Luís Costa acordou a pensar “hoje é um dia bom para ganhar uma medalha”. Era mesmo: venceu o bronze no ciclismo de estrada paralímpico
Maria Abranches
A quarta medalha para Portugal nos Jogos Paralímpicos de Paris apareceu no ciclismo de estrada. Com um ritmo “até rebentar” desde o início, Luís Costa pedalou até ao bronze, cheio da força dos seus 51 anos. Ele não sabe até quando vai competir, mas, após os diplomas no Rio de Janeiro e em Tóquio, agora o português até tem “medo de continuar até aos 60 anos e ainda sou campeão paralímpico ou coisa parecida”
Já sem capacete, gotas de suor a escorrerem-lhe pela testa, as veias ainda contraídas pelo esforço e salientes numa das têmporas, Luís Costa soltou literalmente o que lhe veio à boca, sem passar pela cabeça. “Ainda estou a assimilar, vou ter de preparar um discurso melhor para a próxima vez”, admitiu, tão bem-disposto, na espécie de zona mista improvisada no alcatrão de Paris onde acabou a prova paralímpica de estrada de H5, para ciclistas que pedalam com os braços e assentam na bicicleta de joelhos usando o poder do tronco. Ali tão a quente, nem para o próprio português a sua força era domável: “Quando passei a primeira volta pensei que ia acima do meu limite e não sabia se ia conseguir fazer outra volta assim, mas olhe, é sempre no red line.”
Luís Costa falava à “RTP” e à “Antena 1” após pedalar “até rebentar” durante 44 minutos, 26 segundos e 32 centésimos, o tempo que demorou a cumprir os 14,2 quilómetros do contrarrelógio individual. Foi o terceiro mais rápido a chegar ao destino, onde à sua espera tinha o filho mais novo, a criança que abraçou e acolheu nos braços enquanto falou com os jornalistas, de voz por vezes empapada de emoção. “Isto é o trabalho não de um ou dois meses, nem de dois anos, é de uma carreira inteira, chegar aqui e ganhar esta medalha. Só tenho de a partilhar com as pessoas que me ajudam e com o povo português, que gosta de medalhas, podem dizer que têm mais uma”, disse, a um ritmo tão a abrir quanto o que o embalou ao bronze.
À terceira participação em Jogos, é a primeira medalha para o ciclista de Castro Verde que bate asfalto pelo Clube de Ciclismo de Tavira e já teria idade para estar sossegado, como o próprio faz troça. “É sempre a subir, é bom, a idade vai avançando e os resultados vão melhorando, até tenho medo de continuar até aos 60 anos e ainda sou campeão paralímpico ou coisa parecida. Se calhar é melhor parar em Los Angeles se lá chegar!”, brincou quem, em Tóquio, conseguiu um 7.º lugar nesta prova e saiu do Rio de Janeiro com a 8.ª posição. Já tinha um par de diplomas, agora deu-lhes a companhia de uma medalha.
Michael Steele
Esta é do mesmo material da única que possuía no currículo desportivo até estes Jogos, conquistada no Campeonato do Mundo de 2022 por este inspetor da Polícia Judiciária e antigo paraquedista, a quem a vida pregou a partida de no dia do seu 30.º aniversário: conduzia estrada fora de moto, no Alentejo, lembra-se de passar uma linha do comboio e de acordar, dias depois, no hospital. Tivera um acidente cuja consequência maior foi levar à amputação de uma das pernas. O primeiro dos filhos nascera tão-só há quatro meses.
Esse filho mais velho também está em Paris, não apareceu, por azar, no momento em que falou aos jornalistas, como o mais petiz, mas “está por aí”, Luís Costa estimou que devesse andar “meio-perdido” e ansiou que chegasse à sua beira dali por instantes, para acentuar o profundo suspiro que deixou escapar antes de responder à pergunta sobre o que significava para ele ter a companhia dos filhos no auge da sua carreira: “Sabe muito bem. É fantástico, foi para isto que trabalhei, é para isto que as pessoas que me acompanham, que apostam tudo em mim, esta medalha é para eles, é para todos, para todas as pessoas que me acompanham ao longo destes anos todos.”
Ter os seus em Paris pode explicar o presságio que o despertador tocou na sua cabeça na manhã desta quarta-feira. “A prova foi bem preparada desde que acordei esta manhã, estava focado, pensei mesmo ‘hoje é o dia’, o tempo está bom, pensei ‘é um dia bom para tentar ganhar uma medalha’”, contou, com a voz alegre a sair-lhe pela farta barba para resumir as boas sensações com que pedalou ao longo dos 14,2 quilómetros de prova. “Tinha que me tentar superar e foi isso que aconteceu. Quando passei a primeira volta pensei que ia acima do meu limite e não sabia se ia conseguir fazer outra volta assim”, disse sobre a dúvida que se desmaterializou, aos poucos, quando reparou nas reações de quem o acompanhava. “Atrás de mim vinha a minha equipa técnica, não ouvia bem o que diziam, mas vi que estavam eufóricos, portanto pensei que só podia dar medalha.”
A cada um desses quilómetros Luis Costa reparou que “ia fazendo melhor ainda do que na primeira volta” e aos poucos começou “a acreditar”. A confirmação da sua crença veio a saber a bronze. E assim foi ele buscar a quarta medalha portuguesa nestes Jogo Paralímpicos, juntando-a ao bronze de Diogo Cancela na natação, ao ouro de Miguel Monteiro no lançamento do peso e ao de Cristina Gonçalves no boccia, apimentando esta conquista com um condimento especial: os seus 51 anos superam os 47 da atleta do cabelo laranja. É a farfalhuda barba do paraciclista que guarda agora mais velha idade entre os medalhados portugueses.