Aos 19 anos deixou de andar e hoje já só nada com um braço. Foi com ele que Teresa Perales igualou as 28 medalhas de Phelps na natação
Buda Mendes
Ainda jovem, Teresa Perales foi atirada para uma cadeira de rodas. Só conseguia andar nos sonhos e hoje já nem isso. Em Paris, ao arrecadar o bronze nos 50m costas (categoria S2), alcançou o registo histórico do norte-americano. Os Jogos Paralímpicos de 2024 são os primeiros em que a espanhola compete apenas utilizando um braço, depois de um espasmo muscular ter agravado a condição física da histórica atleta de 48 anos
Ou porque o governo aprovou uma lei que taxa as saídas à rua. Ou porque o frio, convenientemente, congelou as estradas que naquele dia seria preciso usar. Ou porque foi marcada uma manifestação na praça mais próxima que merece o empenho cívico de toda a população. Ou porque a praia começou a ter presenças obrigatórias que equivalem a uma nota no cadastro. A originalidade nas desculpas é uma valência com que todos nascem.
Teresa Perales carece de tal vitamina. Ou então chamemos-lhe resiliente, talvez seja mais rigoroso. A unidade de tempo vida não é suficiente para que muitos adquiram conhecimento suficiente sobre como resistir entre os embalos da água. Não porque quisesse, mas porque foi forçada a isso, a espanhola teve que o aprender a fazer de três maneiras diferentes. Primeiro, quando era uma jovem, na plenitude das suas capacidades físicas. A partir dos 19 anos, reinventou-se para continuar a ser um torpedo, mas com neuropatia, doença que a deixou numa cadeira de rodas. Mais tarde, em abril de 2023, adaptou a técnica à incapacidade de remar com o braço esquerdo.
Nos Jogos Paralímpicos 2024, Teresa Perales conquistou a 28.ª medalha na natação, igualando o registo de Michael Phelps. O registo chegou com o terceiro lugar nos 50m costas (categoria S2) e respetivo bronze na capital francesa. Passaram 24 anos desde que esteve pela primeira vez no pódio, em Sydney. Resta-lhe ainda uma oportunidade de se destacar da estrela norte-americana. Esta terça-feira, a atleta natural de Saragoça volta a entrar na água para nadar na final dos 100m livres (categoria S3).
JULIEN DE ROSA
Com 48 anos, Perales sagrou-se campeão olímpica em Atenas (100m livres - S5; 50m mariposa - S5), Pequim (50m livres - S5; 200m livres - S5; 100m livres - S5), Londres (100m livres - S5) e Rio de Janeiro (50m costas - S5). Nos Jogos Olímpicos de Tóquio não saboreou o ouro. Para alguém tão habituado a ter a sua pepita, isso foi um sinal de alerta, mas que estava longe de ser o fim. Três meses antes de competir no Japão, deslocou o ombro devido a um espasmo muscular. Aquilo que pensava ser uma falha que ficaria solucionada com uma operação tornou-se num defeito permanente. A partir daí, deixou de conseguir utilizar o braço esquerdo para nadar.
Limitada a apenas um membro superior, deixou de alinhar nas provas da categoria S5 para alinhar maioritariamente na categoria S2, ou seja, considerou-se que as limitações físicas de Perales são agora mais severas e têm um impacto superior na maneira como nada. “Ainda consigo ganhar a pessoas muito amadoras só com um braço”. Nesta declaração, ao portal “Relevo”, como em tantas outras intervenções, evidenciou o humor com que leva a vida. À base do sofrimento, porque as dores complicam-lhe cada vez mais a tarefa, continua a fazer excursões até às capas dos jornais em Espanha.
Teresa Perales igualou Phelps na mesma cidade onde foi pedida em casamento, o típico clichê da cidade do amor. Duas décadas depois, voltou a Paris para fazer história, história essa que é só sua. O “El País” perguntou a alguém que não anda desde os 19 anos se, quando sonhava, ainda imaginava que as pernas conseguiam suportar o peso do seu corpo. “Já não. Sonho mais que nado”, respondeu. Não faz mal, há outras formas de chegar à glória e ela encontrou a sua.