleção feminina também conseguiu atingir o jogo de atribuição da medalha de ouro. No entanto, quando tenta pisar a potência, ela devolve o gesto com a picada de um espinho. É esse o retrato da final.

Cheryl Reeve colocou Jackie Young no cinco inicial para, na frescura das suas transições, correr no campo após ressalto defensivo. Não era só ela a jogadora designada para disparar no campo. Sem capacidade para montar um radar de velocidade às jogadoras dos Estados Unidos, a França enviou as adversárias para a linha de lance livre com uma frequência exagerada. Ao mesmo tempo, as gaulesas não tinham um encaixe defensivo ideal para conseguir conter o jogo interior americano. Bem nas profundezas da área pintada, A'ja Wilson e Brittney Griner dominavam.

PAUL ELLIS

Marine Johannes, eterna responsável por ser a primeira jogadora a vir do banco, e Gabby Williams eram as duas únicas jogadoras com pontos no final do primeiro quarto na seleção francesa. Era a confirmação das esperanças que estavam colocadas na dupla para ser o abono ofensivo das anfitriãs.

A maneira que a França encontrou para equilibrar o jogo foi pressionar a bola mais cedo no ataque dos Estados Unidos. Quando Marine Fauthoux salvou um ataque com um triplo quase desde a Torre Eiffel, a queimar os 24 segundos, a tendência do encontro tinha mudado.

O empate (25-25) ao intervalo era um cenário inesperado. Depois da Austrália ter segurado o bronze, era expectável que, com 20 minutos de jogo, os Estados Unidos também já tivessem praticamente o ouro a pender-lhes no pescoço. A França queria contrariar essa arrogância e continuava a fazê-lo com um parcial de 10-0 a abrir a segunda parte para o qual muito contribuiu a subvalorização das norte-americanas à capacidade de lançamento de Valeriane Ayayi.

Os Estados Unidos acabariam por conseguir recuperar o comando da partida, mas sem que a França entregasse o jogo antes dele terminar. Continuava a sobressair a atitude guerrilheira de A'ja Wilson (13 ressaltos) e Napheesa Collier (11 ressaltos) na luta das tabelas. Era aí que as comandadas de Jean-Aimé Toupane podiam ter encurtado diferenças. Além disso, a quantidade de faltas foi um problema nunca resolvido (os Estados Unidos realizaram 34 lances livres, mais 21 do que a França).

Curiosamente, a rotação de Cheryl Reeve foi mais curta do que a de Jean-Aimé Toupane. Sabrina Ionescu só entrou, e com impacto, no terceiro período. Diana Taurasi nem sequer foi a jogo, contrastando com a altura em que era imprescindível.

Gregory Shamus

Uma coincidência interessante: há 20 anos, Diana Taurasi tinha menos 20 anos. Era uma jovem a iniciar a carreira na WNBA. Foi considerada rookie do ano nessa época e os evidentes rasgos de qualidade fizeram-na integrar de imediato a equipa olímpica. Estava nesta vida há apenas 22 verões e aquele, passado em Atenas, seria um dos mais especiais.

Em 2004, Diana Taurasi não era a mesma jogadora que é hoje. Faltavam-lhe os três títulos que tem na WNBA, as 11 seleções para o jogo All-Star, os dois prémios de MVP das finais da liga norte-americana, as 10 presenças na melhor equipa da temporada, as seis EuroLigas (a Champions do basquetebol). Foi em Atenas, na visita que os Jogos Olímpicos fizeram ao condomínio dos deuses, que as figuras míticas começaram a vislumbrar os surgimentos de uma homóloga.

Europa Press Sports

Aos 42 anos, Diana Taurasi tornou-se na primeira mulher a participar em seis Jogos Olímpicos. Porém, os Estados Unidos montaram uma equipa que não servia apenas para transportar o palanquim. As melhores das melhores comprometeram-se em estar com a seleção dos Estados Unidos em Paris. De qualquer modo, não seria difícil convencer alguém a candidatar-se a fazer história. Por muito boas que sejam, esse conjunto de jogadoras leva dos Jogos Olímpicos uma lição: nunca se é demasiado bom para se abdicar de lutar.

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