Margarida Lapa era escultural, quase imóvel, nem fixando o olhar na sua mão encostada no gatilho era percetível o mais ligeiro dos movimentos. A exigir concentração budista, a prova do tiro a 10 metros SH2 (atletas com comprometimento num ou nos dois membros superiores, que os impossibilita de suportar todo o peso da espingarda, podendo utilizar um suporte) requer um estoico esforço dos atletas, qualquer desvio milimétrico pode afetar o disparo, até o vaivém da respiração corre o risco de importunar a mira e até ao vigésimo tiro ao alvo, nenhum ínfimo rasgo se notou na portuguesa, austera como todos os participantes na final paralímpica.
A primeira mexida na sua face, a única amostra de emoção, aconteceu no shoot off. Margarida Lapa estava na disputa pela medalha de bronze com Mika Mizuta, a japonesa de cabelo rosa, casaco rosa, cadeira de rodas rosa, tudo rosa na senda que obrigou a portuguesa a ir ao desempate. A tensão, aí, foi ainda mais palpável - a disputa era uma ‘negra’, a um tiro só, quem tivesse melhor vencia. E a ocasião sentiu-se na carabina da portuguesa, que mal o seu chumbo furou o alvo longe do centro já abanava a cabeça. Quando Mizuta disparou, a sua mira seria melhor do que a da portuguesa.
Apenas aí a japonesa ultrapassou a atleta de Carnaxide, de 24 anos e a fazer a sua estreia em Jogos. Ao décimo sétimo tiro da final a 10 metros, Margarida pulara para o terceiro lugar da disputa, mas, na última ronda, a adversária igualaria os seus 211.1 pontos, obrigando ao desempate que afastou a medalha de bronze do alcance de Margarida, uma das porta-estandartes da comitiva nacional durante a cerimónia de abertura em Paris (o outro foi Diogo Cancela, que este domingo nada na final dos 200 metros estilos com o melhor tempo de qualificação).
Encasacada com as cores da bandeira nacional, Margarida Lapa deu o terceiro diploma à participação portuguesa no mesmo dia em que Miguel Monteiro as revestiu de ouro no lançamento do peso. À vista desarmada e longínqua pela televisão, a final do tiro a 10 metros parecia congelar a imagem tal a imobilidade a que os atletas se têm de obrigar. O bronze só fugiu ao alcance da portuguesa no derradeiro disparo, foi por um triz, um ‘quase’ semelhante ao dos Europeus disputados este ano, onde já tinha sido 5.ª classificada.
A prestação de Margarida garantiu o quinto diploma para Portugal nestes Jogos, após as prestações de Beatriz Monteiro no badminton e de André Ramos no boccia (terminaram ambos em 5.º), a de Telmo Pinão no ciclismo de pista (7.º na perseguição dos 3000 metros) e de Marco Meneses na natação (5.º nos 400 metros livres).
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