Jakob Ingebrigtsen, um dos “Kardashian da Noruega” que duvidou durante 4.950 dos 5.000 metros que o tornaram bicampeão mundial
Hannah Peters
O atleta da Noruega, de 22 anos, voltou a perder a final dos 1.500 e a ganhar a dos 5.000 nos Mundiais de Atletismo, em Budapeste, tal como acontecera no ano passado. Estrela no seu país, sobretudo depois de uma série documental que acompanhou a família durante uma década (Jakob tem outros irmãos atletas campeões), tem o corpo pintado de tatuagens enigmáticas, o que é também um ato de rebeldia contra os puristas do atletismo. “Eles querem que o desporto seja como costumava ser: camisolas brancas, calções rasgados e bigode”
O guião foi exatamente o mesmo do ano passado, em Eugene, nos Estados Unidos. Depois de perder para um britânico a final dos 1.500 metros, o atual campeão olímpico dessa distância, Jakob Ingebrigtsen, conquistou no domingo o ouro nos 5.000 metros nos Mundiais de Atletismo, em Budapeste.
O norueguês, de 22 anos, resistiu a uma dor de garganta, a tonturas e ainda a uma concorrência feroz de Mo Katir. “Sabem, ele é o melhor atleta hoje em dia. Para ganhar-lhe tens de dar o teu melhor”, explicou o espanhol que conquistou a medalha de prata, superado pelo nórdico nos últimos metros. Não há melhor elogio do que o que sai das bocas dos pares.
O atleta da Noruega terminou a prova de cinco quilómetros em 13:11.30 enquanto Katir lhe mordia a sombra (13:11.44). Depois da corrida, perguntaram ao bicampeão mundial de 5.000 metros se duvidou em algum momento que venceria aquela prova. Sem pestanejar, disse que sim. “Em que momento?”, insistiu o jornalista, tentando quebrar o discurso austero. “Nos primeiros 4.950 metros”, respondeu. Rever os últimos 50 metros da final é viciante.
“Ganhar outro título mundial é ótimo, claro, mas eu estava muito cansado”, admitiu na ressaca da conquista. “Tentei guardar alguma energia para ganhar no fim porque era a única coisa a fazer esta noite. Eu sabia que, se as minhas táticas fossem melhores do que as dos meus concorrentes, teria a oportunidade de ganhar e foi isso que aconteceu. Resultou perfeita e absolutamente”, regozijou-se, antes de admitir que a vitória significava muito para ele depois de perder novamente nos 1.500 metros. “Não tenho estado no meu melhor, mas tinha a motivação e um grande apoio.”
Ingebrigtsen é uma super estrela na Noruega. Para tal, provavelmente contribuiu um documentário televisivo sobre ele e os irmãos Henrik e Filip, também atletas com vitórias especiais em grandes palcos. Há quem lhes chame os Kardashians da Noruega. E ele admite que mal pode sair de casa no seu país.
Houve tempos em que o ouro não se pendurava no pescoço como agora parece tão natural, o que valoriza a caminhada sustentada e com os olhos presos ao horizonte.
Depois de um quarto lugar nos 1.500 nos Mundiais de Atletismo do Catar, em 2019, seguiram-se duas pratas em Eugene e Budapeste, em 2022 e 2023, como já foi referido. Falta, portanto, o ouro na modalidade em que detém o título olímpico, se contarmos apenas os Mundiais de Atletismo, pois já o conquistara na Liga Diamante e, como veremos a seguir, nos Europeus. O duplo ouro nos 5.000 metros nos Mundiais de Atletismo seguiu-se a um quinto lugar no Catar, na tal competição de 2019, o melhor desempenho do norueguês naquele segmento até ao ano passado.
Jakob, Henrik, Filip
Os três irmãos atletas (são sete no total) já tinham dado que falar nos Europeus de Atletismo. Henrik, o mais velho deles, conquistou o ouro nos 1.500 metros em 2012, algo que Filip também faria em 2016, juntando-lhe um recorde nacional. Jakob, o benjamim do grupo que partilha sangue e fome de vencer, também trincou o ouro nos 1.500 e 5.000 nos Europeus de Berlim e Munique, em 2018 e 2022. Em julho, Ingebrigtsen bateu o recorde europeu de 1.500m em Silésia, na Polónia, fixando-o nos 3:27.14.
Alexander Hassenstein
Foi por isso que a certa altura Leif Inge Tjelta, um professor de Ciências do Desporto da Universidade de Stavanger, na Noruega, começou a seguir e a estudar as sessões de treino dos irmãos Ingebrigtsen, todos treinados pelo pai, Gjert, revelou o “The New York Times”, em setembro de 2019. O estudo foi publicado no “Internacional Journal of Sports Science and Coaching” e procurou esmiuçar os métodos, treinos, opções e diferentes trajetos dos irmãos especiais e procurar explicações para tanto sucesso. “[Eles] têm muita sorte com os genes, mas os genes tiveram de combinar com outros fatores”, reconheceu Tjelta.
Além das vitórias e da tal série televisiva que acompanhou a família de Jakob durante uma década, um trabalho que culminou com o ouro olímpico no Japão para o caçula, a atenção mediática cola-se também às tatuagens que se espalham pelo corpo dele, o que leva alguns a torcer o nariz. E isso promoveu algumas reflexões interessantes por parte de Jakob Ingebrigtsen.
“Toda a gente fala nelas, mas normalmente não digo nada sobre o significado”, disse numa entrevista, em junho de 2022, enquanto treinava com Henrik no Arizona. “O que tem piada no atletismo é que o adepto normal é como o adepto da Ferrari. São puristas. Eles querem que o desporto seja como costumava ser.” E como é isso? “Camisolas brancas, calções rasgados e bigode.”
A reflexão foi mais vasta e a comparação com os tifosi da Ferrari idem. É por isso que, para ele, as tatuagens são também como um ato de rebeldia, uma reivindicação dos novos tempos e, no fundo, um aviso para os atletas de tempos idos de que existe uma modernidade a querer assaltar as suas marcas e os seus recordes.