Ela errou, fez caretas, esgares de insatisfação, mas até uma Simone Biles assim-assim dá para ir a todas as finais
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Em dia de qualificação da ginástica, a norte-americana, provavelmente a grande estrela destes Jogos Olímpicos de Tóquio, errou onde não costuma errar, revirou os olhos, bufou. Mas é tão superior aos comuns mortais que mesmo assim se qualificou para todas as finais. São seis medalhas que estão ao alcance de Biles, que só precisa de quatro para se tornar na ginasta mais medalhada da história
Quando é que um atleta se torna maior que o seu próprio desporto? Talvez quando começamos a pedir que esse desporto se adapte aos erros desse alguém. Quando no exercício de solo das qualificações da ginástica artística Simone Biles fez-se à aterragem em Lisboa, mas só parou em Faro, que é como quem diz que deu uns belos passos fora do tapete, a internet uniu-se para clamar que o problema, deus nos livre, não estava na ginasta norte-americana.
O tapete é que é demasiado pequeno para todo aquele talento.
Talvez seja. Talvez nunca ninguém tenha atacado o solo com tanta força, tanto power, tanta convicção e por isso talvez os limites atuais da ginástica estejam desatualizados para Biles, talvez as arenas precisem de tetos mais altos, os tapetes tenham de ter mais área.
Ou então temos apenas de assumir que Biles também é humana, também tem dias assim-assim, também falha. Este domingo, a norte-americana que pode em Tóquio tornar-se na ginasta mais medalhada da história ("bastam" quatro medalhas), cometeu alguns erros incaracterísticos nos aparelhos onde é mais forte (solo e salto), tremeu a sair da trave, apenas cumpriu nas paralelas assimétricas, encolheu os ombros, fez caretas a cada erro, bufou, revirou os olhos, mas é tão superior que mesmo assim se qualificou para a final por equipas, do all-around e dos quatro aparelhos.
A possibilidade de sair dos Jogos Olímpicos de 2020 com seis medalhas é, por isso, real.
No solo, o erro valeu à norte-americana 0,3 pontos de penalização, coisa que pouco mexeu com a nota final quando ela voa tão mais alto que as adversárias, quando ela faz piruetas onde o ar já é rarefeito. Mal colocou os pés fora do praticável, fez aquele ar de “não há-de ser nada” e seguiu. Beijinho grande para as câmaras e vamos para o próximo. A nota de dificuldade do exercício era tal que Biles, apesar da aterragem atabalhoada, terminou em 2.º na qualificação, apenas atrás da italiana Vanessa Ferrari.
Simone not impressed
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No salto, um primeiro exercício de maior dificuldade acabou com Biles a aterrar com um pé fora. Aí as imagens no ecrã gigante foram menos graciosas: Biles de cara tensa, com um esgar de insatisfação. Mas o segundo salto foi praticamente perfeito e ainda que de dificuldade baixa para uma atleta como Biles, qualificou a norte-americana em primeiro.
Já na trave, onde no Rio foi bronze, a saída só se controlou com vários passos a mais - passou em 6.º. Nas paralelas assimétricas, o exercício em que é menos boa - e a expressão aqui é mesmo “menos boa” -, foi onde a qualificação foi mais apertada, com a atleta de 24 anos a beneficiar da regra que apura apenas duas ginastas de cada país para se intrometer na final.
O dia assim-assim de Simone Biles como que contaminou toda a equipa norte-americana, a grande dominadora da modalidade na última década. Terminou a qualificação em 2.º, atrás das atletas do Comité Olímpico da Rússia. A final por equipas disputa-se na terça-feira, o all-around feminino na quinta-feira e as finais de aparelhos na próxima semana.
E longe da perfeição, Simone Biles continua no caminho da história.