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Atenção mundo: Simone Biles está de volta. Pela primeira vez desde os Jogos de Tóquio, quando parámos para a ouvir falar de saúde mental

Atenção mundo: Simone Biles está de volta. Pela primeira vez desde os Jogos de Tóquio, quando parámos para a ouvir falar de saúde mental
Clive Brunskill/ Getty Images

Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, Simone Biles fez o mundo refletir sobre a humanidade que existe nos atletas que nos habituamos a ver como super heróis. Ao desistir de uma série de provas, trouxe a saúde mental ao debate. Depois, andou a dois anos a viver a vida fora dos pavilhões. Agora, está de volta, no U.S. Classic, prova que serve de antecâmara aos campeonatos nacionais dos EUA, em agosto

Enquanto voava, a mente desconectou-se do corpo. Chamam-lhe os twisties, termo que os ginastas desencantaram para explicar a perda de noção espacial quando se está no ar. Mina a confiança, eletrifica as dúvidas. Soubemos o que eram os twisties há dois anos, quando Simone Biles, em plenos Jogos Olímpicos de Tóquio, percebeu que os demónios que ocuparam a sua cabeça eram mais fortes que a sua impulsão, a graciosidade dos seus saltos, os elementos que mais ninguém na história da ginástica havia feito com a aquela potência, aquela projeção, aquela dificuldade.

“Sempre que se entra numa situação de stress, quase enlouquecemos. É uma porcaria quando se está lutar contra a própria cabeça”, disse aos jornalistas a atleta, diminuta em tamanho, gigante em talento, depois de desistir da prova por equipas do all-around, onde os Estados Unidos defendiam o título olímpico. Simone olhou para a mesa, correu, rodou e fez um primeiro salto muito longe das loucuras desafiadoras da gravidade com que nos havia habituado.

Algo não estava bem e Simone afastou-se.

E então, quando todos pensávamos que Simone Biles seria a figura principal de uns Jogos já sem Bolt ou Phelps, Biles tornou-se de facto a figura primordial e mais importante daqueles Olímpicos da pandemia, porque colocou na ordem dos dias a discussão sobre a saúde mental das mulheres e homens que nos habituámos a ver como super heróis. Eles, podem ter capas, mas também são de carne e osso. A Biles foi-se-lhe a confiança quando, inesperadamente, sem aviso, se sentiu perdida no ar e agarrou o “milagre” de ter aterrado sem magoar gravemente o seu corpo, que reagiu negativamente com força de leão à perceção real de um risco que todos aqueles atletas correm quando se impulsionam para espaços onde o ar já é rarefeito.

Jamie Squire/Getty

“Simplesmente não confio tanto em mim como em outros tempos. Não sei se é da idade, mas fico mais nervosa quando compito”, explicou. Para uma ginasta, habituada aos milímetros, às décimas, aos nicos de madeira onde se pulula, às piruetas arriscadas, isso pode ser fatal.

Simone Biles ainda competiria em Tóquio: apresentou-se na final da trave, a última final dos aparelhos, depois de desistir consecutivamente de todas as outras finais. O Centro de Ginástica de Ariake, pleno apenas de colegas e jornalistas, os únicos autorizados a estar nas bancadas nos Jogos da capital nipónica, despiu-se então de objetividade, serviu palmas, gritos e urras àquele pedaço de corajosa mulher, que foi apenas bronze, mas um bronze que foi uma vitória. Biles poderia ter-se tornado na ginasta mais decorada da história dos Jogos Olímpicos, mas talvez tenha dado muito mais ao mundo do que um ramo de medalhas conseguirá oferecer.

Daí para cá, a vida de Simone Biles bebeu pouco da ginástica. Poucos meses depois de Tóquio, testemunhou perante o Senado norte-americano contra Larry Nassar e a atuação do FBI na investigação ao ex-médico da equipa nacional feminina de ginástica, que abusou de centenas de atletas. Simone foi uma delas. Depois viveu a vida, longe da pressão, casou-se.

E agora está de volta.

Paris no horizonte?

O regresso da atleta está assim marcado para 5 de agosto, no U.S. Classic, evento da federação norte-americana de ginástica que geralmente serve de antecâmara e preparação para os campeonatos nacionais, que acontecem no fim do mês. Aos 26 anos, Biles está já em idade geriátrica para a ginástica, mas ela nunca foi uma atleta comum.

Em 2018, foi nesta mesma prova que Biles regressou à competição depois de um hiato de dois anos após arrasar nos Jogos Olímpicos do Rio, onde ganhou quatro medalhas de ouro. Biles nunca colocou de parte estar nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, e poderá estar aqui o sinal de que vai tentar a qualificação para os seus terceiros Jogos Olímpicos, algo que, num desporto dominado por teenagers, apenas um grupo restrito de cerca de 50 mulheres conseguiu fazer.

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