Luís Franco-Bastos

“Estado Puro” #22. A Inglaterra conseguiu traficar uma equipa de sonho e metê-la na Rússia sem que ninguém topasse (por Luís Franco-Bastos)

“Estado Puro” #22. A Inglaterra conseguiu traficar uma equipa de sonho e metê-la na Rússia sem que ninguém topasse (por Luís Franco-Bastos)
Adam Davy - PA Images

Luís Franco-Bastos nasceu em Lisboa, nomeadamente num hospital privado. Licenciou-se em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e a média com que concluiu o curso é, no seu entender, um assunto do foro privado. É humorista e proprietário de imóveis, mas sobretudo humorista. Foi contratado só para esta crónica e, se alguém do Expresso tiver dois dedos de testa, não se seguirá mais nenhuma colaboração

Como se já não houvesse uma sucessão suficientemente grande de acontecimentos bizarros neste Mundial, de repente, a Inglaterra está forte. Vejo futebol há 29 anos e nada me preparou para isto. Jogam bem e, como se não bastasse, obtêm resultados. Diz uma antiga máxima budista que a vida se baseia muito mais na forma como reagimos ao que nos acontece, do que propriamente no que nos acontece. Ainda estou a aprender a reagir - enfim, para o que eu havia de estar guardado.

Analisando de forma crua esta boa campanha inglesa, apenas manchada pela derrota frente à Bélgica (que, no fundo, se aceita), chego à conclusão que começou a ser construída muito antes deste Mundial.

Para já, a escolha de Gareth Southgate. O seleccionador inglês ter menos de 85 anos é uma coisa sem precedentes. Todo um stock de algálias que a Federação Inglesa já tinha adquirido para acautelar os próximos 20 anos está, neste momento, a apanhar pó num armazém em Wembley. Já os responsáveis da Federação, estarão a pensar “Isto de ter um seleccionador que compreende o futebol moderno resulta mesmo, como é que não nos lembrámos de ir buscar alguém sem cataratas mais cedo?”.

O historial de insucessos internacionais de Inglaterra também fez uma boa caminha para o bom período que vivem agora. Os insucessos funcionaram, no fundo, como batatas a murro e cebola confitada num bacalhau à lagareiro. 2002, 2004, 2006 decepcionantes, 2008 nem se qualificou.

No fundo, fomos deixando de acreditar neles. Sempre que começava uma nova competição, aparecia Inglaterra e já sabíamos: o costume, um campeonato incrível, bons craques e nunca, mas nunca, mas nunca dá em nada. Isso distraiu-nos o suficiente para, de repente, só nos quartos darmos por ela: o quê, Kane, Sterling, Delle Ali, Lingard, Rashford, Henderson, etc? Inglaterra conseguiu traficar uma equipa de sonho e metê-la na Rússia sem que ninguém topasse. Agora, transformam estes infiltrados numa equipa candidata: no fundo é lavagem de dinheiro, mas com talento.

Último factor, e possivelmente o mais importante e motivador para todos os ingleses: Portugal já não está em prova. Esta é a cereja no topo do bolo em termos de alento. Façam o que fizerem, sabem que não correm o risco de estar tudo a ir muito bem e, de repente, Ricardo defende 16 penalties. 2014 foi o ano de ouro do futebol inglês: o ano em que Ricardo se retirou do futebol profissional, abrindo caminho a que esta geração inglesa pudesse finalmente sonhar.

Se fossem espertos, ali por volta de 2009/2010, a Federação Inglesa oferecia-lhe uma pensão vitalícia e ele reformava-se mais cedo. Falta de visão, foi o que foi.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt