“Tinha seis dedos em cada pé e achava que era a coisa mais cool do mundo.”
A fotografia foi tirada a preto e branco. Oksana Masters fitava a objetiva num registo intenso, implacável, bruto. Deixara de existir inocência nos olhos desobstruídos pela franja bem aparada. Os lábios, aos quais parecia ter sido negado o direito a sorrir, desenhavam uma linha reta. As sobrancelhas estavam contraídas. Era com um dócil vestido salpicado de corações e com um laço atado numa latitude ligeiramente acima da cintura que a figura insensível se vestia.
Foi através daquela imagem que Gay Masters soube que queria adotar a criança que nela se apresentava, resgatando-a de um orfanato ucraniano. Foi a quem viu algo para lá do seu aspeto que Oksana mais agradeceu, décadas mais tarde, em 2020, quando ganhou o prémio Laureus atribuído à melhor atleta com deficiência. “Muito obrigado à pessoa número um de toda a minha vida. Mãe, obrigado por estares aqui. Obrigado por me salvares e me dares uma segunda oportunidade.”
Na mesma fotografia em que Gay Masters viu a cara séria de Oksana e a aperaltada indumentária também estavam as pernas torcidas e as mãos enrugadas com dedos de um tamanho desproporcional para a idade. Oksana nasceu em 1989, três anos depois do desastre nuclear de Chernobyl e coube-lhe herdar os efeitos da radiação.
Nos Jogos Paralímpicos 2024 vai representar os Estados Unidos no ciclismo com uma tatuagem de uma rosa a desfalecer – metade vermelha, metade preta e branca –, que toca na cicatriz ao fundo da barriga. Picotada junto da flor está a legenda: “Uma rosa ainda é e vai ser sempre uma rosa.” De próteses cruzadas, Oksana explicou numa entrevista ao programa “In Depth”, do jornalista Graham Bensinger, que eternizar o desenho na pele foi uma forma de “rescrever” a sua história de vida. Por muito que o seu corpo esteja “manchado”, ainda se considera “merecedora” de se “sentir amada e bonita”.
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