Houve uma fracção de momento, um esgar na face, rápido mas visível, de desgosto. Ela discordou, não achou graça à nota e o descontentamento atingiu-lhe os nervos. Abanou levemente a cabeça, não-não, para um lado e depois o outro, em desaprovação.
A nota que os juízes dos Mundiais de ginástica deram (15.333) ao seu primeiro salto, no concurso individual do salto de cavalo, penetrou até às catacumbas do lugar onde uma atleta genial, já ciente, aos 22 anos, do que é ser vista como lendária, guarda os gatilhos do que a pode, ou não, irritar.
Simone Biles recolheu ao início do tapete, preparou-se para partir, embalou mais feroz e rápida para o segundo salto, a cara entre a seriedade e a revolta. Plantou a chamada e elevou-se para mais uma prova de ser capaz como ninguém de fabricar em massa rasgos de grandeza em piruetas, rodopios e rotações.
Não aterrou, pousou graciosamente no colchão, como se o absorvesse nos pés e tivesse o peso de uma pluma. Ainda nem abrira os braços e já tinha um sorriso do tamanho da pontuação do salto (15.466) e da medalha que soube, logo ali, que lhe ia parar ao pescoço. O treinador correu para a abraçar. O pavilhão desfez-se em aplausos.
O ouro revestiu Biles, a ginasta impossível de explicar (tem quatro movimentos em seu nome, dois inventados durante estes Mundiais) e que, para facilitar, se desconstrói em números.
A medalha que ganhou no concurso individual no salto de cavalo é quinta de ouro da prova, a 17.ª da carreira em Mundiais e a 23.ª em Campeonatos do Mundo de ginástica. Já se tornara, há dias, na mulher mais medalhada da história, agora igualou o recorde de Vitaly Scherbo.
Não há pessoa no mundo mais ganhadora do que Simone Biles.
Aterra em competição saltos que outros e outras nem se atrevem a tentar em treinos. Obriga a Federação Internacional de Ginástica a matutar sobre os nomes de batismo para as manobras que inventa - as hipóteses, dizem, são Biles I e Biles II.
Ela sorri, reage, é efusiva. Fala, é honesta e confessa coisas em público que contrariam a tradição fria, robótica e sem demonstrações de emoção da ginástica.
Simone Biles é a personificação de genialidade artística no solo, na vara, nas barras paralelas e no cavalo quando não está a prolongar a sua esperança de vida no ar, suspensa na gravidade onde o que faz é um perigo de vida para a maioria, mas, a ela, lhe faz ser uma prova viva de como o ser humano é capaz de feitos extraordinários.
É a melhor ginasta de sempre.
P.S. Ainda restam três finais para Simone Biles disputar, durante este sábado, nos Mundiais de ginástica de Estugarda.
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