Mats Hummels cansou-se de ganhar e por isso quis voltar a sentir a emoção de ter de lutar por algo. E isso levou-o à final da Champions
Alexander Scheuber - UEFA
Aos 35 anos, Mats Hummels está de regresso à final da Liga dos Campeões, um prémio para alguém que um dia se cansou de ganhar facilmente no Bayern Munique e procurou, de novo, as emoções de suar pela vitória. O defesa central liderou a caminhada do Borussia Dortmund até ao jogo de Londres, onde os alemães contarão com a sua fineza e sentido posicional para derrotar o favorito Real Madrid. E, para Hummels, uma vitória na Champions seria um bálsamo para atenuar a desilusão de ter ficado fora da lista da Alemanha para do Euro 2024
Não era que Mats Hummels andasse tranquilamente na sua vidinha, até porque a última temporada no Bayern Munique não lhe tinha corrido de feição. Mas talvez não esperasse que o passado voltasse não para o castigar, mas sim para o resgatar. Para mais um passado que o central tinha, de alguma forma, em tempos traído.
Numa conversa com Hans-Joachim Watzke, CEO do Borussia Dortmund e seu antigo patrão, apareceu a questão mágica. “Perguntou-me se eu queria ser novamente importante, ser de novo um líder”, lembrou o central alemão à revista oficial do clube, em janeiro de 2021. E Mats Hummels percebeu que, sim, era precisamente isso o que queria.
Aconteceu então algo muito pouco comum. Hummels, um tipo que gostava de jogar a avançado até o pai, Hermann, responsável pelo futebol jovem do Bayern Munique, o fazer entender que podia ser um defesa de exceção, regressou ao Borussia vindo do gigante rival que tantas vezes foi aos plantéis do mais pequeno Dortmund satisfazer as suas necessidades, acenando com dinheiro e troféus. Um quase bullying competitivo.
Aos 35 anos, Mats Hummels brilha na sua segunda vida no Borussia
DeFodi Images
E no regresso ao convívio com o Muro Amarelo, Hummels encontrou outra vida: voltou à seleção depois de um exílio forçado, esteve a um golo de ser campeão em 2023 e, aos 35 anos, está de novo numa final da Liga dos Campeões. Foi na sua liderança, nos pézinhos ainda imaculados e nos golos decisivos que a equipa alemã encontrou força e carácter para surpreender a Europa.
Quando ganhar já não entusiasma
Ganhar sempre pode cansar. Pelo menos cansou Hummels. Formado no Bayern Munique, onde chegou com apenas 6 anos, ali jogou por apenas uma ocasião na equipa principal, em 2007, antes de seguir por empréstimo para o Borussia Dortmund. Mais a norte no mapa da Alemanha, participou ativamente do renascimento da equipa que poucos anos antes tinha sido obrigada a aceitar um empréstimo de dois milhões de euros precisamente do Bayern para pagar salários e evitar a bancarrota. Na vida de Mats Hummels, estes dois clubes andam sempre de mãos dadas.
Com a chegada de Jürgen Klopp ao banco, o Borussia Dortmund voltou a rock and rolar em campo, vencendo a Bundesliga em 2010/11 e 2011/12. Em 2012/13 chegou à final da Liga dos Campeões, perdendo nos derradeiros minutos frente, nem mais, ao Bayern Munique. Sempre com Hummels como esteio na defesa amarelo e negra.
O Dortmund era agora um clube a salvo, com a aposta em jovens da academia e em verdadeiras pechinchas no mercado a darem retorno desportivo e económico. Mas sem a capacidade financeira do rival da Baviera. Na temporada seguinte, Mario Götze seguiu de Dortmund para Munique. Robert Lewandowski e Hummels fizeram o mesmo percurso nas temporadas seguintes. O título alemão tornou-se, naqueles anos, uma formalidade para o Bayern.
O que, a longo prazo, não é entusiasmante para todos. No Bayern, para lá da importância paulatinamente perdida, as vitórias consecutivas entediaram Mats Hummels. “Ficas menos eufórico quando ganhas tanto”, confessou à revista germânica “11 Freunde”.
“De uma perspetiva desportiva, é muito mais entusiasmante estar constantemente sob pressão”, sublinhou ainda. Às vezes é preciso chutar adrenalina diretamente para uma veia para se sentir vivo.
A desilusão de Mats Hummels após perder a final da Champions em 2013. Agora está de regresso
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No regresso ao Borussia Dortmund, em 2019, Hummels voltou a sentir essa pressão, a ser importante.
A adrenalina e a amplitude de emoções que é de ter de lutar para estar na frente e nem sempre conseguir. Tornou-se capitão da equipa, uma improvável e involuntária figura da resistência ao poder absoluto do Bayern. Regressou à seleção em 2021 depois de dois anos antes Joachim Löw o ter afastado da Mannschaft, alegando necessidade de dar espaço aos mais jovens. E esta temporada, o campeão mundial de 2014 como que mergulhou dentro de si mesmo para ir buscar as qualidades que dele fizeram um dos defesas mais preponderantes nos últimos quinze anos: a facilidade de antecipação, a fineza técnica, a calma perante a tempestade e uma inusitada capacidade de passe longo, como se de um quarterback se tratasse.
Se dentro de portas a temporada não correu bem ao Dortmund (terminou a Bundesliga em 5.º), foi na Liga dos Campeões que um vintage Hummels se revelou mais decisivo. O passe cruzado de trivela para o golo de Julian Brandt na 2.ª mão dos quartos de final, em que o Borussia dá a volta frente ao Atlético Madrid, é uma delícia que nem o autogolo marcado minutos depois consegue apagar. E as exibições perfeitas nos dois jogos da meia-final com PSG, limpando tudo, por terra e no ar, e brindando a equipa com o golo na 2.ª mão que confirmou a passagem à final (foi nas duas vezes considerado homem do jogo), seria outra impressionante prova de vida.
Uma ausência que desaponta
O Borussia Dortmund não é favorito no regresso à final da Champions, no regresso a Wembley, o mesmo palco da final de 2013. Porque do outro lado está o Rei Sol da Europa. Desde 1981 que o Real Madrid não perde no jogo decisivo da Champions, daí para cá foram oito orelhudas em oito finais.
Secando Mbappé nas meias-finais da Champions
ANP
Mas, no sábado (20h, TVI/Eleven 1), uma vitória da equipa alemã seria, para lá de um feito desportivamente impressionante, um bálsamo necessário para Mats Hummels, que há duas semanas terá vivido um dos momentos mais amargos da temporada: soube que não estará no Euro 2024.
“É doloroso para mim porque sou um dos cinco melhores defesas da Alemanha neste momento. Tenho autoconfiança para dizer isso”, confessou ao diário “Bild”, onde, por outro lado, refletiu sobre escolhas de Julian Nagelsmann, selecionador que tem apenas mais um ano que ele, compreendendo as suas opções.
“Posso perceber a ideia de que o grupo está a crescer desde março”, explicou, lamentando não ter estado na última convocatória, algo que terá sido decisivo para Nagelsmann, mesmo que Hummels tenha até mostrado disponibilidade para começar no banco.
Ainda sem saber se continua no Borussia na próxima temporada - só se vai sentar com o clube para falar de uma possível renovação depois da final de Londres -, Mats Hummels terá no sábado a oportunidade de tornar o sentimento de desilusão em algo mais doce, num palco onde, confessou, nunca pensou voltar. Às vezes é bom ficar farto de ganhar facilmente e procurar as emoções da surpresa.