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Porque saltas tu tão alto, ‘Mondo’ Duplantis?

Porque saltas tu tão alto, ‘Mondo’ Duplantis?
Ali Gradischer

Armand ‘Mondo’ Duplantis bateu pela sétima vez o recorde do mundo de salto com vara, fixando-o em 6.23 metros e já (quase) fez esquecer Sergey Bubka. Tem 23 anos, ainda agora começou e mesmo sem a ‘pica’ de ter opositores à altura, continua na sua cruzada de ser o melhor de sempre

Há expressões que se colam a pessoas ou que parecem terem sido criadas para descrever alguém em específico. É o caso de “elevar a fasquia”. Existe há centenas, se não milhares de anos, mas parece ter sido criada, literalmente, para Mondo Duplantis.

O atleta sueco, de 23 anos, campeão olímpico, mundial e europeu de salto com vara, voltou a provar que elevar a fasquia é mesmo com ele ao bater pela sétima vez o recorde do mundo de salto com vara, fixando-o em 6.23 metros. Aconteceu neste domingo, na prova da Liga Diamante, em Eugene, nos EUA, exatamente três anos após ter desfeito o recorde de Sergey Bubka, que durou 26 anos, quando saltou 6.15m, mais um centímetro que o ucraniano.

“Não me lembro do salto. Estou a falar a sério. Eu sabia que, quando estava a passar por cima da barra, não devia entrar em pânico, porque sabia que ia ter de me espremer um pouco. Não sei, olhei para cima e a barra ainda estava lá - não sei, é difícil de explicar. Nunca tive tanta gente nas bancadas a puxar por mim e pelo recorde do mundo. É um sentimento inacreditável, até porque a minha família estava nas bancadas”, disse ‘Mondo’ em declarações à televisão, após saltar os 6.23m.

A isto chama-se fechar com “chave de ouro”, se quisermos usar outra expressão, para atestar como o atleta sueco terminou a época competitiva.

ADN e obsessão

De onde saiu este super atleta e onde vai arranjar motivação para se superar tantas vezes, sem opositores à vista?

Em vez de falarmos de motivação, no caso de Armand Gustav ‘Mondo’ Duplantis, nascido e criado em Lafayette, no Louisiana (EUA), temos de falar de ADN e obsessão. E, claro, ter uma estrutura para praticar salto com vara no quintal também ajuda.
Primeiro vamos ao nome do meio ‘Mondo’, que significa mundo, uma alcunha que ninguém parece saber explicar muito bem porque surgiu, mas que todos sabem ter sido posta por um italiano, amigo do pai, quando era muito novo.

Filho de um norte-americano, Greg Duplantis, que foi um talentoso saltador com vara e de uma mãe sueca, Helena, ex-heptatleta, foi muito fácil para ‘Mondo’ experimentar e ganhar o gosto pela modalidade, sobretudo porque os pais construíram uma instalação de salto com vara no jardim das traseiras da sua casa. Com apenas três anos experimentou pela primeira vez e o entrosamento foi imediato. Sempre sob a orientação do pai, ‘Mondo’ demonstrou não só um talento nato, como uma curiosidade enorme sobre uma modalidade que exige grande técnica.

Nas várias entrevistas que deram, os pais referiram sempre a capacidade competitiva, até porque cresceu com dois irmãos e uma irmã, mas também uma determinação fora do normal, que se tornou numa obsessão. Há relatos de que foram várias as vezes em que tiveram de tirá-lo da frente do YouTube, à meia-noite, porque estava a ver vídeos de salto com vara, com especial preferência pelos do francês Raynaud Lavillenie, o seu herói. Com uma mentalidade destas, não é de estranhar que Duplantis tenha estabelecido o seu primeiro recorde mundial, do seu escalão etário, aos sete anos. A partir daí continuou a bater o recorde do seu escalão etário nos seis anos seguintes.

JOHN THYS/Getty

O salto para a Suécia

Apesar de ter nascido e crescido nos EUA, decidiu representar o país da sua mãe, a Suécia, sobretudo desde que um treinador da Associação Sueca de Atletismo começou a ligar-lhe quase diariamente, aliciando-o com melhores condições para a prática da modalidade, já que no país nórdico um estádio de atletismo é tão comum como um campo de futebol ou de basebol nos EUA.

Como durante a infância se habituou a passar os verões naquele país escandinavo, foi-se apercebendo da importância do atletismo na nação europeia. Começou a passar mais tempo na Suécia, aprendeu a língua, e foi conquistando também o coração dos suecos.

Em 2015, ganhou o seu primeiro Campeonato Mundial de Juniores. Dois anos depois, venceu o Campeonato Europeu de Juniores. Em 2018, conquistou duas medalhas de ouro nos Campeonatos da Europa e no Campeonato do Mundo de sub-20. E foi também nesse ano que ultrapassou, pela primeira vez, a marca dos seis metros. “No salto com vara, os 6 metros são o limite que separam os grandes saltadores dos lendários”, disse na altura.

Em 2019, quando se tornou profissional, já toda a gente do meio o conhecia. Nesse mesmo ano venceu a medalha de prata no Campeonato do Mundo, em Doha. Em 2020, quebrou dois recordes mundiais numa semana. Após bater a marca que Renaud Lavillenie tinha estabelecido quase seis anos antes, ao saltar 6.17m, na Polónia, ‘Mondo’ bateu o seu próprio recorde por um centímetro, em Glasgow, na Escócia, onde saltou 6,18 metros - ambos em pista coberta. Ainda em 2020, bateu o recorde mundial de ar livre, de Bubka, ao saltar 6.15m, por isso, em 2021, quando chegou aos Jogos Olímpicos de Tóquio, já tinha os olhos do mundo postos nele.

Não defraudou: tornou-se campeão olímpico.

No Campeonato do Mundo de 2022, disputado em Eugene, nos EUA, conquistou a primeira medalha de ouro e quebrou pela quinta vez o recorde mundial, a primeira ao ar livre, saltando 6.21m. Já este ano, em fevereiro, acrescentou mais um centímetro ao recorde mundial, 6.22m, em França. E se, no mês passado, em Budapeste, na Hungria, saltou apenas 6.10m, foi o suficiente para sagrar-se bicampeão mundial. "Sempre pensei que tinha a capacidade de ser o melhor saltador de vara do mundo", disse ‘Mondo’ antes do início dos Jogos Olímpicos de Tóquio. “Pensava isso desde que era um miúdo.”

Mas se dúvidas ainda há sobre a sua motivação e porque não se cansa de saltar sem opositores à altura, ele esclarece: “Quero fazer mais do que Bubka fez. Mais Jogos Olímpicos do que ele, mais campeonatos do mundo.”

Reescrever o livro dos recordes parece já uma banalidade para “Mondo”, por isso espera-se que seja uma das maiores atrações do atletismo nos Jogos Olímpicos de Paris em 2024.

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