Ir de férias ao Cazaquistão e ver o Sporting jogar (por €3,75)
Sergei Bobylev
A história de como um jogo de futebol leva alguém a decidir ir passar férias a 6100 km de distância, numa cidade onde as temperaturas estão negativas e quase ninguém fala inglês. Sem bilhete comprado (e que afinal só custou €3,75) para o Astana-Sporting e com muito frio, roupa e problemas graves de comunicação à mistura
Ir passar férias ao Cazaquistão? Um país que acaba em "istão" e fica ao pé de outros acabados também em "istão" como o Afeganistão ou o Paquistão? A maior parte das pessoas em Portugal deverá ter muitas outras prioridades turísticas e provavelmente o Cazaquistão não faz parte da lista de países a visitar de quase ninguém, nem a sua capital Astana.
Mas há meses que o país me chamava a atenção. Não só pela sua economia baseada no petróleo e outros recursos mas também porque um artigo no "Público" sobre Astana e a sua arquitetura disruptiva me levou a a colocar esta cidade na lista de potenciais sítios a visitar.
Só faltava um argumento para lá ir.
Poderá um jogo de futebol ser esse argumento para ir passar férias a um país e a uma cidade a 6100 km de distância, com temperaturas que descem a mínimas de 40 graus negativos em fevereiro, o mês mais frio do ano em Astana?
A resposta é afirmativa.
A viagem começou a materializar-se mal se soube que o Sporting ia deslocar-se a Astana a 15 de fevereiro para jogar a primeira mão dos 16 avos de final da Liga Europa. Trata-se da mais longa viagem feita dentro desta competição, tal como o confronto entre Benfica e Astana, em 2015, tinha sido a mais longa deslocação de equipas dentro da Liga dos Campeões. Na realidade, dizer que o Cazaquistão está na Europa tem muito que se lhe diga... Mas, como diria Jorge Jesus, isso já é assunto do "forno interno" da UEFA.
Marcada a 12 de janeiro, a viagem Lisboa Astana apresentou números assustadores de duração com múltiplas escalas, que apontavam para mais de 30 horas. Foi preciso encontrar um equilibrio entre duração e preço. O melhor que se conseguiu arranjar foram 586,71 euros com a viagem de ida, com escala em Frankfurt, a durar 11h35 de Lisboa a Astana. O regresso demorará mais: 12h50m. O bilhete para o jogo só será comprado em Astana.
Frio: comprar polar barato
As primeiras previsões meteorológicas eram aterradoras para esta semana: a 30 dias apontavam para valores mínimos de 42 graus negativos. Com o tempo a passar, foram sendo corrigidas para "apenas" 30 negativos. Agora já "só" estão na casa dos 20. É uma boa política: baixar as expectativas e depois se for menos mau é sempre a ganhar. Seja então 20 negativos na noite em que o Sporting joga com o Astana.
Era preciso roupa quente. Mas como o tempo escasseia, é ir às lojas da especialidade e comprar o que tenha a expressão "polar" associado... barato porque a ideia não será voltar a usar muitas mais vezes...
Segunda-feira, dia 12, foi um dia inteiro a viajar.
A chegada às 5h55 de terça-feira a Astana decorreu dentro da normalidade. Tudo tranquilo, um aeroporto sem stresse. Lá fora 17 graus negativos. Como a primeira parte da viagem passava por uma visita a Almaty, no sul do Cazaquistão - a maior cidade do país que até 1997 foi a sua capital - foi preciso apanhar outro avião logo a seguir à chegada a Astana e para isso sair do aeroporto Internacional e entrar no doméstico.
Os edificios estão lado a lado mas não têm ligação entre si... Estava frio, muito frio, mas à frente ia um homem de manga curta a rir-se. Perante isto, nenhuma queixa a apresentar.
O voo até Almaty também decorre tranquilo. À chegada ao aeroporto, o posto de turismo oferece um mapa "amigável" de Almaty e um livro com as 100 melhores coisas para ver na cidade. Material relevante para saber que em cazaque "Olá" diz-se "salem" e "obrigado" se diz "rakhmet". Tudo com o nosso alfabeto, o que é um luxo, pois quase tudo está escrito em cirilico, com caracteres muito diferentes dos nossos.
O aeroporto de Almaty, no Cazaquistão
PATRICK BAZ
Não é fácil encontrar internet sem fios (Wi-Fi) disponível... E há um problema com a dona do apartamento arrendado para duas noites. Não deu sinal de vida a não ser com uma mensagem em russo que não se conseguiu traduzir. Não disse a que horas o apartamento estava disponível. Com a internet a funcionar com dificuldade, não é possível confirmar que tenha respondido.
Perante esta situação, um telefonema talvez ajude. Mas a senhora não fala inglês - como muita gente no Cazaquistão também não fala - a não ser para dizer a palavra e-mail. Depois envia mensagem de Whatsapp em russo (uma das duas línguas oficiais além do cazaque) a dizer a palavra "cumprimentos".
Ou seja, nada diz sobre onde e a que hora marcar para entrega das chaves. Perante isto cancela-se a reserva pela internet e marca-se um hotel onde à partida a comunicação é mais fácil. A marcação corre bem. Um quarto num hotel de três estrelas fica por 38 euros por noite, com pequeno almoço incluído. Os preços da alimentação na cidade são acessíveis. Por 5 a 7 euros tem-se uma boa refeição completa.
