Liga dos Campeões

Bruyne, baby, Bruyne

Bruyne, baby, Bruyne
Matthew Ashton - AMA

O riquíssimo Manchester City de Guardiola, as ideias coloridas de Guardiola e os jogadores de Guardiola foram derrotados pelo monocromático Lyon de Rudi Garcia. O talento de De Bruyne não chegou, o plano ardeu, os milhões bateram no tecto, numa noite em que Pep terá levado novamente a estratégia demasiado a sério, pelo que é legítimo questionar se o príncipe das metamorfoses não se terá tornado refém da personagem que criou

Bruyne, baby, Bruyne

Pedro Candeias

Editor de Sociedade

Se o Manchester City fosse um paradoxo, seria dois paradoxos, o da escolha e o da abundância. Estes dispensam explicações aturadas, quase que se auto-explicam: o primeiro diz-nos que fazer muitas escolhas na vida pode provocar ansiedade; o segundo, que ter inúmeros recursos à mão pode ser contraproducente.

Um é psicológico e o outro é económico, ambos são sobre os problemas que - redundância à parte - a fartura em demasia trazem. Sobretudo quando quem a deve gerir parece ter uma tendência peculiar para complicar o que é aparentemente bastante simples: em futebol, jogam os melhores.

Pep Guardiola discordará e em sua defesa tem o currículo e também a escola de pensamento que produziu - o guardiolismo - e o estilo que criou - o muito catalão tiki-taka. Esta noite, o riquíssimo Manchester City de Guardiola, as ideias coloridas de Guardiola e os jogadores de Guardiola foram derrotados pelo monocromático Lyon de Rudi Garcia.

Ficou 3-1, ainda por cima foi justo, e o City caiu nos quartos-de-final da Liga dos Campeões pela terceira vez consecutiva, depois de ter sido eliminado pelo Liverpool e pelo Tottenham. Nas outras duas ocasiões, Pep já era o treinador, pelo que é legítimo questionar se o príncipe das metamorfoses não se terá tornado refém da personagem que criou.

Porque todos nós esperamos com curiosidade pela próxima originalidade de Guardiola, mas é possível que em Alvalade o catalão tenha levado novamente o plano demasiado longe - e ele próprio demasiado a sério.

Em nome da estratégia, Pep pôs Fernandinho como central à direita num sistema de três defesas, Rodri a trinco, Kevin de Bruyne e Gundogan como interiores, Walker e Cancelo como alas, Sterling solto e Gabriel Jesus fixo. No banco deixou David Silva, Mahrez e Bernardo Silva, três futebolistas indiscutivelmente criativos que até encaixam no padrão de Guardiola, para quem a altura e a potência muscular são sobrevalorizadas.

Ora, Mahrez foi a jogo na segunda-parte e fez um passe extraordinário para Sterling - e este cruzou para o golo de De Bruyne -, David entrou quando o mal estava feito e Bernardo ficou irremediavelmente de fora.

Talvez assim se explique, em parte, a queda espetacular e inesperada do City diante do sétimo classificado da Ligue 1, que nem sequer chegou ao fim por causa da covid-19. Sem ideias e sem bola na zona de criação, os únicos remates à baliza de Anthony Lopes na primeira-parte surgiram de bola parada, por De Bruyne.

Não se viram triangulações, nem progressões, apenas conceitos previsíveis e iniciativas individuais de Sterling que até o desajeitado Denayer conseguiu genericamente antecipar.

O talento de De Bruyne - que jogou como interior direito, esquerdo e no fim a extremo, e que muitos veem como o melhor médio do mundo - não foi devidamente enquadrado, o plano ardeu, os milhões investidos bateram no tecto, o sonho desfez-se em bocadinhos.

A outra parte que justifica o trambolhão: erros individuais de percepção e de posicionamento que permitiram ao Lyon lançar-se em contra-ataques vertiginosos que deixaram Cornet (24’) e Moussa Dembélé (79’ e 87’) na cara de Ederson, que ficou muito mal visto no terceiro golo dos franceses. O falhanço de Sterling quando estava 1-2, numa caricatura do erro de Bryan Ruiz na mesma baliza há uns valentes anos, também não ajudou.

A receita de Rudi Garcia foi sensivelmente a mesma que usara contra a Juventus de Ronaldo nos oitavos de final, ou seja, defender bem com cinco e contra-atacar ainda melhor sempre que Aouar pegava na bola para lançar a jogada. Sem mutações, alternâncias, apenas a certeza de que o caminho escolhido para chegar de A a B era entendível por todos. E isso, em competições a eliminar, costuma ser suficiente.

De maneiras que continua a surpreendente final a oito da Liga dos Campeões, que já não tem o Atlético de Madrid, o Barcelona e o Manchester City. Mas tem o RB Leipzig, o PSG e o Lyon; o Bayern, que atropelou os catalães por 8-2, é o único que confere alguma anormalidade neste novo normal.

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