Liga dos Campeões

Para evitar vender a alma ao diabo, o Borussia Dortmund criou uma filosofia. Voltar à final da Liga dos Campeões foi consequência dela

Para evitar vender a alma ao diabo, o Borussia Dortmund criou uma filosofia. Voltar à final da Liga dos Campeões foi consequência dela
picture alliance

O Borussia Dortmund está de regresso à final da Liga dos Campeões. Do plantel que conseguiu o mesmo feito em 2013 restam apenas Marco Reus e Mats Hummels. Os problemas financeiros do início do século, que quase levaram o clube à falência, obrigaram à redução do investimento e à aposta em jovens jogadores que crescem e são vendidos aos colossos. Nestes termos, a dificuldade para ser competitivo aumenta, logo o sucesso europeu “é surreal”, como descreveu Edin Terzić, o treinador que antes apoiava o clube da bancada

Dortmund tem sido um território de passagem de versões ainda por chocar de jogadores que preenchem os requisitos impostos pelo controlo de qualidade dos gigantes europeus. Nos tempos mais recentes, o Real Madrid levou Jude Bellingham para a incubadora e o Manchester City fez Erling Haaland sair da casca. No fundo, custa menos transferir jogadores para outros clubes do que vender a alma ao diabo como aconteceu no passado.

Ganhar a Liga dos Campeões em 1997 acabaria por abrir um precedente perigoso. Na final jogada em Munique, o Borussia Dortmund, onde alinhava Paulo Sousa, não desperdiçou o bis de Karl-Heinz Riedle para bater a Juventus (3-1) e angariar o par de orelhas embutidas em metal mais desejado do futebol. O problema foi o que veio depois.

Insaciável, o clube alemão foi em busca de mais glórias equiparáveis àquela, arriscando investimentos milionários com fé de que outras campanhas europeias de sucesso devolvessem o montante gasto. Não aconteceu. Falhar o acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões em 2003/04 e 2004/05 foi um rombo suficiente grande para que o clube tenha estado à beira da bancarrota.

A dívida de 200 milhões de euros quase derreteu o clube fundido do carvão e do aço. Diante do abismo, o incentivo para dar um passo atrás chegou com um empréstimo de €2 milhões concedido pelo condoído rival Bayern Munique. Foi apenas um grão de areia para tentar fazer uma praia, mas ficou o indício de desespero.

Paulo Sousa ao serviço do Dortmund na final da Liga dos Campeões, em 1997
Tony Marshall - EMPICS

Nas dificuldades financeiras, que não trouxeram consequências ao nível de uma descida de divisão, moldou-se a filosofia que o Dortmund ainda hoje profetiza e que levou à recuperação económica do clube: fazer dos jovens uns protagonistas precoces, com tudo que isso tem de bom e de mau.

Jürgen Klopp tornou-se treinador do Dortmund em 2008 e reergueu a equipa ao ponto de vencer a Bundesliga duas vezes (2011 e 2012) e levar o clube a nova final da Liga dos Campeões (2013). É certo que não a ganhou. Em Wembley, o Bayern Munique, o tal clube que deu um pequeno impulso para que o Dortmund se reerguesse, ganhou com um golo de Arjen Robben em cima dos 90 minutos.

Desde que Jürgen Klopp começou a treinar o Dortmund (saiu em 2015 para o Liverpool), o quinto lugar da equipa na edição 2023/24 da Bundesliga representa uma das piores campanhas do clube, o que não deixava antever que as competições europeias fossem madeixa de sucesso. Onze anos depois o clube alemão está de regresso à final da Liga dos Campeões que se vai jogar de novo em Wembley, podendo o adversário, mediante o desfecho da meia-final entre o Bayern Munique e o Real Madrid, ser outra vez o emblema bávaro.

As figuras do Dortmund na final da Liga dos Campeões de 2013: Jürgen Klopp, treinador que mudou o paradigma do clube, Nuri Şahin, atual adjunto de Edin Terzić, e Marco Reus, que ainda resiste no plantel
Laurence Griffiths

“É surreal”, descreveu, à falta de um discurso menos emocionado, Edin Terzić, o atual treinador do Dortmund. O conjunto amarelo e negro bateu o Paris Saint-Germain nas meias-finais. Após uma vitória no Signal Iduna Park por 1-0, o resultado repetiu-se no Parque dos Príncipes. Ao longo da eliminatória, os franceses enviaram seis bolas aos ferros. “Se tivéssemos jogado este jogo 10 vezes, talvez não o tivéssemos vencido 10 vezes”, confessou o técnico com nacionalidade alemã e croata. “São os pequenos detalhes que fazem a diferença e que caíram para o nosso lado.”

As redes sociais ressuscitaram uma fotografia em que Edin Terzić está na bancada, enquanto adepto, a ver o Dortmund sagrar-se campeão em 2012. Do lugar outrora seu e do restante estádio veio o apoio que empurrou a equipa para uma nova final europeia.

As 25.000 almas que fazem da Muralha Amarela o coração do Signal Iduna Park estão habituadas a fazerem ídolos, embora nos últimos tempos qualquer forma de apego a um jogador possa acabar em desilusão, tal o carrossel de futebolistas que por ali passam. No entanto, há um que por lá tem andado ao longo dos últimos 12 anos.

Marco Reus a festejar o acesso à final da Liga dos Campeões depois de ter anunciado que vai deixar o clube no final da época
Matthias Hangst

Marco Reus é o nome mais icónico da história recente do clube. O atacante e Mats Hummels são os únicos dois jogadores que estiveram na final da Liga dos Campões em 2013 e que vão repetir a presença em 2024, com a diferença de que Reus nunca saiu do Dortmund, ao contrário do defesa central que esteve três anos no Bayern Munique. No banco de suplentes, encontram-se Nuri Şahin e Sven Bender, antigos jogadores que agora fazem parte da equipa técnica de Edin Terzić.

Foi recebida com emoção a notícia de que Marco Reus não vai renovar contrato e prepara-se para deixar o clube no final da época. Por um bom motivo, a despedida não será feita no Signal Iduna Park, mas em Wembley. Quando ficou confirmado que seria o Dortmund a jogar a final da Liga dos Campeões, Reus usurpou o megafone dos adeptos que tinham viajado até ao Parque dos Príncipes e mostrou que, mesmo de chuteiras nos pés, é um deles. Menos seguros das letras dos cânticos, acompanharam-no os restantes colegas. Em Wembley, juntos, vão tentar repetir os festejos.

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