Para sair do aeroporto há um enxame de taxistas a perguntar "táxi?". Aquele que acaba por levar a melhor diz que a tarifa inicial é de 3000 tenge, a moeda do país (equivalente a 7,5 euros pois 1 euro são 400 tenge). Depois diz que não há problema (no problem, no problem!) pois a corrida não ficará em mais de 45.000 tenge. Ou seja mais de 100 euros! Queria certamente dizer 4500. Com gorjeta, recebe 6000. Mas, um dos funcionários do hotel diz que para o aeroporto não é mais do que 2000. Ou seja, 5 euros e não os 15 que foram pagos inicialmente.
A cidade é grande, confusa, com um trânsito compacto e muito poluída. Ja figurou em nono lugar na lista das cidades mais poluídas do mundo. Mas tem os seus encantos: está gelada (as temperaturas estiveram sempre próximas de zero graus), cheia de neve por todos os lados, tal como as montanhas que a circundam, tem edifícios interessantes e parques. As avenidas largas, ao estilo soviético que imperou nesta antiga república da União Soviética, têm muitas árvores.
Mas não é marcante e só agora está a dar os primeiros passos no turismo. E há ainda muito pouca gente a falar inglês pelo que a comunicação não é fácil. Ainda assim, não há nada que a tradução do Google não resolva: dois funcionários do hotel entram no quarto para avaliar a avaria no aquecimento. Não sabiam uma palavra de inglês mas do telemóvel de um deles saiu a voz de uma senhora que no seu melhor inglês perguntou se estava frio no quarto. Ao que eu respondi "não". A dificuldade de comunicação acaba por ser compensada pela tecnologia, como neste caso, ou pela simpatia e vontade de ajudar dos cazaques, em muitos outros.
Para entrar no metro, tudo é passado a raio x por modernos equipamentos de segurança devidamente controlados por policias. Só há uma linha com nove estações, cada bilhete custa apenas 80 tenge, ou seja, 20 cêntimos. E o bilhete propriamente dito não existe: é uma moeda amarela de plástico que se introduz numa ranhura e que os muitos funcionários que trabalham nas estações se apressam a ajudar a introduzir na ranhura.
Astana, a nova Dubai?
Se Almaty, a cidade das maçãs (o nome advém de ser uma zona de grande produção de maçãs) conjuga edifícios mais antigos com muitos outros mais modernos ao estilo soviético, Astana é todo um mundo novo. A arquitetura merece um guia turístico especifico com os edifícios mais emblemáticos.
Quinta-feira é o dia de regresso à capital do Cazaquistão. O voo decorre tranquilo, em 1h30, mas à chegada ao aeroporto, o mesmo filme. A dona do apartamento não fala inglês e a conversa desenvolve-se com laivos de surrealismo. Recorrendo ao balcão de informações do aeroporto, peço ajuda para lhe ligarem e lhe perguntarem a que horas é possível entrar no apartamento. Neste balcão de informações as duas senhoras não falam inglês e ligam a uma terceira que também não fala inglês mas sim francês ou italiano. No meu melhor francês explico a situação, ela entra em contacto com a proprietária do apartamento, mas afinal o número está errado, volta a ligar para o balcão das informações onde fico à espera, as colegas passam-ma, volto a dar o número, lá se consegue falar com ela - diz que já está no apartamento à espera.
Desta vez o táxi é apanhado com recurso a outro balcão de informações que tem a indicação "táxis Astana", com explicação do preço até ao destino - são 3000 tenge. A dona da casa está à porta e o diálogo vai ser todo feito através do Google Translator e corre bem. O apartamento está estrategicamente à frente do estádio, a cerca de 10 minutos a pé. É num prédio com cerca de 10 andares, que tem outros prédios ao pé muito parecidos. E por isso não é difícil entrar no prédio errado à procura da casa que afinal fica noutro prédio...
Com estas dificuldades de comunicação, teme-se o pior no que diz respeito à compra de bilhete.
Não foi possível comprar em Portugal e por isso agora é preciso ir ao estádio e tratar do assunto rapidamente. O bilhete tem de ser para a zona dos adeptos do Sporting - essa é a mensagem a passar.
Esta é uma cidade construída de raiz, tal como foi por exemplo Brasília. E faz lembrar muito o Dubai - os cazaques fazem muito essa comparação - tem muitos edifícios imponentes mas continua em construção. À volta só se veem gruas e mais gruas. E há muito espaço para continuar a construir.
Sergei Bobylev
Está muito frio - 17 graus negativos - é preciso gorro, cachecol, proteção para a cara, casacos e mais casacos, sempre que se entra em qualquer sítio - geralmente estão super aquecidos - tem de se tirar tudo para depois, quando se sai, voltar a vestir. A deslocação ao estádio desenrola-se ao longo de uma avenida larga com várias faixas, compridas, em que passam carros a grande velocidade e que tem semáforos muito longe uns dos outros. Pelo que a ideia de a atravessar sem ser no semáforo é muito estúpida e pode acabar mal - pelo que não volta a acontecer...
Quase não há passeio e o que há tem muita neve à mistura. A compra do bilhete para o jogo é fácil - uma das raparigas que está a atender arranha o inglês e percebe a ideia - é para ficar junto dos adeptos do Sporting. Ela parece ter percebido. São 1500 tenge - ou seja, apenas 3,75 euros...
Até ao jogo não há muito tempo para visitar a cidade. Agora é mais esperar pelas 22h (16h em Portugal) e ver a bola rolar.