Rodrygo, o patinho de que o Real Madrid sempre precisará

Editor
Tudo começou com sinais, ele a mostrar uma intenção, um caminho. Espremido entre a linha lateral e o adversário, Rodrygo escusou-se a fingir que vinha perto de quem tinha a bola para depois ir embora, dispensou o jogo de enganos. Limitou-se a arrancar de repente, dando o sinal cabal a Fede Valverde. O passe a rasgar entrou e o brasileiro já sprintava, atempado a esgueirar-se na frente de Javi Galán, o lateral atropelado pela suprema fluidez em movimento com que o jogador do Real emanou a mais adversa das sensações no futebol - o dificílimo parecer uma tarefa simplória.
Zarpado e com a vantagem ganha do lance, Rodrygo deu quatro toques na bola: o primeiro atravessou-o na linha de corrida de quem o perseguia, o segundo, o mais suave, confirmou a sua trajetória para dentro da área e o terceiro, dado no imediato, desviou a bola do jogador do Atlético que vinha em contramão a prestar auxílio e preparou o quarto, um remate com o pé esquerdo que trespassou qualquer hipótese de Jan Oblak o impedir de entrar na baliza. Assim descrito parece coisa mera, mas a ação do brasileiro foi uma coreografia de bailarino numa equipa, num clube, que o estima por comparação em vez de o galar por méritos próprios.
O seu foi o primeiro grande golo dos três marcados no Real-Atlético da primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões, um jogo dos que extrai parte do encanto à prova por cruzar dois clubes do mesmo país, ainda por cima da mesma cidade, a puxar das mesmas familiaridades. Ter sido o pacato Rodrygo, genial e modesto em doses parelhas, calçador de caxemira para tratar uma bola de futebol, provável titular em 99% das equipas do mundo, o mais pontiagudo dos merengues também apelou ao familiar na equipa que mais gosta de confetes para dar nas vistas.
Contra as linhas coesas e baixas do Atlético, armado a rosnar por Diego Simeone que ainda convence pintores impressionistas (Julián Alvarez, Antoine Griezmann) a colarem tijolo com cimento quando é necessário, não foi um dos guardiões da galáxia do Real a servir de farolim de inspiração: Kylian Mbappé andou perdido entre adversários, um avançado postiço, obrigado a habituar-se a jogar ao centro em prol da serventia da convivência de estrelas por mais que sejam semelhantes nos gostos, resumido a toques inócuos na bola, longe da área, sem perigo; na esquerda, o maratonista Vinícius Júnior tentou várias arrancadas, sempre ele contra o mundo, a confiar na sua velocidade de ponta para ultrapassar adversários mais do que a tentar desencantar forma de os ludibriar com truques. E o lesionado Jude Bellingham estava na bancada, vestido à civil.
Nenhum deles, durante 90 minutos, descalçou o rival de Madrid e agitou o jogo.
Teve de ser Rodrygo, o menos travesso entre eles, nem por isso brilhante ou constante na partida, o dador de algo tecnicamente divergente na monotonia do Real Madrid. O brasileiro, de novo, foi quem mais defendeu no trio da frente, mais se sacrificou, mais correu para os outros aproveitarem os espaços do que ele próprio os usufruir. Fiel à história transpirada pelo Santiago Bernabéu, neste primeiro dos jogos a doer a sério, já na fase em que o Real canaliza as energias do além para prevalecer na Champions, surgiu o que às vezes irrompe da regra merengue de ter um tridente atacante para atemorizar as pernas dos adversários.
Foi o anagalático entre eles a puxar pelos outros. Como em tantas noites passadas teve de ser Karim Benzema e a sua leveza de pés a jogar para Cristiano Ronaldo ou Gareth Bale; ou como antes até Raúl González, o caseiro do Real, extraordinário jogador forjado no clube que às tantas não viu outra hipótese que não adaptar-se às necessidades de Ronaldo Nazário, Zinedine Zidane ou Luís Figo.
Agora é o talentoso Rodrygo a jogar na direita do ataque, onde ele confessa não gostar, como Mbappé ou Vini não gostam, mas tem de ser, uma conclusão de muita força no Real Madrid onde Florentino Pérez insistir em constelar estrelas confiando que a sintonia acabará por ir ao sítio. Os merengues ganharam, por 2-1, ao Atlético graças a outro vértice genial Brahim Díaz, titular e apenas em campo porque Bellingham estava magoado. O hispano-marroquino e o brasileiro foram os melhores de uma equipa a gripar em muitos momentos, soluçante pela ausência de alguém capaz de domar um jogo através do passe, à Toni Kroos ou Luka Modric.
O alemão reformou-se no verão e o croata, com os 40 anos à sua espera em setembro, está limitado a aproveitar as sobras da sua influência cadente. Na terça-feira esteve em campo na última meia hora - foi o período mais fluído, dominador e sereno do Real Madrid, que realmente só jogou quando teve a sua parte de fora do pé direito em ação. As luzes da equipa foram dois jogadores secundários e o idoso sem o qual os merengues não domesticam uma partida através da posse de bola.
O Real prosseguirá, possivelmente até prevalecerá, como é costume, na Liga dos Campeões, crente no que possa sair da matéria estelar do foguete Kylian Mbappé, ainda no mês passado responsável por um hat-trick ao Manchester City, ou do frenesim que corre à velocidade da luz de Vini Jr., em quem mais relevância deposita, abraçando até as suas birras, como se viu na Bola de Ouro, onde o clube mais ganhador da prova onde os melhores clubes se encontram recusou ir aplaudir alguém que os seus pares acharam melhor do que o jogador que o Real achava que tinha de ganhar por ser o melhor.
Já nos descontos contra o Atlético, houve uma derradeira oportunidade para um terceiro golo: recuperada uma bola, Mbappé entrou na área, teve hipótese de cruzar e só viu Vini, o seu homónimo na radiância dos holofotes. O passe, por duas vezes, foi adivinhado e intercetado. Um pouco mais atrás, perto da marca de penálti, Rodrygo abria os braços, fazendo-se notar e depois desesperando. Nunca o brasileiro será um patinho feio, isso é impossível. Mas, pelo trabalho que tem, é o patinho mais necessário no tridente do Real Madrid.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt