De origens ancestrais, com fita rebobinada aos tempos greco-romanos, o boccia é uma modalidade relativamente simples nas suas regras: na sua vertente de duelo, cada jogador dispõe de seis bolas da sua própria cor e usam-nas, à vez, para tentarem ser quem fica com a sua propriedade redonda mais perto da bola branca. Lançada a meia dúzia de tentativas a que os atletas têm direito, ganha quem ficar com as bolas mais perto da ‘jack’, nome de batismo do alvo, que darão mais pontos.
Portugal não é estranho ao boccia, nem tão pouco o é André Ramos.
Desde 1984, quando Los Angeles acolheu a sua entrada no programa paralímpico, o país colecionou 26 medalhas na modalidade que não é a predileta em subidas ao pódio (o atletismo supera-a, com 54 pódios), mas acolhe um hábito já enraizado: em dez edições dos Jogos Paralímpicos, os portugueses só não regressaram com medalhas de Tóquio, no Japão, onde André se estreou nas andanças de competir contra os melhores. E foi o melhor, com um 4.º lugar na vertente individual.
Com 27 anos e a praticar boccia desde os 13, qualificou-se para estar em Paris na categoria BC1, reservada aos atletas que podem receber assistência em certos momentos da competição. No caso de André Ramos, que vive com paralisia cerebral, quem o auxilia é Sara Coelho. Foi ela quem o ajudou na cadeira de rodas, colocou a bola mesmo diante do seu pé esquerdo e depois celebrou com o contágio de felicidade que lhe chegou quando o atleta natural de Setúbal confirmou, este sábado, uma reviravolta com detalhes épicos na prova individual paralímpica.
André Ramos perdia por 0-6 no play-off de acesso aos quartos de final, o chinês John Loung parecia confortavelmente a dominar o desafio, mas, perante tal desvantagem, o mira canhota do português reagiu com um embalo que lhe daria a vitória por 7-6 a quem se ocupa como técnico de informática quando não está a atarefar-se para ser melhor no boccia. André treina diariamente, vai ao ginásio, tem uma sapatilha esquerda especialmente desenhada para ele porque é dos poucos, a nível mundial, que lança as bolas com usando um membro inferior - os atletas podem recorrer aos braços, às pernas ou a dispositivos auxilias, como capacetes com ponteiros.
Com a sua mestria, o português que em criança praticou natação e ainda experimentou a equitação antes de ser conquistado pelo boccia é o quarto do ranking internacional, logo um dos melhores do mundo, e irá defrontar, no domingo (9h30, RTP2), o sul-coreano Sungjoon Jung, 10.º da hierarquia, com o embalo motivacional desta recuperação.
Se alguém duvidar, basta focar na postura eufórica estampada no corpo de André Ramos ao celebrar a vitória. Ele vai em perseguição de acrescentar mais feitos aos que já colecionou, como o ouro nos Europeus de 2021 ou o bronze nos Mundiais de 2022.
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