O PGA Tour temeu que os milhões da Arábia Saudita ganhassem e tomassem o golfe, porque era inevitável que o conseguissem
Drew Angerer/Getty
Dois dirigentes do PGA Tour foram a um subcomité do Congresso dos EUA responder a questões sobre a fusão com o LIV, o circuito de golfe financiado pelo Fundo Soberano da Arábia Saudita que estava a aliciar jogadores com dinheiro. Entre as confissões, soube-se que havia planos para contratar Tiger Woods, que os sauditas poderão investir mais de mil milhões de dólares na nova entidade e que a cúpula do circuito norte-americano temia que acabassem por ser “degolados em cinco anos” se nada tivesse sido feito
O atrito foi público e nada escondido, durante cerca de dois anos houve bate-bocas entre os golfistas que cederam ao cortejo e os que lhe resistiram, dirigentes de ambos os lados das trincheiras falaram e houve atletas a serem proibidos de entrar em provas. Até que, sem indícios ou rumores que o fizessem prever, os antagónicos fizeram as pazes: a 6 de junho, o PGA Tour norte-americano, o DPA World Tour com sede europeia e o LIV Golf, o mal-afamado circuito saudita, anunciaram a criação de “uma nova entidade com fins lucrativos”.
Sem revelarem muito mais, deixando só assim a notícia a marinar sem esclarecer quem, de facto, cedera a quem, um subcomité do Congresso dos EUA quis saber mais e chamou dois dirigentes do PGA Tour a submeterem-se às perguntas dos senadores. As respostas, finalmente e citadas pelo “The Guardian” e o “The New York Times”, deram alguns esclarecimentos às razões que empurraram os norte-americanos para o negócio após dirigiram tão acérrimas críticas à organização a operar com os milhões do PIF, o fundo soberano da Arábia Saudita que agora poderá investir “mais de mil milhões de dólares”.
Embora sem especificar um valor, a garantia foi dada por Ron Price, diretor de operações do PGA Tour que reconheceu a cedência do circuito norte-americano às evidências endinheiradas. “O LIV teria continuado a recrutar jogadores e a colocar o nosso tour em perigo”, explicou, indicando que “ter-se-iam tornado os líderes do golfe profissional”. Questionado por senadores norte-americanos acerca dos motivos para o PGA Tour não ter procurado outras fontes de financiamento e prosseguido na sua luta contra o LIV, disse que “ainda” estariam a travar uma “litigação muito cara e disruptiva”. Ao seu lado, James Dunne, membro da direção do circuito norte-americano, agravou esse cenário com o qual os dirigentes se deparavam.
Falando acerca dos sauditas que governavam o LIV e do fundo que os sustentava, revelou “o medo” que sentira dessa “gestão que pretendia destruir” o PGA Tour. “Eles têm um horizonte e um dinheiro ilimitados. Não é uma questão de o produto ser melhor, é simplesmente que têm muito mais dinheiro e isso mexe com as pessoas”, constatou. Só em honorários com advogados e despesas de tribunais, Dunne revelou que o tradicional circuito dos EUA, que até há dois anos reunia todos os melhores golfistas do mundo, gastara de 100 milhões de dólares. São cerca de 90,7 milhões de euros.
Recuando aos tempos pré-acordo para a fusão - que é apenas um esboço de entendimento e ainda não é definitivo -, o mesmo dirigente admitiu a “preocupação” de que a Arábia Saudita acabasse por “ser dona do golfe” caso a disputa prosseguisse. “[Porque] eles podem fazê-lo. Toda a sua existência dependia em levar mais jogadores dos nossos. E não são muitos, são apenas um par de centenas. Se o LIV levasse cinco golfistas por ano durante cinco anos, podiam degolar-nos.” Entre os casos mais cintilantes que trocaram de alianças estiveram Phil Mickelson, vencedor de seis majors, Dustin Johnson ou o espanhol Sergio García. E os sauditas não pareciam resfriar o ímpeto, como lembrou James Dunne: “Eles não têm restrições económicas ou de tempo.”
Os dirigentes do PGA Tour estimaram ter um acordo final entre os três circuitos lá para o final do ano. Um dos poucos dados que são públicos e concretos é que Yasir al-Rumayyan será o presidente da empresa que gere o PGA Tour. Ele é o chefe do fundo soberano da Arábia Saudita que, além do LIV, detém o Newcastle, clube da Premier League, e os quatro principais clubes da principal liga de futebol do seu país, que tem atirado milhões de euros para cima das muitas das principais estrelas mundiais da bola, tendo já contratado Karim Benzema, N'Golo Kanté, Kalidou Koulibaly, Roberto Firmino ou os portugueses Rúben Neves e Jota - sucessores, portanto, de Cristiano Ronaldo, o provável mais famoso futebolista no ativo que em dezembro se juntou ao Al-Nassr.
Entre os documentos disponibilizados pelo Congresso norte-americano para esta audiência, constam planos do LIV (datados de há três meses) para convencer Tiger Woods a jogar no circuito saudita. O mais sonante nome do golfe foi, desde o início, um opositor desse tour, embora não tão insistente quanto Rory McIlroy - que também estava incluído nas intenções.
Durante os cerca de dois anos que durou a crispação entre os circuitos do PGA e LIV, várias das figuras que mandavam no primeiro repetiram as aparições públicas para criticarem as investidas da organização da Arábia Saudita. No final, acabaram por lhes ceder, o que fez Richard Blumenthal, um senador democrata presente na audiência, constatar que a sessão se resumia a abordar “a hipocrisia” de todo o processo. “O dinheiro é a razão para se terem rendido (…) como vastas quantidades de dinheiro podem induzir indivíduos e instituições a traírem os seus valores e apoiantes, ou talvez revelar a ausência de valores desde o início”, argumento o mais voraz crítico que se pronunciou no Senado norte-americano.
Não falando diretamente no cenário mais global e além-fronteiras dos EUA, até porque as preocupações de Washington, neste assunto, ficarão pelo seu território, Blumenthal acrescentou uma consideração que se pode estender aos tentáculos dos milhões da Arábia Saudita que já espreitam noutras modalidades (fala-se de um reforço da presença na Fórmula 1 e no ténis): “Isto é sobre outros desportos e instituições que poderão ficar presas, se os seus líderes deixarem que tudo seja sobre dinheiro.”